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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

14º Festival de Cinema Europeu de Sevilha

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Muito cinema português e evocação de António Reis e Margarida Cordeiro.

Começou no passado dia 3 e termina no próximo sábado a 14.ª edição do ‘Festival de Cine Europeo de Sevilla’, mostra que tem como objectivo promover e difundir as cinematografias europeias. Este ano o cinema português tem uma presença relevante com destaque para o ciclo “Lejos de las Leyes, El Cine de Margarida Cordeiro y António Reis”.

Margarida Cordeiro e António Reis

Esta é uma oportunidade para os espectadores e participantes do certame andaluz tomarem contacto com uma obra que é, nos dias de hoje, quase invisível e também um bom pretexto para aqui evocarmos um nome importante do cinema português, que está, como alguns outros, no limbo do esquecimento. Poeta (da escrita e da imagem) e professor de cinema, António Reis nasceu em Valadares (Vila Nova de Gaia) em 1927 e morreu em Lisboa em 1991. Do final da década de 50 datam os seus livros de poemas: “Poemas do Quotidiano” (1957) e “Novos Poemas do Quotidiano” (1959). Por esses anos Reis fazia parte da Secção de Cinema Experimental do Cine-Clube do Porto tendo participado, com Henrique Alves Costa, Lopes Fernandes e outros, na feitura, em 1959/60, de “Auto da Floripes”, registo de uma representação popular do confronto entre cristãos e mouros, anualmente reeditada no lugar das Neves, Viana do Castelo.

“Jaime” (1973/74)

“Trás-os-Montes” (1976)

Em 1961/62 é assistente de realização de Manoel de Oliveira em “Acto da Primavera”, sobre o Auto da Paixão representado pelo povo da freguesia da Curalha (Chaves), obra seminal do período de ‘travessia do deserto’ daquele que haveria de ser o mais importante cineasta português. Nessa década António Reis assinará algumas curtas-metragens e os diálogos de “Mudar de Vida” (1966) de Paulo Rocha. “Jaime” (1973/74), co-realizado nos últimos meses da ditadura, com a sua mulher, Margarida Cordeiro, ao tempo psiquiatra no Hospital Miguel Bombarda, aborda de forma poética a obra pictórica que um camponês esquizofrénico internado durante 30 anos, produziu nos últimos cinco anos de vida. “Jaime” estreou nos cinemas no dia seguinte ao ‘1º de Maio’ de 1974 e foi premiado no Festival de Locarno desse ano.

“Ana” (1984)

“Rosa de Areia” (1989)

Nos anos seguintes e a par da sua actividade docente na Escola de Cinema, António Reis, sempre em parceria com Margarida Cordeiro, realizará a sua restante filmografia – “Trás-os-Montes” (1976), “Ana” (1984) e “Rosa de Areia” (1989) – um cinema poético, etnográfico e quase sempre muito próximo do documentário, marcas que lhe ficaram dos dois primeiros filmes em que participou. O ciclo agora organizado em Sevilha inclui todos os títulos de António Reis atrás referidos, “Acto da Primavera” de Manoel de Oliveira, “Mudar de Vida” de Paulo Rocha e duas obras de autores, de diferentes gerações, fortemente influenciados pelo poeta-cineasta: “O Sangue” (1990) de Pedro Costa (que foi aluno de Reis) e “Farpões Baldios” (2017) de Marta Mateus.

“A Fábrica de Nada” de Pedro Pinho e “Ramiro” de Manuel Mozos na Secção Oficial

“A Fábrica de Nada”, de Pedro Pinho

“Ramiro”, de Manuel Mozos

“A Fábrica de Nada” de Pedro Pinho, que foi já premiado em Cannes e em Munique, um drama musical a partir de uma ideia de Jorge Silva Melo, que se centra num grupo de trabalhadores que através da autogestão procura conservar os postos de trabalho numa fábrica com uma administração danosa e “Ramiro” de Manuel Mozos (ele também aluno de António Reis), retalhos da vida de um alfarrabista e poeta sempre à espera da inspiração, segundo a promoção do filme “uma comédia delicada” e que, não sendo um documentário, estreou na recentíssima edição do Doclisboa.

Os filmes portugueses participam numa secção em que competem com filmes de Laurent Cantet, Mathieu Amalric, Lucrecia Martel, Claire Denis, Xavier Beauvois ou Manuel Muñoz Rivas, entre outros.

“Colo” de Teresa Vilaverde e “Tarrafal” de Pedro Neves em ‘Nuevas Olas’

“Colo”, de Teresa Vilaverde

“Tarrafal”, de Pedro Neves

Numa secção paralela designada “Nuevas Olas” / Novas Ondas, apresentada como ‘novas forças do cinema e veteranos inclassificáveis’ encontramos “Colo”, o filme de Teresa Vilaverde protagonizado por Beatriz Batarda e João Pedro Vaz, que integrou a secção oficial do Festival de Berlim deste ano. Na área da não-ficção, ‘novas maneiras de representação do real’, está presente “Tarrafal”, o documentário de Pedro Neves sobre as memórias e o que sobrou do Bairro portuense de S. João de Deus, que brilhou no PortoPostDoc/2016 e que em Agosto passado obteve o Prémio de Melhor Documentário Português no Festival Filmes do Homem /Melgaço.

E pronto. Aqui fica uma referência à muito significativa presença do cinema português num dos mais importantes festivais de cinema que se realizam em Espanha.

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