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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Canto Interior de uma Noite Fantástica

Canto Interior de uma Noite Fantástica“, poema de António Jacinto

Canto Interior de uma Noite Fantástica

 

Sereno, mas resoluto
aqui estou – eu mesmo! – gritando desvairado
que há um fim por que luto
e me impede de passar ao outro lado

Ante esta passagem de nível
nada de fáceis transposições
Do lado de cá – pareça embora incrível
é que me meço: princípio e fim das multidões

Não quero tudo quanto me prometam aliciantes
Nada quero, se para mim nada peço,
o meu desejar é outro – o meu desejo é antes
o desejo dos muitos com que me pareço

Quem quiser que venha comigo
nesta jornada terrena, humana e sincera
E se for só – ainda assim prossigo
num mar de tumulto impelido os remos sem galera

Que venham glaucas ondas em voragem
que ardam fogos infernais
que até os répteis soltem seus instintos
e me envolvam traiçoeiras e viscosos

Que me derrubem e arremessem ao chão
que espezinhem meu corpo já cansado
à tortura e ao chicote ainda responderei não
e a cada queda – de novo serei alevantado

E não transporei a linha divisória
entre o meu e o outro caminho
Mesmo que a minha luta não tenha glória
é no campo de combate que alinho

Assim continuarei a lutar, ai a lutar!
num perigoso mar de paixões e escolhos
e – companheiros – se neste sofrer me virdes choras
não acrediteis em vossos olhos!

Luanda, 31-7-1952

António Jacinto,
in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban II

Poema e biografia

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