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Domingo, Julho 28, 2024

Os preconceitos em torno da questão de Olivença

Carlos Luna, em Estremoz
Carlos Luna, em Estremoz
Professor de História, Investigador

Há dezanove anos, foi-me pedido que escrevesse sobre que sentido tinha para Portugal continuar a reclamar (e a recordar) Olivença. E, na verdade, um texto meu foi publicado na Revista “O Pelourinho”, de Badajoz, em abril  de 1999.Muita gente, em Portugal, faz a mesma pergunta. Aos meus compatriotas, aconselho-os a que leiam sobre o assunto. Se forem aquele tipo de pessoas que, por tudo e por nada, consideram Portugal um país sem valor e inferior a todos os outros, e que lamentam ter nascido onde nasceram, nada há a dizer. O problema, neste caso, nada tem a ver com Olivença.

Penso, por outro lado, que muitos espanhóis desconhecem, em absoluto, e não por culpa própria, a “Questão de Olivença. Foi para eles que escrevi esse artigo. Ainda atual. Porque a informação sobre o problema continua a ser escassa, quando não inexistente. lilás, pensando bem, muitos portugueses quase nada sabem do assunto. Tomam-no por um tema anacrónico, ou de inspiração ideológica Salazarista, ou, até, como sintoma de algum tipo de loucura. Por tudo isto, e para espanhóis e portugueses, o reproduzo, agora, em 2018.

«Confesso que me sinto um pouco apreensivo ao começar a escrever esta visão portuguesa sobre a tão discutida “Questão de Olivença”. Isto porque os preconceitos e, vamos lá, os disparates e medo que rodeiam esta problemática a tornam de difícil análise sem suscitar risos de troça, entusiasmos, ou gestos de raiva.

Talvez um artigo como este, desassombrado e direto, seja o melhor caminho para se discutir esta questão com mais respeito e menos agressividade, o que não quer dizer que se acabem com os argumentos, nem com a paixão posta neles. Antes pelo contrário!!!

Vou mesmo citar alguns dos argumentos e opiniões mais despeitados. Peço que me leiam como um “Português Médio”, conhecedor da Questão oliventina segundo os argumentos mais ouvidos entre os Portugueses, irritado com algumas das afirmações espanholas mais ouvidas e que mais considera erradas. A frontalidade, nestes casos, é, às vezes, uma boa forma de cura!

Falar de Olivença é falar de algo que dói. O Português, em geral, teme a Espanha, e desconfia das intenções desta em relação a Portugal. Olivença é a expressão mais sentida desses receios.

Os disparates não tardam. Muita gente crê (e, neste caso, espanhóis e portugueses… não esquecendo os próprios oliventinos, o que é particularmente chocante!) que Olivença foi trocada por Campo Maior. Isso é uma falsidade histórica, alimentada pela Ditadura. Olivença e outras localidades passaram para Portugal em 1297, pelo Tratado de Alcañices. Outros povoados passaram então para Castela-Leão.

Depois, há quem afirme que Olivença é tipicamente espanhola e os seus habitantes puros espanhóis. Evidentemente que, face às autoridades espanholas, isso assim será. Contudo, consultar uma Lista Telefónica e ler a enorme quantidade de apelido portugueses em Olivença, ou ir à localidade e encontrar quase só Monumentos Portugueses, construídos entre os Séculos XIII e XVIII, não contribuem para convencer um Português. Pelo contrário, convence-se de que algo, nessa história, não bate certo.

Impressiona o esforço de alguns para inventar uma Olivença na História de Espanha. Ora, ela não existiu, a não ser em conflitos, na História da maior nação ibérica.  Na verdade, toda a História de Olivença faz parte da História de Portugal, nas suas glórias e fraquezas. Olivença e o oliventino são, em Espanha, segundo uma visão portuguesa, uma presa de guerra. Claro que um oliventino não é, atualmente, discriminado. Mas sabe-se que já o foi e, de qualquer forma, o que é, atualmente, não o pode transformar num descendente de antigos espanhóis, porque ele é, e sempre, um descendente de portugueses.

