O Brasil é mundialmente conhecido pelas novelas de tevê, que produz com extraordinária qualidade e exporta para o mundo inteiro. A principal característica da novela é que ela se arrasta para manter a audiência entretida até o fim. O segundo mandato da presidenta Dilma Roussef tornou-se uma novela arrastada que só agora avança para o capítulo final, com o pedido de impeachment finalmente acatado.
O primeiro capítulo foi o da recontagem de votos da eleição presidencial: o candidato do PSDB, Aécio Neves, não se conforma até hoje com a derrota e levou seu partido para a inércia política. O ranço revanchista impediu a formulação de plataformas políticas que levassem os peessedebistas de volta ao jogo político.
O segundo capítulo foi o escândalo da Lava Jato, que deu munição para a classe média ressentida jogar a culpa da corrupção nas gestões petistas. Comprovadamente, conforme investigações atuais e anteriores, a corrupção vem de décadas, esteve ativamente presente no governo de Fernando Henrique Cardoso, a ponto de o jornalista Paulo Francis denunciar a “roubalheira” da Petrobras ao vivo, em 1996, durante programa da TV Globo. Foi processado pela Petrobras nos Estados Unidos, onde morava, e condenado a pagar multa milionária. Morreu do coração em seguida, não viveu para ver sua denúncia comprovada.
A Operação Lava Jato é a maior investigação sobre corrupção conduzida até hoje no Brasil. Ela começou investigando uma rede de doleiros que atuavam em vários Estados e descobriu a existência de um vasto esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo políticos de vários partidos e as maiores empreiteiras do país. Já levou para a prisão políticos de todos os partidos e empresários até então intocáveis, como o presidente do banco BTG Pactual, André Esteves. Supõe-se que, enquanto a Dilma se sustentar no governo, a investigação não será barrada. Ponto a favor da heroína e, ao mesmo tempo, vilã dessa novela.
O terceiro capítulo é o monólogo de Eduardo Cunha, “psicopata corrupto que preside a Câmara dos Deputados”, na definição justa do escritor e jornalista Fernando Morais. Ele chantageou a presidenta até agora, além de ter ameaçado deputados que integram o Conselho de Ética que julga a sua cassação. Cunha responde a 22 processos, o primeiro é de 1999, e as acusações vão desde falsificação de documentos até manipulação de licitações.
Seus comparsas já estão na cadeia, ele sequer se digna a renunciar ao cargo. Não sai do palco! E acatou o processo de impeachment da Dilma depois de ter ameaçado que o faria no caso de o processo de cassação que enfrenta ter continuidade.
O quarto capítulo é o da luta do bem contra o mal. O PT, finalmente (sei que estou exagerando no uso desta palavra, mas é porque o governo, com minoria no congresso e ameaçado por golpe, não conseguiu governar, não cumpriu as pautas que lhes são devidas) peitou o Cunha, acabou a chantagem, quem tiver que ser julgado será julgado. Não que o PT seja o “bem”, não é. Como partido, também meteu pés pelas mãos embasbacado com o poder, mas ainda é o principal aglutinador de movimentos sociais, formadores de opinião, frentes populares que defendem a democracia. Implementou um programa admirável de justiça social no país, o que não é pouco, mas representa nada para a elite econômica.
O quinto capítulo é o do momento político que estamos enfrentando, com o processo de impeachment da presidenta em andamento. Assim o descreve o editorialista Saul Leblon: “O vento implacável da história desnuda em 2015 os novos atores do velho enredo em cartaz em 1932, 1954, 1962, 1964, 1989, 2002, 2005, 2006, 2010 e 2014.
Com um agravante: há um pedaço da sociedade que se descolou definitivamente do país e tem como pátria o capital flutuante que não quer pertencer ao destino de nenhum povo.”
Dilma tem sido triturada sistematicamente pela oposição – não sem razão, ela se manteve passiva e quase incomunicável, ficou devendo satisfações para o povo -, mesmo assim, saiu quase ilesa até agora, a não ser pelo desgaste que baixou sua popularidade a níveis críticos. Fernando Morais explica por que o ataque não deu certo: “Nada conseguiram por duas singelas razões: Dilma é uma mulher honesta e o povo sabe que, mesmo com todos os problemas, a oposição foi incapaz de apresentar um projeto de país alternativo aos avanços dos governos Lula e Dilma.”
O sexto capítulo é o do Michel Temer, o vice, que cobiça a presidência e mantém-se como Pilatos, mãos lavadas na cena do impeachment. Já nos bastidores, conspira. Aqui discordo do Fernando Morais: o povo sabe que não existe projeto de país alternativo “aos avanços” de Dilma e Lula? O povo sabe que Temer não tem estatura de um estadista, que vem de um partido no qual seis deputados estão no corredor da condenação por corrupção, inclusive Cunha?
O povo não sabe ou não quer saber e Temer se aproveita da ignorância para articular, a portas fechadas, com os golpistas. Compromete-se a deixar o governo em 2018, para outro aventureiro do PSDB lançar mão, e apresentou um programa para o país tão conservador quanto o da era anterior à da Constituição de 1946. Quer alinhar-se, talvez, aos que estão pedindo a ditadura militar de volta; não fechará com o militarismo, mas provavelmente governará com mão de ferro. O jornalista Jeferson Miola avalia: “A traição de Temer é chocante. Qualquer análise de boa fé reconhece a total inadmissibilidade da denúncia de impeachment. Não há a menor evidência de crime de responsabilidade cometido pela Presidente da República. Um Constitucionalista como ele deveria encabeçar a reação a esta decisão absurda do seu correligionário Eduardo Cunha, mas ele optou por se associar aos golpistas.”
O sétimo capítulo é o que acontecerá com o Brasil se a Dilma passar pelo impeachment. Esse feito, gigantesco, certamente a fortalecerá já que representará o sucesso do confronto entre as entidades golpistas, conservadoras e fascistas e os movimentos sociais pelas liberdades democráticas. O embate provavelmente se dará nas ruas, único campo de batalha para essa luta. Mas a conquista não durará muito, porque o governo Dilma precisa começar a governar, em cumprimento à plataforma eleitoral de 2014. Precisa dar respostas aos eleitores desgostosos, precisa atuar contra a recessão, a corrupção e contra a desesperança.
Saul Leblon, da Carta Maior, mostra o tamanho do desafio em recente editorial:
“Trata-se de vencer a prostração e o sectarismo, fazendo da mobilização contra o golpe o impulso que faltava para uma repactuação do país em torno dos interesses majoritários de seu povo. Lideranças políticas e sociais não podem piscar.”
Leblon diz mais, revela o último capítulo, o único que já está escrito, caso a Dilma caia: “Que ninguém se iluda: o apoio ao impeachment tem por trás um projeto econômico devastador. Nele não cabem as urgências e direitos da maioria da população brasileira.”
Nossa crise é gravíssima e poucos a enxergam na real perspectiva. Ela também é reflexo da mais longa, incerta e frágil convalescença de uma crise capitalista desde 1929. Acabou uma era, outra terá que ser inventada.
Mas o brasileiro reputa a crise ao partido dos trabalhadores. Operário não sabe administrar, rouba se tem a chance de colocar as mãos em grandes somas de dinheiro, usurpa posições sociais que não são para o seu desfrute.
Um exemplo? Os aeroportos se assemelham hoje a rodoviárias, frequentados por sujeitos de bermudão e chinelos. Quem pensam que são? Quem pensam que são os que julgam os novos usuários dos aeroportos?
Nota: A autora escreve em português do Brasil