Durante a nossa infância e adolescência, muitas das nossas descobertas mais inesquecíveis importantes, aparentemente, aconteceram nas nossas férias escolares. Aparentemente, deveria ser durante as aulas que isso devia ter acontecido. À partida, a escola seria o local e o tempo apropriados para cada um realizar as suas descobertas. Mas não. As nossas mais vitais descobertas ocorreriam, afinal, no período em que não estávamos diante dos professores. Parece um contra-senso, mas talvez não. Por várias razões. Primeiro, porque a escola de que guardamos memória, nomeadamente a escola primária durante a longa noite da nossa ingenuidade e mesmo a escola secundária depois, não eram espaços destinados a grande voos de criatividade, de estímulo à imaginação, de descoberta afinal.
As descobertas eram servidas já descobertas e os passos da invenção deviam ser decorados; ninguém criava, criticava, pensava, descobria. Por outro lado, as descobertas mais essenciais, as que diziam respeito ao nosso corpo (à nossa identidade), à nossa capacidade de nos apaixonarmos depois da descoberta do outro, às nossas relações com os amigos e a descoberta da amizade, aconteciam fora da escola. As nossas inquietações mais estimulantes só podiam acontecer fora do espaço limitado da escola e da autoridade e no contacto com quem aparecia pela primeira vez, os amigos da rua, os primos, as meninas que estavam também de férias, fora do espaço vigilante e autoritário da escola, num ambiente de feliz disponibilidade e liberdade. Ora, esse ambiente festivo só podia ser o das férias escolares.
George Steiner em Errata: revisões de uma vida (Ed. Relógio D’Água), relata-nos a sua descoberta durante umas férias em família no Tirol, tinha então perto de dez anos. Descreve-nos aí como, a partir dum livro sobre brasões de Salzburgo que um tio lhe leva, se entrega à sua descoberta durante uns dias chuvosos. É a partir desse livro que Steiner tem a intuição da singularidade, de que tudo é irremediavelmente diferente, da impossibilidade do mesmo, das “numerosas diversidades que nenhum esforço de classificação ou enumeração poderiam esgotar” (p. 11).
A revelação da unicidade enfeitiçante e incomensurável, fascina-o e, ao mesmo tempo, aterroriza-o. Ora, esses sentimentos contraditórios estão sempre presentes numa descoberta serôdia. O que Steiner descreve magistralmente resume a essência da descoberta e a turbulência que acontece na alma do descobridor. Porém, esse vendaval estimulante só podia acontecer fora da escola e das aulas, do reino da repetição e da autoridade cinzenta do mesmo. Só fora desse espaço e desse tempo controlados e controladores seria possível optar por aquilo que Derrida designava como a intensidade de vida possível a cada momento. No momento em que suspendo as actividades lectivas e entro numa espécie de curtas férias, recordo as minhas longas férias estivais ou aquelas que aconteciam de forma breve durante o Natal. Não tive nenhuma epifania como Steiner. Os meninos pobres aprendiam tudo na escola e descobriam na rua, no caminho a pé, para casa.
George Steiner, Errata: revisões de uma vida, Lisboa, Relógio D’Água, 224 pp.