Há personalidades que, dedicando a vida à luta política, deixam uma marca de bronze na vida dos povos. No Brasil, um herói desta estirpe é Luiz Carlos Prestes, que teria completado 120 anos nesta quarta-feira (3). Ele nasceu em Porto Alegre (RS), em 1898, na viragem do século 19 para o 20. Seu destino foi o de marcar seu tempo lutando pela democracia, pelo socialismo, pela soberania nacional, de forma intransigente e sem jamais baixar a bandeira orgulhosa que ergueu desde a juventude.
Transitou do campo democrático burguês para a luta comunista dos trabalhadores ainda jovem – tinha pouco mais de trinta anos. Antes, foi um dos principais líderes do movimento tenentista, na década de 1920. Tinha apenas 24 anos de idade quando, em 1922, tornou-se capitão do Exército; serviu na Comissão de Fiscalização da Construção de Quartéis em Santo ngelo, Santiago de Boqueirão e São Nicolau (RS) e liderou a Seção de Construção do 1º Batalhão Ferroviário de Santo ngelo até maio de 1924. Fora, em 1922, um dos articuladores do levante tenentista de 5 de julho, mas não chegou a participar dele por ter contraído tifo. Dois anos depois, em 1924 foi um dos dirigentes do segundo 5 de julho e comandou o levante em Santo ngelo (RS). Foi a origem do movimento que o alçou ao imaginário político e revolucionário do Brasil – foi de Santo ngelo que partiu a tropa rebelde que registrou seu nome na história das revoluções brasileiras, a Coluna Prestes que, entre outubro de 1924 e fevereiro de 1927, percorreu quase 25 mil quilômetros, a pé, pelo interior do Brasil. Nasceu ali a lenda do Cavaleiro da Esperança, que inflamou a mente e o coração de revolucionários e progressistas Brasil afora. Apelido que acompanhou Prestes o longo de sua longa vida, que terminou em 7 de março de 1990, aos 92 anos de idade.
A Coluna Prestes, que foi o caminho que o inscreveu na história, andou pelo sertão por quase 2 anos e meio, ficou também conhecida como a Coluna Invicta pois não foi derrotada, e internou-se na Bolívia, levando Prestes ao exílio, que duraria até 1935. Viveu na Bolívia, Argentina e Uruguai. No exílio participou da organização da Revolução de 1930, influindo nela através de manifestos e entrevistas. Foi convidado por Getúlio Vargas para ser o chefe militar da revolução, mas não aceitou, radicalizando cada vez mais sua adesão à esquerda.
Na Bolívia encontrou-se, em 1930, com o dirigente comunista Astrojildo Pereira, que levou a ele vários livros e revistas comunistas. Em 1931, mudou para a URSS, onde em 1934 filiou-se ao Partido Comunista do Brasil. Foi então eleito para o Comitê Executivo da Internacional Comunista (Comintern). Voltou clandestinamente ao Brasil em 1935, onde aderiu à Aliança Nacional Libertadora (ANL) e atuou pela organização do PCB. Foi preso em 1936, com sua companheira, a comunista alemã Olga Benário, que a ditadura do Estado Novo entregou aos nazistas naquele mesmo ano (ela foi assassinada em1942, num campo de concentração na Alemanha).
Prestes estava no cárcere quando ocorreu a Conferência da Mantiqueira (Segunda Conferência Nacional do PCB, realizada em 1943), e nela foi eleito Secretário-Geral do PCB, cargo que exerceu até 1979, já no novo Partido Comunista Brasileiro, que surgiu no contexto dos debates da segunda metade da década de 1950, que culminaram na reorganização do Partido Comunista do Brasil, em 1962, aob liderança de João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar e outros.
Prestes ficou na prisão até 1945, sendo libertado pela anistia decretada em 19 de abril. Saiu da cadeia direto para os grandes comícios comunistas pela Assembléia Constituinte. Era então a liderança popular mais conhecida e amada pelos brasileiros.
