(1902 – 1966)
Libertária, professora primária e membro da União Anarquista, esta cidadã destacou-se nas lutas anarquistas, desde a juventude. Entregou-se devotadamente ao ensino livre de crianças e adultos.
Miquelina Maria Possante Sardinha nasceu a 11 de Setembro de 1902, em Avis. O seu pai, Manuel dos Santos Sardinha, era operário carpinteiro e sofria com a exploração dos proprietários para quem trabalhava. Embora então sem escolaridade, era um homem insubmisso – espírito que iria transmitir à filha. Assim terá nascido o destino lutador e conspirativo desta cidadã.
O início de Miquelina no movimento anarquista
Com o andar dos anos, Manuel Sardinha veio a estabelecer-se na vila de Ponte de Sor, já o movimento anarquista estava lançado e alargado a todo o país. Ainda criança, Miquelina acompanhou os pais para aquela localidade, onde o pai encontrou um grupo de anarquistas que, como ele, perfilhavam ideais de laicismo e de liberdade individual. Manuel aderiu então à Federação dos Trabalhadores Rurais de Portugal de cariz anarco-sindicalista.
Já como anarquista conhecido no meio,
iria ter ao seu lado a filha, e é numa sala da sua própria casa que é instalado o Sindicato da Construção Civil, membro da Federação, onde são recebidos delegados e conferentes, onde é vendida “A Batalha”, “A Comuna”, e são reunidos manifestos e proclamações a distribuir. Miquelina Sardinha era a secretária, redigia textos e, muitas vezes, era a oradora do Sindicato. Privava com figuras influentes do anarquismo, que a família recebia por ocasião das conferências realizadas na região.
“Escolas libertárias”
No contacto que Miquelina Sardinha manteve com uma professora, Vitória Pais de Andrade[1], conhecida combatente libertária, tornou-se ela própria professora (ensino livre) e ensinou crianças e adultos. Mulher de grande generosidade, entregava-se ao ensino nas “escolas libertárias” com dedicação e empenho[2]. Simpatizante do sistema educativo de Francisco Ferrer[3], começou a ser acusada de instrumentalizar a educação infantil, mas também de ter fundado um grupo anarquista e de escrever na “Batalha” crónicas denunciadoras dos atropelos da G.N.R. Até que lhe encerraram a escola. O então ministro João de Barros recebeu, em Lisboa, uma delegação que lhe apresentou protestos. O poeta compreendeu a situação e mandou reabrir a escola.
Miquelina casou, a 5 de Novembro de 1925, com Francisco Nóbrega Quintal Júnior (1898 – 1987), militante libertário, que foi director do jornal A Voz Anarquista e membro da União Anarquista. Este era professor duma escola libertária em Alferrarede (Abrantes), mas teve outras profissões, entre elas, pescador de bacalhau. A mulher acompanhou-o na propaganda, na luta, nas fugas às perseguições. Constituiram família. Quando o casal veio viver para Lisboa, Miquelina passou a leccionar na escola do Sindicato Único da Construção Civil, sediado no Palácio do Correio Velho, Calçada do Combro, n.º 38-A. Com o marido, continuou a difundir as ideias anarquistas até ao fim da vida.
Tinha casado pelo Registo Civil e nunca se submeteu aos preceitos religiosos. Foi sempre ateia, ainda que um padre tentasse catequizá-la. Morreu em 27 de Outubro de 1966.
Miquelina Sardinha é a anarquista com bebé ao colo, e o companheiro, Francisco da Nóbrega Quintal, é o nº 24. Foto na Conferência anarquista (1925)
[1] Vitória Pais Freire de Andrade Madeira (1883-1930) foi uma importante republicana, feminista e maçon nas primeiras três décadas do século XX. Para além de intensa actividade enquanto educadora e da militância no associativismo docente, em 1928, sendo muito conceituada entre o professorado primário, numa atitude coerente e corajosa, foi Vogal da Comissão Executiva em prol das famílias dos presos, deportados e emigrados políticos, que visava recolher donativos, (organizada por sugestão do jornal republicano “O Rebate”), tornando-se o seu último acto público conhecido.
[2] Estas escolas estavam ligadas aos sindicatos e destinavam-se, especialmente, à educação de crianças pobres que recebiam não só ensino gratuito como alimentação e vestuário e, por vezes, alojamento, no sentido de lhes proporcionarem um desenvolvimento intelectual e físico equilibrado. Além de leccionar as disciplinas curriculares, estas escola incutiam valores de liberdade de pensamento, de acordo com os ideais anarquistas, e incluíam a aprendizagem de um ofício.
[3] O pedagogo Francisco Ferrer Guardia foi, talvez, o único educador condenado à pena de morte e fuzilado. Ainda que a acusação feita contra ele no tribunal militar tivesse sido a de mentor intelectual e incitador das revoltas populares em Barcelona, conhecidas como “Semana Trágica”, o processo contra ele deixa entrever que a criação da «Escuela Moderna de Barcelona», em 1901, havia provocado os conservadores além do que eles podiam suportar.
Dados biográficos:
- Ilda Soares de Abreu, Feminae. Dicionário Contemporâneo
- Portal Anarquista – (memória libertária) Miquelina Sardinha (1902-1966), uma anarquista de Avis
- Arquivo Histórico-Social – Sardinha, Miquelina Maria Possante (1902-1966)
- SCI LEO – Francisco Ferrer Guardia: o mártir da Escola Moderna
- E. Rodrigues (1982). A oposição Libertária em Portugal. 1939-1974. Lisboa. Sementeira
- Cidadãos por Abrantes – O bebé da Camarada Miquelina