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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Tinariwen: O deserto eléctrico

José Alberto Pereira
José Alberto Pereira
Professor Universitário, Formador Consultor e Mestre em Gestão

Ibrahim Ag Alhabib foi sempre um rebelde. Nasceu em 1960 em Tessalit, no norte do Mali, mas com 4 anos já fugia com a avó para a Argélia, depois de ter assistido à execução do seu pai pelo exército. No calor do seu sangue tuareg, o deserto e a descriminação cresceram junto com ele.Ainda criança viu num filme um cowboy com uma pistola numa mão e uma guitarra na outra. Fascinado, construiu a sua primeira guitarra com uma lata, uma tábua e travões de bicicleta. Tocava em casamentos e outras festas, os êxitos árabes do momento, música rai e ainda música rock, de artistas como Elvis Presley, Led Zeppelin, Bob Marley ou Jimmi Hendrix.

Crescido nos campos de refugiados argelinos, só comprou a sua primeira guitarra em 1979. No final dos anos 70 juntou-se aos grupos rebeldes tuaregues e integrou o movimento musical chaabi, cujo protesto radical se fez sentir em Marrocos. Logo nessa altura surgiram os Tinariwen, ou Rapazes do Deserto, que reuniam alguns dos seus companheiros nestes protestos. Já como grupo, no início dos anos 80 participaram activamente no movimento tuaregue, tendo recebido treino militar na Líbia e participado na revolta tuaregue do Mali em 1990. Depois da guerra, dedicaram-se a tempo inteiro à música.

Em 1992, gravaram a sua primeira cassette nos estúdios JBZ em Abidjan, na Costa do Marfim, ao mesmo tempo que iam fazendo espetáculos para as comunidades tuaregues dispersas pelo Sahara, ganhando uma crescente popularidade. A entrada no século XXI foi crucial para o êxito dos Tinariwen. Depois de em 1998 terem conhecido os franceses Lo’Jo em Bamako, tocaram com estes em França em 1999 e organizaram o Festival au Désert em 2001, sediado em Essakane, no norte do Mali. Ainda nesse ano actuaram nos festivais WOMAD e Roskilde e lançaram o seu primeiro disco, “The Radio Tisdas Sessions”.

A partir de 2001 os Tinariwen têm atuado regularmente um pouco por todo o mundo, nomeadamente na Europa, América do Norte, Japão e Austrália. São visita habitual em festivais como Glastonbury, Coachella, WOMAD ou Printemps de Bourges. À medida que foram actuando foram cimentando um conjunto de fãs ilustres, muitos deles com participação nos seus discos, como Robert Plant, Brian Eno, Carlos Santana, Thom Yorke, Chris Martin ou Bono. No intervalo dos concertos ainda representaram em 2010 a Argélia na cerimónia de abertura do mundial de futebol da África do Sul e participaram em 2011 num programa “The Colbert Report”, na televisão americana por cabo “Comedy Central”.

Em 2012 regressam à luta, com uma nova rebelião tuareg no norte do Mali, que conduziu à proclamação do efémero Estado de Azawad. Na sequência dos confrontos a música dos Tinariwen é declarada “música do diabo” pelo grupo islâmico radical Ansar Dine, o que levou os músicos a refugiarem-se temporariamente nos Estados Unidos, onde gravaram o seu sexto disco.

Com 8 discos editados e vários prémios ganhos, nomeadamente um Grammy, um BBC Award e um Praetorius Prize, os Tinariwen já estiveram em Portugal inúmeras vezes, com espectáculos em 2007, 2009, 2010, 2011, 2012, 2016 e 2017. Este ano regressam para actuar no Festival Mimo a 21 de Julho, no Parque Ribeirinho de Amarante.

Fiéis ao seu estilo e sobretudo aos seus ideais, os Tinariwen trazem na alma os griots e os blues do Mali. A música berbere da África branca, principalmente da Cabília, acolhe as suas raízes. A batida é profunda e sincopada, as guitarras são agrestes como as noites do deserto e as vozes quentes como o siroco. A sua música retrata o sofrimento dos tuaregues pois, como canta Ibrahim Ag Alhabib, “A revolução é um fio longo, fácil de torcer mas difícil de esticar”.

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