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Domingo, Novembro 24, 2024

As vinhas da ira: O filme

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

Casas abandonadas e a terra devastada onde antes havia famílias de trabalhadores e plantações a perder de vista. O que houve? A atmosfera rural que predominou nos Estados Unidos até os anos 1930 foi derrubada pelo vendaval da crise da bolsa de Nova Iorque de 1929. Tal cenário foi retratado por Steinbeck em seu livro As Vinhas da Ira e, em 1939, por John Ford, no filme homônimo.

O filme, baseado no livro homônimo de John Steinbeck, conta a saga da família Joad: da expropriação das terras onde viviam à longa viagem de Oklahoma à Califórnia, pela Rota 66, movidos pela ilusão de que as plantações de laranjas garantiriam emprego fácil.

Logo no início vemos a angústia do primogênito Tom Joad (Henry Fonda), que, ao retornar para casa após cumprir quatro anos na prisão (em liberdade condicional), encontra um cenário desolador no lugar de seu antigo lar. A amargura da cena é reforçada pela figura do ex-pregador Casy Muley, um antigo morador que perdeu tudo, inclusive a fé, e ficou louco. É ele quem informa Tom sobre a triste sina que se abatera sobre a família Joad.

Inicia-se então a dura jornada para a Califórnia. Todos, a mãe, a irmã, o cunhado, os avós atravessam os EUA percorrendo o caminho dos conquistadores do Oeste, em uma clara referência ao sonho americano (o “american dream”) em expandir-se para aquelas terras.

Em determinado momento a família para em um bar para comprar comida. As crianças querem um doce, mas não tem dinheiro suficiente. A garçonete forja um preço mais baixo que permite que as crianças possam comprar o doce. O interessante é que, logo a seguir, após os Joad saírem do bar, dois trabalhadores caminhoneiros deixam com a garçonete um troco a mais, como gorjeta. Este singelo detalhe mostra um tipo de ajuda das categorias de trabalhadores mais organizadas, como os caminhoneiros, aos trabalhadores mais pobres. Ao deixarem o troco, os trabalhadores da estrada, que na década de 1930 tinham forte organização sindical, “financiaram” indiretamente as crianças da família Joad. Cenas como esta são sutilmente pinceladas no filme, revelando solidariedade entre os homens a despeito das atrocidades impostas pelo mundo do capital e do mercado.

Na chegada ao tão sonhado destino começa a desilusão. Entram em contato com o mundo de miséria por trás da prosperidade capitalista. Aos trancos e barrancos descobrem fazer parte do imenso contingente de trabalhadores expulsos de suas terras, desesperados por qualquer tipo de colocação nas novas formas de emprego que se estabelecem.

Depois de muito sofrimento chegam a um acampamento estatal, do Ministério da Agricultura, o único local em que encontram dignidade social. O diretor John Ford, nesta cena, passa a mensagem da importância do Estado para organizar a sociedade, fazendo clara referência ao New Deal do então presidente Frank. D. Roosevelt, para tirar o país da crise.

No romance As Vinhas da Ira, John Steinbeck mostra o contraste entre o velho mundo dos pequenos
agricultores, que preservava uma sociabilidade tradicional, e o novo mundo da grande empresa marcado pela ganância, desconfiança e indiferença.

Mesmo sem conhecer a nova realidade, a sabedoria da mãe Joad pressentia a lógica perversa da ordem social nascente. No diálogo final dela com Tom, a mãe expõe o que mais teme: “Eles podem matá-lo e eu não saberei. Eles podem machucá-lo. Como vou saber?”. E Tom responde: “Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E quando as pessoas estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram, eu também estarei lá”. Ao final, Ma Joad, compreendendo as palavras de seu filho, conclui: “Não podem acabar conosco. Não podem nos varrer. Vamos continuar para sempre. Pois nós somos o povo”.

O filme é um retrato trágico e belíssimo dos Estados Unidos da primeira metade do século vinte. As paisagens amplas, os rios largos, plantações enormes e estradas longínquas são elementos que embelezam o filme. Mas, por outro lado ele mostra o avesso da ostensiva sociedade estadunidense.

 

(The Graapes of Wrath)

EUA, 1940

Direção: John Ford

Elenco: Henry Fonda, Jane Darwell, John Carradine, Shirley Mills, John Qualen, Eddie Quillan

 

Texto original em português do Brasil

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