Diz-se que o Português falado em Olivença é um “chaporreo”, um mau português. Só que, como essa forma de falar é comum a meio milhão de Portugueses do Alentejo, está-se a chamar errada à maneira de falar de muita gente. Em Portugal, não se fala só Português de Lisboa!

Ouve-se que em Espanha se vive melhor, e que o oliventino não quer ir de cavalo para burro. Esse argumento, para além de ser uma forma interesseira de patriotismo, não tem em linha de conta que as situações económicas de Portugal e Espanha têm variado ao longo dos séculos, e que ninguém sabe, dentro de vinte ou trinta anos, como estará esse equilíbrio. E não digam a um Português que a Espanha, sendo maior, tem mais desenvolvimento! A Suíça, a Holanda, a Bélgica, a Áustria, são países menores que Portugal mas mais avançados do que a Espanha. Também esta, um pouco maior que o Japão, está bem atrás deste!

Aqui tenho de introduzir uma nota, pois há uma descrição dum livro espanhol que eu desconhecia em 1999. Assim, na  “História de Extremadura”, de Marcelino Cardalliaguet Quirant, da Biblioteca Popular Extremeña, (Universitas Editorial, 1993), um livro de bolso, que existe em qualquer biblioteca espanhola,lê-se na página 205: «En 1801, el território extremeño se veria repentinamente aumentado con la importante ciudad de Olivenza – ENTONCES TAN GRANDE Y POBLADA COMO BADAJOZ -, conquistada a Portugal en la llamada Guerra de las Naranjas por el próprio Godoy(…)»

Pena é que este texto, e tantos outros, não mereçam a atenção da grande maioria dos espanhóis. E, já agora, dos portugueses. Neste caso, é particularmente importante, perante a afirmação, já aqui referida, de que Olivença se desenvolveu integrada em Espanha como nunca se teria desenvolvido em Portugal. Ora, o que se deduz é precisamente o contrário. E, se considerarmos o facto de, em 1801, Olivença ser maior do que outras cidades portuguesas, como Estremoz, e hoje ser menor… mais perplexos ficamos. Podemos mesmo fazer um estudo de apelidos originários de Olivença nas zonas raianas portuguesas, e verificaremos que muitos deles só surgem depois de 1801, o que significa que houve famílias a abandonar Olivença, em razoável quantidade, após a ocupação espanhola. Afinal, o que se poderia equacionar era a que tipo e montante de indemnização teriam direito os oliventinos se a soberania sobre o território voltasse a ser portuguesa…

Volto ao texto de 1999: «Entre outros argumentos, diz-se que, em 1815, as poucas linhas dedicadas pelas grandes potências à questão de Olivença não obrigam claramente a Espanha a devolver o Território. Só que as poucas linhas dão, inicialmente, razão a um outro documento, a exposição portuguesa completa apresentada nesse ano em Viena de Áustria. Nesse documento, conclui-se ter sido ilegal a ocupação espanhola de 1801. Só a leitura completa dos documentos permite compreender o alcance das tais poucas linhas. E, não esqueçamos, a Espanha assinou as resoluções de então, ainda que só em 1817 por causa de questões italianas. Ou que, por causa de Montevideu (Uruguai) que Portugal ocupou em 1815-16, A Espanha deixou de estar obrigada à devolução.

Não é assim. Até 1820, Lisboa esperou o exército português na América do Sul. Este, que devia embarcar em Cádiz, revoltou-se, e fez a chamada Revolução Liberal espanhola de 1820 (que inspirou a portuguesa). Obviamente, por incumprimento evidente, voltou-se à situação de 1817-17. E, claro, quando o Brasil se tornou independente, incluindo o território em causa com o nome de Província Cisplatina (1822), Portugal nada mais pode fazer. Como, no final, Madrid, que já tinha reconhecido a independência do Brasil, reconheceu a independência do Uruguai (1835), nada há a acrescentar aqui. Afinal, a Espanha abdicou oficialmente de qualquer pretensão à região.

Talvez o que mais indignação cause em muitos portugueses sejam os argumentos simplistas, quase primitivos, e a dualidade de critérios, usados por alguns estudiosos e políticos espanhóis. Vejamos alguns.

