Uma vez, na faculdade de geografia da USP, curso muito voltado para a pesquisa acadêmica, uma colega me disse algo como: “não sei o que pesquisar para o trabalho de fim de curso. Sinto que todas as teorias já foram propostas, que toda a realidade já foi pesquisada e que já entrei em contato com as teorias que mais interessam”. Fiquei espantada. Mais espantada pela ingenuidade do que pela presunção. Naquela época eu cursava matérias na faculdade de educação, para licenciatura, e trabalhava meio período, como professora eventual, para adolescentes de 11 a 14 anos, em uma escola estadual de São Paulo. Respondi, então, usando aquele trabalho como exemplo. Disse que eu pensava que as teorias sobre educação, sobre a formação da criança e do adolescente na história, eram profundas e tinham agregado muito ao meu conhecimento, mas que, quando você se vê sozinha em uma sala de aula, lidando com 40 alunos, muitas outras questões se impõe. Questões que não se poderia formular sem estar ali. Sempre me lembro desta conversa.
Anos mais tarde, quando comecei a trabalhar e a conviver no meio sindical, percebi que, para os sindicalistas, diversas questões importantes e urgentes se impõem no dia a dia. Claro que isso parece óbvio e que também vale tanto para um trabalhador, que tem que se virar com um salário para sustentar sua família, quanto para um acadêmico que tem que elaborar relatórios bem fundamentos para suas pesquisas. A comparação que faço é sobre como senti na sala de aula e as angústias acadêmicas da minha colega. Sobre como as teorias de Marx e Engels, por exemplo, são concretas para quem está na posição de representar uma ou diversas categorias de trabalhadores.
Penso que os dirigentes sindicais tem uma visão privilegiada das relações sociais, políticas, econômicas, do dia a dia dos trabalhadores e, sobretudo, do ritmo em que as mudanças acontecem. Isso porque eles estão inseridos no processo, tanto como objetos quanto como sujeitos.
Não há estágio ou trabalho de campo que substitua uma experiência quando ela se impõe como uma realidade concreta. Não estou defendendo que, por isso, os sindicalistas são mais inteligentes ou mais capazes de abstrações e interpretações de teorias sofisticadas do que professores que dedicam a vida ao estudo. Não. Estou afirmando que essa atividade proporciona uma visão abrangente e sempre atual da realidade e que esse conhecimento deveria ser valorizado. Deveria ser valorizado como um “conhecimento” em si. Até pelos próprios sindicalistas que, muitas vezes, se deixam levar por um pragmatismo desenfreado, ou que vestem uma carapuça lançada, imagino, por um intelectual sartreano de boina e óculos em um café de Paris (risos), de que não passam de meros operários braçais incapazes de refletir sobre a realidade. Basta ver um sindicalista experiente falar falando sobre a situação do trabalho e do trabalhador no mundo contemporâneo (com contemporâneo quero dizer 2018 e não 1968) para notar que, em geral, ele tem muito mais a dizer do que um intelectual de gabinete.
Quero dizer, enfim, que esta expertise sindical, do mundo social e do trabalho, especificamente, tem muito a oferecer ao conhecimento acumulado, que serve ao desenvolvimento das sociedades. Que ele se soma ao conhecimento acadêmico, que não se esgota nos livros, como pensou a minha colega.
Texto original em português do Brasil