Na eleição de dezembro de 1945 foi eleito senador, juntamente com uma bancada de outros 13 parlamentares comunistas.
Anistiado em 1945, Prestes era reconhecido como o principal líder comunista brasileiro. Ele foi eleito (como a lei permitia na época) deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Pernambuco e Distrito Federal, mas renunciou a esses mandatos para assumir a vaga no Senado para a qual foi eleito pelo PCB do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Foi o único senador comunista na Constituinte, e o primeiro na história dos comunistas no Brasil. Foi uma das principais figuras naquela Assembleia, onde defendeu os interesses do povo e dos trabalhadores, o desenvolvimento econômico do Brasil (e sua industrialização), a soberania nacional (e a saída das tropas dos EUA que, desde a Segunda Grande Guerra, ocupavam bases militares em território brasileiro). Defendeu uma Constituição que fosse instrumento de resolução dos problemas fundamentais da revolução democrático-burguesa no Brasil. Foi partidário do direito de voto aos analfabetos, soldados e marinheiros. Defendeu a nacionalização dos bancos, dos serviços públicos e das empresas que tivessem postos estratégicos na economia. Lutou pela eleição de juízes e pela subordinação do Poder Judiciário ao Congresso Nacional. Votou contra a menção do nome de Deus no preâmbulo da Constituição. Lutou pela reforma agrária e contra a necessidade de indenização prévia e em dinheiro em desapropriações por interesse social. Lutou contra a isenção de impostos para concessionárias de serviços públicos.
Foi autor de inúmeros requerimentos e indicações à Mesa, a maior parte dos quais apoiando reivindicações populares ou protestando contra violências e arbitrariedades policiais contra o movimento popular e grevista. Entre estas indicações destacam-se a de nº 29, pela rejeição do decreto-lei 9.070 do general Dutra, que proibia o direito de greve, e fora imposto com base na carta magna pára fascista de1937, à revelia da Constituinte que estava reunida naquele momento.
Entre os requerimentos destacam-se o de nº 69 pela revogação do decreto presidencial que prorrogou arbitrariamente por um ano os mandatos das diretorias sindicais pelegas, e o de nº 75 solicitando ao governo informações sobre a presença de espiões da Polícia Política em assembleias sindicais.
Entre as emendas que propôs ao projeto de Constituição estava aquela que declarava a Assembleia Nacional poder supremo da Nação, subordinando a ela os demais ramos do aparelho de Estado. Proposta que, evidentemente, foi rejeitada. Propôs também a adoção, na lei eleitoral, de representação proporcional para definir o número de membros no Legislativo. Outra estabelecia o interesse público e o bem estar social como limites ao direito de propriedade, que justificou afirmando que “limitar o direito de propriedade com um dispositivo que não dê margem a interpretações dúbias é condição essencial para as bases de um regime verdadeiramente democrático”. Outra tratava da exploração de jazidas minerais por capitais estrangeiros, justificando-a dizendo que “as empresas estrangeiras que têm concessões no País não constituem perigo para a Nação pelo fato de serem empresas estrangeiras mas por serem empresas imperialistas, que entravam o progresso nacional e drenam para o exterior os lucros obtidos com a exploração do povo, constituindo uma ameaça permanente à nossa soberania, uma vez que a qualquer momento, desde que se julguem lesadas nos seus interesses, podem pedir a intervenção dos seus Governos”. Outra exigia o reinvestimento em território nacional dos lucros das concessionárias estrangeiras de serviços públicos.
São apenas alguns tópicos da lista extensa das intervenções de Prestes na Constituinte de 1946. Mas sua lembrança é importante pois demonstra a impressionante atualidade de sua atuação, voltada para a solução de problemas que o povo brasileiro continua enfrentando, mais de setenta anos depois daquela Constituinte.
Aquelas ideias de Prestes continuam atuais. Pode-se discordar do dirigente comunista que ele foi. Pode-se divergir de muitas de suas idéias e práticas políticas. Mas é impossível a indiferença ante uma figura histórica de sua estatura.
Texto original em português do Brasil