Continuando a citar os argumentos mais ouvidos…ouve-se dizer que Olivença é espanhola porque fica na margem esquerda do Guadiana. Ora, também o ficam as localidades portuguesas de Mourão, Moura, Serpa, e Barrancos, e isso não constitui óbice a que sejam reconhecidamente portuguesas. Por outro lado, sendo este argumento simplista, é tentador fazer um pouco de humor, e lembrar que ficam na margem DIREITA do rio em questão (e, portanto, pela lógica apresentada de que a Portugal cabe só a margem DIREITA do Guadiana) muitas localidades espanholas. Mérida, por exemplo. Levar este raciocínio às últimas consequências poderá levar a conclusões absolutamente hilariantes.

Também se diz que Olivença era um enclave português em terra espanhola, esquecendo-se que há outros territórios em igual situação. Barrancos, vila Portuguesa, ou Cedillo ou Baroncelli, vilas espanholas. Além disso, como um enclave muitas vezes subentende um enclave correspondente do lado contrário, resta provar se Olivença era um enclave Português ou se, em alternativa, eram Alconchel e Cheles um enclave espanhol entre as localidades portuguesas de Olivença e Barrancos. Será que as fronteiras entre Portugal e Espanha deveriam ser traçadas em linha recta? Ou, se os enclaves devem ser eliminados, o que vai suceder à catalã Llívia, encravada no Rossilhão francês? Como é possível, com seriedade, aceitar argumentos destes?

  1. Discutir problemas com alguma racionalidade é uma coisa. Outra coisaé troçar da inteligência de cada um.
    Alguns exemplos de dualidade de critérios? Também os há. Diz-se, por exemplo, que o Tempo resolveu o problema, desde 1801 até hoje (1999). Como pode um Português levar isto a sério, sabendo que a Espanha reclama Gibraltar, ocupada desde 1704? Estamos claramente diante de uma dualidade de critérios… acrescendo ainda que, considerando o Tempo como legitimador de ocupações, correremos o risco de assistir a anexações por todo esse mundo fora, bastando apenas que a anexação se prolongue no tempo para a tornar legal. Que campo favorável fica assim aberto a todos os imperialismos deste planeta!!!

Um plebiscito em Olivença é muitas vezes proposto para resolver a questão. Aparentemente democrático, não o é porque se verificaram cerca de 200 anos de colonialismo. Até à década de 1930, houve sugestões de plebiscitos em Olivença. O Estado Espanhol nem sequer resposta dava. Mas, entretanto, uma educação exclusivamente espanhola moldava as mentalidades. Na época franquista, que durou 39 anos, ser pró-português era inviável.

Em cerca de dois séculos, castrou-se cultural, histórica, e linguisticamente um povo, ao ponto de membros deste povo se envergonharem de si mesmos e da língua ancestral. Atualmente, fingindo que não existiu uma  castelhanização (por vezes desenfreada) de muitos e muitos anos, há quem em Espanha já considere aceitável um plebiscito. É evidente que, sem um período de informação/formação de algumas dezenas de anos, e sem estarem claramente garantidos os direitos adquiridos entretanto pelas populações espanholas em geral e oliventinas em particular, um plebiscito não poderá nunca ser considerado válido.

Mas ainda há mais! Ouçamos Abel Matutes (Ministro espanhol dos Assuntos Exteriores), a propósito de Gibraltar, em 26 de Setembro de 1997, não esquecendo que naquela colónia britânica 99% da população votou por continuar a ser governada por Londres: “Gibraltar é uma situação colonial por resolver (…); supõe um atentado contra a integridade territorial espanhola e não lhe é aplicável o Direito à Autodeterminação (…). O Território de Gibraltar era parte integrante de Espanha(…). (Prometo aos gibraltinos…)…uma oferta muito generosa que, depois da integração de Gibraltar em Espanha, permitiria aos actuais habitantes desta colónia conservar nos aspectos fundamentais a sua actual situação económica e jurídica.”(Note-se ainda que, se a anexação de Gibraltar foi, e infelizmente, mais ou menos legal, Olivença é vista como estando ILEGALMENTE ocupada desde 1807, ou 1815-1817. Todas as administrações em Olivença desde, pelo menos, 1817, são consideradas pelo Estado Português como ilegais!)

