Ainda não se cumpriu uma década sobre o espoletar da crise do subprime e continuam a avolumar-se os sinais que o muito que então foi prometido para prevenir a sua repetição – como a alteração dos modelos de gestão e aumento da regulação dos mercados financeiros – não passou de desabafo momentâneo ou de piedosa intenção, senão de criminosa acção para enganar os tolos.Lembremo-nos que entre as razões apontadas para o colapso financeiro despoletado em 2008 se contavam práticas desajustadas de remuneração dos capitais que levaram à ocultação de riscos e à sua disseminação pelos mais diversos tipos de investidores e de aforradores. O recurso generalizado a produtos financeiros estruturados (inicialmente criados com o objectivo de cobertura de riscos, assim designados por incorporarem produtos com origens e características diversas) precipitou uma economia ávida de ganhos imediatos e altamente dependente do crédito numa espiral recessiva ainda não completamente resolvida.
Com a rápida propagação da crise e principalmente após a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, iniciou-se um período durante o qual se generalizou o receio sobre a qualidade e solidez dos activos bancários, retraindo o normal fluxo de crédito entre os bancos e destes para a economia real, com inevitáveis as consequências de retração económica, falências e desemprego. Na altura distintos políticos e responsáveis económicos e financeiros assumiram a necessidade de revisão dos paradigmas de risco e crédito que vinham utilizando, chegando mesmo a falar-se numa profunda revisão do processo de desregulação dos mercados financeiros que esteve na origem do boom dos produtos estruturados.
Quando agora lemos notícias onde os «CTT confirmam dividendo e entregam aos accionistas o dobro dos lucros obtidos», ou quase em jeito de branqueamento que os «CTT e Nos são as únicas a pagar mais do que lucraram», extinguem-se as dúvidas sobre a real alteração dos modelos de gestão que contribuíram para a crise.
Quando se anuncia que as «Cotadas portuguesas dão aos accionistas 71% dos lucros», não se revela apenas que a dependência do lucro imediato e a qualquer custo continua a ser o modus operandi das grandes empresas e das suas equipas de gestores principescamente remunerados, escolhidos pelos grandes accionistas não para assegurarem modelos de gestão de crescimento possível e prudencial mas sim para garantirem a sua máxima remuneração, o que é confirmado com o caso dos CTT (novamente) num ano em que os «Lucros dos CTT afundam 56,1% para 27,3 milhões», mas a “gestão” mantém os dividendos ao mesmo nível dos anos anteriores. A isso se sentirá obrigada porque os seus rendimentos pessoais dependem da “satisfação” dos grandes accionistas, que o são graças ao crédito com que adquiriram essas posições, mas que dependem do pagamento de juros ao sector financeiro para manterem a sua posição.
Complicado? Talvez, mas nada que se pareça com os sofisticados derivados (outra designação dos produtos financeiros estruturados) que inundaram os cabeçalhos das notícias depois de 2008, trazendo para o vocabulário popular expressões como: forwards, mortgage-backed derivatives, strutured notes, swaps, credit default swaps e outras que infundiram o pânico e sustentaram a necessidade dos cidadãos resgastarem os bancos que envolvidos numa desenfreada especulação. Em comum aqueles produtos têm o facto de se basearem mais em expectativas que em realidades económicas, de prometerem grandes ganhos mas a custo de grandes perdas e serem transacionados em mercados completamente fora de qualquer controlo; para se ter uma ideia desta realidade recorde-se que em 2010, no auge da crise, estimava-se um montante global transaccionado na ordem de 1,2 mil biliões de dólares (mil biliões corresponde a um número com quinze zeros) quando o PIB mundial era então estimado entre os 50 e os 60 biliões de dólares (um bilião corresponde a um número com doze zeros), o que significava a existência de um prejuízo potencial vinte vezes superior a toda a riqueza produzida.
Esta realidade, ou uma parecida, é a que continua a sustentar um sistema financeiro dependente de um modelo económico assente no crédito, que o mesmo é dizer na permanente transferência dos ganhos do sector produtivo, que continua a viver desligado da realidade económica e cada vez mais transformado numa economia de casino.