Voltam à Europa os demónios do período entre guerrasA indomável Catalunha e seu intrépido povo está novamente, 80 anos depois (!), no epicentro dessa tragédia europeia, que sempre a recomeça! Hoje, como então, os protagonistas da tragédia, que ameaça – mais uma vez – o nosso velho continente, são exactamente os mesmos: por um lado, os presidentes eleitos democraticamente da República da Catalunha, em revolta, em busca de asilo nas nossas “democracias” europeias. E, por outro lado, a Alemanha que os aprisiona para os entregar aos seus verdugos em Madrid, os que defendem por todos os meios “a unidade” do estado dos Bourbons e dos epígonos de Franco! …
Hoje, no ano de 2018 dC, o presidente impugnado e democraticamente eleito é Charles Puigdemont, que atualmente está detido algures no norte da Alemanha, à espera de ser extraditado para o Estado espanhol. Ontem, isto é, em 1940, foi o presidente da jovem República da Catalunha, Lluis Companys, muito popular e democraticamente eleito em 1934, que também se exilou (!) – em França, no final da guerra civil. Em 1940 ele foi preso pela polícia secreta da Alemanha nazi que ocupava a França. O Presidente Socialista da República da Catalunha é então entregue à Gestapo, que aceita o pedido do ditador Franco e entrega Companys aos seus torturadores fascistas espanhóis.
A sequência de eventos é conhecida e suficientemente agradável aos actuais epígonos de Franco para que o invoquem publicamente, para aterrorizar o povo catalão. Assim, em 8 de Outubro de 2017, ou seja, uma semana após o referendo para a independência catalã e dois dias após o 83º aniversário da primeira declaração de independência da Catalunha, Pablo Casado, estrela em ascensão do partido Popular de Mariano Rajoy, advertiu publicamente Charles Puigdemont … “que ele poderia experimentar o mesmo destino que seu predecessor Lluis Companys”! Qual foi o “destino” de Companys que Casado e seus amigos em Madrid invocaram tão vil e cinicamente?
A resposta é dada no artigo biográfico de Companys na Wikipedia: “Mas Companys foi entregue à ditadura militarista franquista pela polícia secreta da Alemanha nazi em 13 de agosto de 1940. Julgado e sentenciado por um tribunal militar, foi, depois de ter sido torturado, atirado para as masmorras do castelo de Montjuic, em Barcelona, em 15 de Outubro de 1940. Ele não quis ser vendado e morreu de frente para o pelotão de fuzilamento, a gritar “Viva a Catalunha! ”
Aqui está o “destino” que os epígonos de Franco em Madrid prometem pública e descaradamente ao Sr. Puigdemont. E a nossa unida Europa “democrática”, o que faz na frente desta barbárie? Como expressa a sua revolta e a sua desaprovação? Infelizmente, não há revolta ou desaprovação da sua parte. E o pior é que essa Europa neoliberal e autoritária é, ao contrário, cúmplice quando apoia activamente os epígonos de Franco e seus projectos assassinos. Quando olha, sem vacilar, para os procuradores do Sr. Rajoy a atropelar todas as noções de democracia, enchendo as prisões com dezenas de autoridades eleitas e centenas de cidadãos catalães porque “ousam” reivindicar sua liberdade. Quando a Europa finge não ver a polícia em Madrid a mandar centenas de milhares de cidadãos catalães para os hospitais por protestarem pacificamente e quando ela finge não ouvir os ministros de Rajoy declarar que o exército espanhol está pronto para intervir na Catalunha!
Mas o que mais pode ser dito de ainda mais desencorajador, do comportamento insondável da esquerda europeia e grega, da esquerda de quase todas as sensibilidades e cores. Não é só ela que não vê que os trágicos acontecimentos da Catalunha começam a parecer duas gotas de água às de 1936 e 1937, que acabaram por levar ao enorme banho de sangue da Segunda Grande Carnificina. Nem ela entende que, exactamente como há 80 anos, o que está a acontecer hoje na Catalunha também é seu próprio destino. É que especialmente a nossa esquerda contemporânea parece ter perdido toda a capacidade de se mobilizar e de se solidarizar com as vítimas indefesas da repressão do Estado quando vê o sangue mudo e indiferente a fluir nas ruas de Barcelona e os autocratas de Madrid a espezinhar todos os dias os direitos democráticos mais básicos dos cidadãos catalães.
Infelizmente, mais uma vez, a conclusão é triste: a esquerda não faz o seu trabalho quando o inimigo de classe não apenas faz o seu, mas o faz muito bem. Como, por exemplo, a Alemanha e sua classe dominante estão a preparar-se para extraditar o presidente eleito da Catalunha para Madrid … “no âmbito da muito boa colaboração entre os dois países”, como gostam de repetir nestes últimos dias os parentes da senhora Merkel. E, de facto, a colaboração Alemã-Espanhola é realmente “muito boa” se pensarmos que ambos os Estados continuam a pagar mutuamente pensões aos seus cidadãos envolvidos em crimes de guerra horríveis nos anos 40.
Trata-se do escândalo germano-espanhol que, juntamente com o deputado Andrej Hunko do partido alemão Die Linke, revelámos há três anos à opinião pública da Grécia, e até de outros países, quando, na ocasião, o governo alemão se recusou a reconhecer as dívidas e reparações de guerra da Alemanha à Grécia. A revelação e a denúncia dos factos … “incrível, mas é verdade” segue: que, em conformidade com o contrato Alemão-Espanhol de 1963, assinado pelo ditador Franco e pelo chanceler alemão Konrad Adenauer, a Alemanha comprometeu-se a assegurar o pagamento das pensões dos membros da famosa “Division Azul” Espanhola que lutaram ao lado do Wehrmacht na Frente Oriental e durante o cerco de Estalinegrado. Por outro lado, a Espanha passou a pagar as pensões dos sobreviventes ou descendentes de membros da infame “Legião Condor” nazi, responsável por crimes de guerra durante a Guerra Civil Espanhola, e especialmente de ter arrasado Guernica, o berço da Nação Basca. Nós escrevemos como, respondendo a uma pergunta de M. Hunko, a chanceler Merkel revelou perante o Parlamento alemão a quantidade exata destas pensões que o Estado alemão continua a pagar até hoje! … Então, não podemos deixar de admirar … quão bonito é o nosso mundo “democrático”, tão angelicamente afeiçoado a tal gente.
E está claro que, mais uma vez, os nossos tiranos estão a fazer muito bem o seu trabalho imundo porque, tendo começado – de novo (!) – pela Catalunha e pelo esmagamento de seu povo, eles agora preparam-nos para novos casos. Os amanhãs podem ser análogos ao passado, mas mais apavorantes. Nós que somos a multidão, nós, democratas e esquerdistas, o que estamos a fazer? De que estamos à espera para fazer um pouco do nosso trabalho? O que estamos à espera para mostrar a nossa solidariedade aos representantes eleitos do povo catalão embaçado pelos inquisidores de Madrid? O que estamos à espera para tomar as ruas e mostrar a nossa solidariedade para com o povo heróico da Catalunha, o único oásis de resistência de massas e auto-organização popular exemplar em toda a Europa? O que estamos à espera antes que seja tarde?
Por Yorgos Mitralias, Jornalista e membro fundador do Comité contra a Dívida Grega, organização afiliada do Comité para a Anulação da Dívida dos Países do Terceiro Mundo (CADTM) e da Campanha grega para a auditoria da dívida | Traduzido da versão francesa do original em grego
Com a devida vénia para António Pedro Dores, Professor Auxiliar com Agregação do Departamento de Sociologia e do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE-IUL), que editou o texto