As palavras de Abel Matutes deixam muitos portugueses estupefactos, pois está-se perante o que consideram uma escandalosa, quase hipócrita, dualidade de critérios. Penso que não será preciso explicar detalhadamente porquê…

Há responsáveis que dizem que Olivença não tinha importância nos tempos portugueses. Isto é uma falsidade histórica, pois Olivença era a décima terceira cidade portuguesa no século XVI. Basta ver o Património Monumental Português em Olivença para se compreender que tal afirmação não pode ser verdadeira. e que, em 1570, era a décima terceira cidade (vila) portuguesa em população.

Este argumento dá a entender que a anexação espanhola de 1801 foi uma “recuperação de território”. Ora, e dentro da LEGALIDADE, a Olivença de então era totalmente diferente da de 1297, quando seria uma aldeia, talvez fortificada em tempos, com quiçá duzentos habitantes. Após quinhentos anos de vivência LEGAL portuguesa, falar em recuperação é um contra-senso. Aliás, os apelidos oliventinos, mesmo nos nossos dias, são esmagadoramente portugueses… mesmo após a espanholização “administrativa” geral que sofreram… e que se parece muito, demasiado, mesmo, com uma colonização clássica…

Podemos mesmo aprofundar um pouco este aspeto da pseudo-“recuperação de território”, com um pequeno jogo intelectual. Imaginemos que Portugal ocupava Valéncia de Alcántara, que foi sua antes de 1297, e que, apesar de por um qualquer tratado ter de a devolver a Espanha, mantinha a localidade sob o seu domínio dizendo que tinha sido portuguesa até 1297, e resumindo a sua História ao fim da presença portuguesa e à “recuperação moderna”! Como toda a vida organizada de Valéncia, bem como o seu povoamento, foram leoneses/castelhanos/espanhóis, este argumento pecaria por ridículo ! LEGALMENTE espanhola desde 1297, Valéncia de Alcántara não podia ser alvo de uma tal argumentação, por ser absurda!

Ouve-se também o argumento de que Olivença já tinha sido espanhola (querendo dizer com isto “castelhana”) antes de ser portuguesa em definitivo em 1297. Ora, esta povoação e o seu termo (que incluía mais ou menos Táliga) tinham então pouca importância, como aliás outras povoações castelhanas e portuguesas, em virtude da indefinição de fronteiras. Só depois de 1297 as povoações então tornadas de vez portuguesas e castelhanas foram de facto verdadeiramente povoadas e organizadas. No caso de Olivença, foi-lhe dada carta de foral em 1298, e vieram gentes de todo o Alentejo. Isto significa que quase todos os oliventinos atuais são descendentes dessas “gentes”, e que, portanto, os seus antepassados não eram castelhanos (espanhóis).

Também se diz que Olivença foi fundada, não por Templários Portugueses, mas sim por Templários Leoneses (o mesmo se aplicando a Táliga). Aqui, de facto, a Espanha tem razão. O mito dos templários portugueses parece ter sido criado num contexto de exaltação nacionalista da portucalidade de Olivença. Um excelente livro (“Olivenza y el Tratado de Alcañices”, de Manuel Martínez Martínez, Ayuntamiento de Olivenza, 1997) equaciona as origens possíveis dos Templários que fundaram Olivença e Táliga, e, em minha opinião, conclui que, na verdade, estavam às ordens de Leão, embora a sua fidelidade não fosse muito num sentido moderno do termo. Faziam um pouco o seu próprio e quase exclusivo jogo. Contudo, curiosamente, após alguns problemas em Castela-Leão, os Templários começaram a ser vistos como uma espécie de quinta-coluna que servia os interesses dos Reis de Portugal. Afastados da Região Oliventina, terão influenciado o Rei Português (D. Dinis) a incluir o território dentro das fronteiras lusas, já que tinham sido eles os seus primitivos “reconquistadores” aos muçulmanos. Uma vingança, de certo modo.Este autor , aliás, argumenta com todo o cuidado, e o seu trabalho parece ser o mais completo e honesto publicado até ao momento.

