As doenças contraídas em meio hospitalar continuam a matar milhares de pessoas, por ano, em Portugal. Estimativas revelam que o número de óbitos associados a infecções hospitalares “é muito superior ao de acidentes de viação”. O Jornal Tornado questionou o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel GuimarãesA 17 de Fevereiro deste ano a Direcção-Geral de Saúde declara o fim do surto de “legionella” no hospital CUF Descobertas, em Lisboa. Balanço: 15 pessoas infectadas. Três meses antes, outro surto, desta vez no Hospital São Francisco Xavier, acabaria por infectar 59 pessoas e provocar cinco mortos.
Apesar da recente mediatização dos focos de “legionella”, eles não são nem os mais frequentes, nem os mais graves. Em 2016 estimava-se que morriam mais de quatro mil pessoas por ano nos hospitais portugueses com infecções contraídas durante o internamento, ou seja, mais de 12 por dia. Segundo o estudo divulgado pela Direcção-Geral de Saúde, o número de óbitos por infecções hospitalares “é muito superior ao de acidentes de viação”. (De acordo com dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, no ano passado morreram 509 pessoas nas estradas portuguesas).
Apesar de terem diminuído, as mortes associadas às infecções hospitalares continuam a preocupar profissionais e utentes. Os números mais recentes contabilizam que em cada 100 doentes internados em Portugal, 7,8 adquiriram uma infecção associada aos cuidados de saúde.
De acordo com o relatório do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA) referente a 2016, A taxa é superior à média europeia, mas representa uma descida de 2,7 pontos percentuais em relação a 2012.
Se não forem tomadas as medidas adequadas, a colonização e a multiplicação de estirpes de bactérias podem tornar os hospitais em locais favoráveis ao desenvolvimento de infecções. Segundo o documento, “a higiene das mãos por parte dos profissionais é a medida mais eficaz, mais simples e mais económica” de prevenir as Infecções Associadas a Cuidados de Saúde (IACS).
Também o uso adequado dos antibióticos é fundamental para o controlo das infecções em meio hospital. Convém lembrar que Portugal tem um elevado consumo de antibióticos e este uso exagerado, e às vezes inadequado, conduz a um aumento da resistência das bactérias a esses mesmos antibióticos.
Recorde-se que no mundo cerca de 25 mil pessoas morrem todos os anos devido ao uso excessivo de antibióticos. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), os casos de superbactérias resistentes aos antibióticos constitui “uma grave ameaça à saúde pública à escala global”, e se nada for feito para a combater, os piores cenários estimam que as mortes podem chegar aos 10 milhões em 2050.
Ainda existem falhas, decorrentes do enorme desinvestimento dos últimos anos, que não permitem em alguns casos garantir em absoluto a segurança dos doentes e dos profissionais de saúde”
As infecções por bactérias resistentes aos fármacos aumentam a duração das doenças e o risco de morte, assim como os custos de cuidados de saúde associados. A OMS aconselha os cidadãos a usar antibióticos apenas quando prescritos por um médico, a completar todas as doses prescritas, e a não os partilhar com outras pessoas.
“As infecções hospitalares constituem uma causa importante de morbilidade e mortalidade”
Jornal Tornado: A população pode ter confiança nos serviços de saúde quando morrem mais pessoas por infecções hospitalares que por acidentes na estrada?
Miguel Guimarães: Antes de mais é preciso ter atenção que a mortalidade causada por infecções hospitalares não pode ser analisada de forma tão linear. É um erro assegurar que morrem mais pessoas devido a infecções hospitalares do que na sequência de acidentes de viação. É preciso perceber se a morte é causada unicamente por uma infecção hospitalar ou se existem outras patologias associadas antes do internamento hospitalar. Em muitos casos, o impacto das infecções adquiridas em ambiente hospitalar é potenciado pelo já debilitado estado de saúde dos doentes.
Não obstante, de uma forma geral, a população pode ter total confiança nos serviços de saúde portugueses. Mesmo que, pontualmente, existam problemas em algumas unidades, por vezes com desfechos dramáticos, como aconteceu recentemente com os surtos de ‘legionella’. Sem prejuízo do que foi dito, considero essencial o investimento no SNS a nível de capital humano, substituição e manutenção de equipamentos, aquisição de dispositivos e materiais e manutenção ou renovação de estruturas físicas. A melhoria das condições de trabalho é fundamental para fortalecer o SNS e melhorar a qualidade dos cuidados de saúde.
Os hospitais podem ser considerados lugares seguros?
Acredito que os hospitais são lugares seguros. O cumprimento da legislação existente salvaguarda a segurança dos doentes.
E quando a legislação não é cumprida?
Poderia dar como exemplo o que acontece ao nível do controlo e isolamento de doentes com patologias infecciosas, especialmente quando estamos a falar de infecções respiratórias. No entanto, ainda existem falhas, decorrentes do enorme desinvestimento dos últimos anos, que não permitem em alguns casos garantir em absoluto a segurança dos doentes e dos profissionais de saúde. Por isso considero ser imperativo maximizar a segurança em ambiente hospitalar, onde são tratadas diversas patologias e existe um risco aumentado de infecções.
Que procedimentos devem existir para evitar ou diminuir as infecções contraídas nos hospitais?
As infecções podem diminuir se existir uma adequada adopção de medidas de prevenção e de controlo, e nomeadamente se os doentes permanecerem o tempo estritamente necessário nos internamentos hospitalares. Por isso é essencial a existência de uma boa rede de cuidados continuados. A adopção de comportamentos recomendados pelaleges artis é essencial. A título de exemplo, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) emitiu em 2016 um parecer favorável à implementação de sinalética nos quartos ou unidades de tratamento onde esteja o doente que adquiriu uma infeção em ambiente hospitalar. É um alerta fundamental para os profissionais de saúde, mas também para familiares e visitantes e funciona a título preventivo e de controlo de contágio das infecções.
As infecções hospitalares constituem uma causa importante de morbilidade e mortalidade e aumentam de forma muito significativa os custos em saúde, que se estima rondarem os 300 milhões de euros anuais. Por isso, considero importante a existência de avaliações periódicas, traduzidas num controlo regular para se entender se as medidas preventivas e de manutenção estão a ser devidamente aplicadas nos diversos serviços de saúde.