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João de Sousa

Segunda-feira, Novembro 4, 2024

As novelas da estação

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Será que os portugueses que – contrariamente à generalidade das democracias e apenas a exemplo de abrigos fiscais – fazem do segredo bancário um dos pilares do seu sistema político-financeiro pensam que é possível defender esse princípio sem pagar as consequências em corrupção e conflitos de interesse generalizados?

  1. A desinformação irano-russa a todo o vapor

É alucinante a forma como em Portugal se vêm desfilar tanto nas estações de TV, como na imprensa como nas redes sociais, as mais fantasiosas e absurdas invenções da máquina de desinformação irano-russa; se num momento Assad entregou todas as armas químicas que possuía em 2013, no seguinte ele nunca teve tais armas, se num momento é mentira que tenha havido ataques químicos em Douma, no seguinte as forças irano-russas expõe as fábricas de armamento químico financiadas pelos americanos, ou pelos sionistas ou por todos mais os franceses e aparece um frade a jurar que Assad é um santo e nunca utilizou armas químicas na vida, num remake de conhecidas peças da propaganda estalinista.

Mais de uma dezena de milhões de refugiados e deslocados, meio milhão de mortos, dezenas de milhares de dossiers documentais de tortura e assassínio, inúmeros ataques químicos relatados e evidência que transborda por todo o lado, tudo é passado em branco num sinal aterrador do que pode estar perante nós.

A facilidade com que tão grande número de portugueses e a imprensa supostamente credível reproduzem as efabulações das quadrilhas criminosas do eixo irano-russo – sem sequer questionar a sua óbvia falta de coerência interna – mostra a que ponto a opinião pública portuguesa é tão permeável à manipulação informativa e como o caminho está tão aberto a demagogos e aprendizes de tirano que aproveitem qualquer instabilidade que se profile no horizonte.

  1. Quarenta e quatro anos depois do 25 de Abril

Trata-se certamente do mais longo período de regime liberal-democrático em Portugal e um dos mais longos de sempre de um regime. Parece-me a mim claro que é tempo de deixar de fazer da data um momento de discussão sobre o passado mas o momento de pensar o futuro, e se a longevidade do regime político é talvez a mais eloquente prova do seu sucesso, não é menos verdade que essa longevidade é a prova também de que a reforma de que qualquer regime carece está já atrasada, e é mais que tempo de a pôr em marcha.

E a evidência da necessidade de reforma do regime é de tal forma vasta que se torna penoso ver como a classe política quase inteira se afadiga a defender o indefensável. Como é possível ignorar a evidência que transborda de um conúbio entre as elites financeiras e políticas do país que o conduziu à ruína financeira?

Será que os portugueses que – contrariamente à generalidade das democracias e apenas a exemplo de abrigos fiscais – fazem do segredo bancário um dos pilares do seu sistema político-financeiro pensam que é possível defender esse princípio sem pagar as consequências em corrupção e conflitos de interesse generalizados?

Quando se tornará óbvio que sem uma reforma profunda da magistratura que torne impossível confundir o serviço público com o servir-se do público, que reconduza os partidos ao papel que lhes cabe numa democracia amadurecida – e que é tão-somente o de máquinas de selecção de candidatos – que faça da transparência da gestão pública e a ausência de conflitos de interesse as regras e não as excepções?

  1. A emergência dos demagogos

Continuamos a ver quase todos os dias a história de uma das várias falências bancárias – a do BES – a desenrolar-se aos pingos, porque os dirigentes do nosso complexo político-financeiro são da opinião de que uma interminável telenovela é a única maneira de evitar que os portugueses digam basta e exijam reformas.

E vemos assim quem finja espanto quando se revela num jornal que um Ministro, que tipicamente circulou entre o BES e o Governo, continuou a receber do banco, mesmo quando era Ministro, a coberto do “segredo bancário”.

E pior ainda, vemos quem foi imposto no PS por quem alimentou os negócios do BES – o Irão e a Venezuela – a surgir como cavaleiro andante do justicialismo, como arauto da transparência e dos bons costumes, e a descobrir agora que o PS foi tomado de assalto por corruptos e criminosos. É apenas o assinalar de que se pretende uma fatia maior do poder que se já tem, na nossa linguagem político-partidária.

O destino dos dirigentes do nosso sistema político-financeiro, que sempre pensaram que lhes seria possível ficar com as comissões e pagamentos dos ditadores sem que lhes fosse apresentada a factura, não me parece ser a questão mais importante.

As elites portuguesas deixaram-se embalar na esperança de que ninguém as chamasse a prestar contas do estado a que levaram o país, e com isso criaram a forte possibilidade de se verem postas de lado por demagogos a soldo dos piores bandos de criminosos que actuam no nosso planeta.

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