Já não constitui um argumento muito válido considerar que a ocupação terá sido primitivamente leonesa apenas pela posição geográfica e pela proximidade de Badajoz. Isto porque, na corrida luso-“espanhola”( leonesa e castelhana) de reconquista ao longo do Guadiana, tentaram os Reis portugueses cortar o caminho aos seus vizinhos, ocupando as duas margens do Guadiana. Até Ayamonte foi ocupada pelo Rei Português Sancho II ! Nos territórios a Leste do Guadiana, vários povoados, hoje andaluzes ou extremenhos, tiveram origem portuguesa (casos de Aroche e Aracena). Com honestidade, poderá dizer-se que a situação na fronteira foi confusa no século XIII, até à assinatura do Tratado de Alcañices em 1297. As fronteiras então definidas foram mantidas até durante a União Ibérica de 1580-1640, com excepção de San Felices de los Gallegos, que leonesa-castelhana ficou, deixando Portugal de a reclamar, de vez, no século XV.

Ao longo do tempo, sempre políticos e organizações portugueses, para além do próprio Estado, têm reclamado Olivença e tentado resolver o problema. No geral, concordam todos num ponto: a ocupação espanhola é ilegal, pelo que há que estudar maneira de acabar com ela.

Não resisto a citar um argumento já ouvido mais de uma vez: o de que Portugal não tem reclamado Olivença com força suficiente. Ora, isto pode significar que o Direito só é válido se puder ser imposto. Não há obrigações éticas, e, portanto, noções de honra ou de deveres de cumprimento de obrigações. Isto significa, em última análise, que se não é obrigado a cumprir o que se assina como correcto se a isso não se for obrigado pela força. O que leva qualquer pessoa a perguntar, algo estupefacto, se o que Portugal deveria ter feito era invadir a Espanha, em vez de esperar que esta cumprisse o que se considerava ser sua obrigação. Melhor ainda, não é honrado cumprir deveres, mas é honrado perpetuar uma ilegalidade! Será que os autores deste argumento têm consciência da lógica absurda em que caiem?

Voltando às tentativas de recuperação por parte de Portugal… o que choca é vê-las classificar, neste caso tanto por espanhóis como por portugueses, como demagógicas, “vozes no deserto”, reveladoras de insanidade, esquerdistas, fascistas… esquecendo SEMPRE que o próprio ESTADO PORTUGUÊS MANTÉM ESSA REIVINDICAÇÃO ! Aliás, usa-se uma técnica de estigma pela classificação política em pólos diferentes. Assim, e só para nos ficarmos pelos tempos mais recentes, as autoridades espanholas franquistas classificavam como esquerdistas as posições dos grupos portugueses que reclamavam Olivença, nomeadamente o Grupo dos Amigos de Olivença; mas, de facto, em alguns movimentos, estavam opositores ao Salazarismo. Noutros, estavam certamente alguns Salazaristas, muito embora, como Salazar proibiu a divulgação pública do problema, fossem, de certeza, poucos. Muito honestamente, pode-se dizer que tais movimentações tinham pessoas de vários quadrantes.

Em 1975, os portugueses que reclamavam Olivença eram de extrema-esquerda. Era o que se dizia em Espanha. Já em 1976 e 1977, eram classificados de Salazaristas e saudosistas. Grandes contradições, na verdade!

Concretamente, o preconceito e o desprezo eram a nota dominante. Por preconceito, chegou-se a classificar o Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença em 1977 como Salazarista, num livro publicado na década de 1990, a partir duma informação de uma revista de 1975 ou 1976. O ridículo disto é que se tratava do Professor Hernâni Cidade, um dos maiores e mais populares opositores a Salazar, que, pelo seu prestígio internacional, e nacional português também, o ditador sempre teve de libertar logo após tê-lo mandado prender (deter). Assim, neste tipo de argumentação, chega-se ao grotesco, à difamação.

