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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Augusto concreto

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Aos 86 anos de idade, Augusto de Campos recebeu o Grande Prêmio de Poesia Janus Pannonius, do PEN Club da Hungria.O prêmio foi atribuído a ele em 8 de setembro de 2017 e, no dia 23 de setembro o poeta viajou para o país centro europeu para ser agraciado.

Apesar da importância do prêmio – considerado pelo New York Times como o “Nobel” da poesia -, a mídia empresarial e patronal brasileira calou-se de forma absoluta. Afinal, como diz o próprio poeta, ele se tornou persona non grata para essa mídia conservadora desde que denunciou o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e se tornou um dos críticos mais severos dos rumos que, sob o mando do ilegítimo Michel Temer, a política e a cultura tomaram no Brasil desde então.

O Janus Pannonius não é o único prêmio internacional recebido recentemente por Augusto de Campos – em 2016 a presidenta chilena Michelle Bachelet entregou a ele o Prêmio Ibero-americano de Poesia Pablo Neruda.

Não é necessário falar da importância de Augusto de Campos, criador, desde a década de 1950, com seu irmão Haroldo e o peta Décio Pignatari, do concretismo. E difundiu, pelo mundo, a poesia concreta que une as dimensões literária, plástica e sonora das palavras, dos grafismos, do som, e por aí vai numa compreensão revolucionária da relação entre forma e conteúdo na obra poética.

Augusto de Campos é hoje o principal poeta brasileiro e, octogenário, mantém a mesma intensa atividade que sempre o marcou – publicando livros, realizando exposições e, principalmente, participando ativamente da vida política do país com opiniões claras e pertinentes pela democracia e o progresso social, contra a direita, o atraso e o retrocesso. É um lutador incansável! Como deixou claro em entrevista recente ao jornal argentino Pagina 12, da qual se reproduz aqui um trecho significativo.


“O pulsar”, nasceu em 1975. Em 1984, Augusto produziu o videoclipe do seu poema em parceria com a música de Caetano Veloso

As opiniões de Augusto de Campos

Prefiro pensar e referir, mais genericamente, ao estado de preocupação em que nos encontramos; apesar do avanço tecnológico, já no século 21, diante da incapacidade de reduzir as desigualdades econômicas e a exacerbação de ideologias retrógradas que ameaçam expandir essa lacuna em favor de interesses lucrativos de grupos mais favorecidos, hostis a qualquer das medidas que buscam mitigar suas fortunas e distribuí-las com maior racionalidade e solidariedade. Nesse sentido, a busca de novas formas de comunicação e informação poética parece justificada para mim, pois desestabiliza convenções enraizadas e pensamentos conservadores que se alinham com as áreas mais relutantes em mudar e inovações progressivas de costumes e idéias. Veja, neste momento, as novas tentativas do machismo enraizado das sociedades patriarcais no sentido de desmoralizar as reivindicações feministas contra o assédio sexual”.


“Augusto de Campos – Poésie Verbivocovisuelle”, re-inaugurando a galeria da Embaixada do Brasil em Bruxelas (Bélgica)

No Brasil, a poesia de vanguarda foi sempre desaprovada pelos principais meios de comunicação e pela imprensa. A poesia concreta foi amplamente perseguida por mais de meio século por críticas universitárias e jornalísticas. Depois de algumas décadas, principalmente devido à repercussão internacional do movimento literário que lançamos no Brasil, em 1956, com poucos pares na Europa, a imprensa teve que “nos engolir”. Minha primeira antologia de poemas, uma edição financiada por nós mesmos, surgiu em 1979, quando eu tinha 48 anos e 20 anos de estrada. Hoje tenho editores que garantem a continuidade do meu trabalho poético. Além disso, o Brasil voltou a passar por uma fase de grande mediocridade cultural. A poesia que é praticada, de modo geral, pelo menos aquela vendida com sucesso pelos grandes editores, é uma poesia que não existe para mim. Uma mistura reaquecida de modernismos fáceis e consumíveis que, em comparação com o trabalho dos grandes mestres da modernidade e do passado, é reduzida a pequenas dimensões.

Os jornais, que algumas décadas atrás abriram poesia em grandes espaços, os encolheu e onde havia poemas, hoje só há tratamento para o cinema de consumo, música popular vendável e outros entretenimentos. O título “Cultura” é uma coisa do passado. Está sendo substituído por “Entretenimento” e “Diversão”. Os amigos do rei, os intelectuais da direita e do inofensivo colaboram, há uma multidão de estagiários em tudo. A censura política é adicionada ao desinteresse e à desinformação.

A grande mídia e a imprensa brasileira nem sequer deram uma linha sobre o prêmio Janos Pannonius, que recebi, e ainda vivem e aplaudem banalidades de todos os tipos, incluindo o rap, o rap mais vulgarizado, como se fossem grandes manifestações da cultura brasileira. O intelectual no Brasil ainda é “um pobre diabo”, como afirmou Oswald de Andrade. É o Brasil, “o país com a cabeça baixa”, do qual Tom Jobim falou. Qualquer conhecimento inteligente é criminoso, e o culpado é o poeta. “A burrice está na mesa”, disse Tom Zé, em tempos melhores. Adicione a isso a perseguição política. Eu me tornei uma “persona non grata” dos jornais desde que eu ousei protestar contra o impeachment da presidenta Dilma, uma variante civil do golpe de 1964, que, como então, a mídia principal apoiava, agitando o verde luminoso da lumpen família paulista. Mas eu avisei, quando terminei, o que está acontecendo. Nossa democracia desmoralizada, a perspectiva de eleições fraudulentas e o retorno à milicocracia. Os inquisidores super-assalariados politizam a justiça, desmoralizam e terminam descaracterizando o que seria uma luta contra a corrupção, e isso está se tornando uma corrida persecutória contra a esquerda brasileira”.


No Sesc Pompéia, o mítico poema concreto “Viva Vaia”, transformado em uma escultura penetrável

Texto original em português do Brasil

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