O disparo, desde os anos 70, no agravamento da desigualdade na distribuição da riqueza criada está na origem de factores determinantes na formação da crise estrutural instalada nas sociedades ocidentais.Este exponencial agravamento da desigualdade é, como pensaria Mao Tsé Tung, a “contradição principal” do actual problema do mundo euro-americano.
Vários estudos recentes estabelecem e quantificam esse “irracional” agravamento, tanto na Europa como nos EUA. Em Janeiro passado, um estudo da Oxfam mostrava “la prise de 82 % de la richesse mondiale créée en 2017 dans le monde par les 1 % les plus riches de la population”. Pouco antes, em Dezembro passado, tinha sido o World Inequality Report 2018 (também referido como “Relatório Piketty”) a demonstrar que “les plus hauts revenus sont ceux qui ont le plus profité de la croissance entre 1980 et 2016”.
Este último relatório destaca ainda um aspecto de gravidade e de alcance enormes: les détenteurs de patrimoine privé se sont enrichis, tandis que les États se sont appauvris. La valeur du patrimoine privé net, en pourcentage du revenu national, a doublé ou presque dans pratiquement tous les pays riches. Elle a triplé en Russie et quadruplé en Chine. A l’inverse, la richesse publique a diminué presque partout dans le monde. Elle est aujourd’hui négative ou proche de zéro dans les pays riches…”.
Mesmo Martin Wolf, do insuspeito Financial Times, em finais de Dezembro passado, considera que “Inequality is a threat to our democracies” e acena com o perigo do “populismo”…
Há, porém, quase uma década que John Robb tinha demonstrado, com números oficiais e disponíveis ao público, como esse disparo da desigualdade na distribuição do rendimento tinha morto o “sonho americano” e ameaça fazer colapsar os Estados Unidos…
Também uma leitura atenta do livro (saído em 2013) de T. Piketty “Le Capital au XXI Siècle” (e das suas curvas e séries sobre a “evolução” na distribuição do rendimento ao longo de décadas) deixa bem claro que chegámos a um insustentável estado de calamidade. E, mais, deixa claro como um prolongado tempo de paz significa uma forte regressão na parte dos assalariados na riqueza criada. Este aspecto da “contradição principal” é, à primeira vista, aparentemente paradoxal mas é um facto. E é muito preocupante…
Tudo isto indicia termos entrado numa espécie de fase barroca da “pax americana”, iniciada em 1945, e de que a febril revolta dos eleitorados é o sintoma mais visível, no plano político. Daí a preocupação de, por exemplo, Martin Wolf com o “populismo” gerado por esta desigualdade agravadíssima.
Aqui, perguntaria Mao, como resolver a “contradição”? Há duas vias, responderia ele. Ou pacificamente (quer dizer, no debate político) ou pela violência. E a via impõe-se pela natureza dos opostos na “contradição” e da relação entre eles…
Walter Scheidel, prof. de História da Universidade de Stanford, em “The Great Leveler – Violence and the History of Inequality from the Stone Age to the Twenty-First Century”, dá uma resposta implícita à questão ao identificar a violência como o grande equalizador.
Are mass violence and catastrophes the only forces that can seriously decrease economic inequality? To judge by thousands of years of history, the answer is yes. Tracing the global history of inequality from the Stone Age to today, Walter Scheidel shows that inequality never dies peacefully. Inequality declines when carnage and disaster strike and increases when peace and stability return. The Great Leveler is the first book to chart the crucial role of violent shocks in reducing inequality over the full sweep of human history around the world.”
A “globalização feliz” (uma banal narrativa apologética sem consistência conceptual) já é da história. E o carácter insustentável desta fase barroca está também já bem à vista… De quem queira ver, claro.
Exclusivo Tornado / IntelNomics