A Guerra Civil de Espanha tem sido também usada para denegrir Portugal na Questão de Olivença. É evidente que o papel de Salazar no conflito, ao entregar aos franquistas os refugiados espanhóis que sabia irem quase todos serem fuzilados, e o apoio que deu ao ditador espanhol, são uma vergonha para Portugal e para os Portugueses. Não tenho pejo em afirmar que assumo como reprovável uma tal actuação, e que certamente os modernos democratas portugueses (porque os de então pouco puderam fazer) estão comigo, bem como o Povo Português em geral. E, todavia, as autoridades portuguesas, no meio da barbárie, tinham instruções para protegerem aqueles que provassem ser oliventinos, através da correcta pronúncia de algumas palavras em Português. Com excepções pontuais, isso foi feito. Claro, o regresso de muitos oliventinos a casa foi cruel, já que as autoridades franquistas, receosas que alguns “comunistas” tivessem escapado graças à tolerância portuguesa, os perseguiram sem piedade. E o ditador Salazar nada fez contra isso, já que ele próprio era ferozmente anti-comunista, e a Polícia Política Portuguesa também não conhecia a palavra piedade. Todavia, e criticando sempre e sem perdão o ditador português, há que dizer muito claramente que quem desencadeou a Guerra Civil, quem praticou massacres, quem matou e perseguiu, foram as autoridades franquistas, vergonhosamente espanholas, que, neste caso, foram mais carrascos que autoridades… como o povo espanhol deve saber muito melhor do que eu! E digo tudo isto porque, na crítica que se faz a Portugal relativa à Guerra e a Olivença, por vezes, julgar-se-ia que Salazar teve mais culpas que Franco!

Ora, sem esconder responsabilidades, o que é de assinalar é que tanto Portugal como Espanha estiveram sob o Domínio de ferozes Ditaduras, que não podem ser esquecidas nem, muito menos, repetidas. O caso espanhol foi mais grave, pois o totalitarismo nasceu após uma Guerra, situação em que o humanitarismo, muito mais do que em outras situações,é esquecido.Talvez o argumento mais traiçoeiro utilizado seja o de que Portugal não deve reclamar Olivença porque agora, na União Europeia, “já não há fronteiras”!

Antes de ser traiçoeiro, é falso: não há fronteiras enquanto BARREIRAS, mas elas existem administrativamente. Um Espanhol paga impostos a Madrid, um Português a Lisboa. Vive-se dentro dos limites de um País, de um Distrito, de um Concelho.

Mas… em jeito de conclusão… e voltando ao argumento de que agora “já não há fronteiras”,… se, de facto, as fronteiras já não têm o antigo significado e o peso nacionalista de outros tempos… por que diabo se insiste em colocá-la no Guadiana, diante de Olivença? Por que não colocá-la nas ribeiras de Olivença, Táliga, e Alcarrache? Aliás, a integração na União Europeia é até uma garantia para as populações de que o seu nível de vida, direitos, leis, não serão afectados. Nem sequer haverá problemas com trocas de nacionalidades, ou outras burocracias! Tudo mais fácil! A fronteira não tem importância? Tudo bem! Vamos colocá-la onde legalmente Portugal acha que ela se situa! A dizer-se não a isto, qualquer português pode pensar que, para a Espanha, só lhe interessa desprezar a fronteira quando isso lhe é favorável…

Creio já me ter alongado muito, mas espero ter dado uma ideia dos argumentos que mais causam alguma indignação em Portugal a propósito da Questão de Olivença.

O que magoa, mais do que tudo, é talvez o preconceito. Olivença é um assunto “tabu”. Informação minimamente objectiva, é quase inexistente. Em compensação (?), demagogia, frases grandiosas, propaganda, indignação, Xenofobia, Chauvinismo, não faltam.Não será tempo de se poder discutir este assunto, mesmo apaixonadamente, sem se cair em histerias nem atitudes ofensivas? Não se poderá dialogar, mesmo discordando?»

Assim terminava o meu artigo, publicado em 1999. É triste, muito triste, verificar que, em muitas coisas, tudo continua na mesma!

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