Chama-se Katrín Jakobsdóttir, é dirigente do Movimento de Esquerda Verde e primeira-ministra do novo governo islandês. O nome nada diz a ninguém mas foi esta mulher que fez aprovar a primeira lei, a nível mundial, penalizando o patronato que desrespeite a legislação de igualdade de género. É uma boa notícia a assinalar mais uma celebração do Primeiro de Maio.Não é mais que uma nova surpresa que nos é oferecida pela pequenina Islândia.
Já estávamos esquecidos da surpreendente renegociação da dívida soberana em termos favoráveis e com salvaguarda dos interesses nacionais, ou da recusa da população em pagar os desmandos financeiros que conduziram à falência dos principais bancos e a retirada do pedido de adesão à União Europeia – que esteve sempre do lado contrário ao da vontade da população, como é de sua essência.
É assim mesmo, desde Janeiro, a Islândia deu o passo que faltava para a total igualdade de género nas leis laborais .
É uma situação que faz corar de vergonha a classe dirigente portuguesa, uma vez que os homens ganham, em Portugal, mais 17,8% do que as mulheres, acima da disparidade salarial média na União Europeia (UE 16,3%), segundo dados de 2015, divulgados pelo Eurostat (cf. Homens ganham mais 17,8% do que as mulheres em Portugal).
A disparidade salarial é definida como a diferença entre os vencimentos anuais entre homens e mulheres, mas quando se tem em conta as três desvantagens que estas têm que enfrentar –menor salário por hora, menos horas de trabalho em empregos pagos e taxas de emprego mais baixas – a disparidade de género chegava, em 2014, aos 26,1% em Portugal (UE 39,6%).
No âmbito da promoção da igualdade de géneros, a Comissão Europeia anunciou um plano de acção para acabar com as disparidades salariais entre homens e mulheres, que deverá estar aplicado até ao final do mandato do colégio, em 2019.
Todavia, a Islândia está na frente.
Os legisladores islandeses enveredaram por um caminho diferente, recorrendo à única linguagem conhecida pelo patronato incumpridor: a penalização efectiva como travão à impunidade.
A igualdade de género na Islândia não é apenas um princípio enunciado no papel: quando qualquer empresa ousar despedir uma trabalhadora por ter engravidado tem de se sujeitar a acertar contas com a justiça; garantindo esta, por outro lado, que o processo impeça quaisquer tentativas de represália patronal.
Talvez assim o culto da ilegalidade e o descaramento da agressão ao princípio da igualdade de género sejam substituídos por consequências práticas realmente eficazes e punitivas dos infractores.
Os ventos que sopram dos países frios, chegaram também às terras de Sua Majestade. Sabe-se que a BBC paga às mulheres 50% menos do que aos homens em igual função e a revolta das suas jornalistas está a abalar o status quo.
Neste Primeiro de Maio não podemos ignorar a devastação global dos direitos laborais é tão intensa que só um perverso hábito instalado não os inclui entre as violações da condição humana.
Veja-se o que se passa com os nossos jovens, cujo desrespeito salta pelos olhos dentro, justificada por mil e um artifícios dos sempre lamurientos e chantagistas interesses patronais dominantes.
Dentro da assumida «liberalização do mercado laboral», os jovens são vítimas claras, tanto em precariedade de vínculos (ou sua ausência total), como em salários, segurança, horários e direitos.
E as mulheres? Todos temos exemplos assustadores, raramente transformados em denúncia, porque o silêncio parece ser mais aconselhável para não perder o posto de trabalho, porque há muito quem o queira.
Associações sindicais desmultiplicam-se em esforços para informar sobre a descarada ilegalidade. Mas quem as escuta? A comunicação social não, porque também é vítima deste sistema onde a precariedade é dona e senhora de muitas redações.
Advertir trabalhadoras que se alguma engravidar perde o emprego; e nada acontece é o “pão nosso” de cada dia; é fácil tropeçar numa empresa que recusa mulheres porque ou estão sempre de licença de maternidade, ou grávidas, e com leis a protegê-las não há negócio que resista.
O Eurostat abre-nos os olhos mostrando que, apesar de todas as leis estabelecendo a igualdade de géneros, as diferenças salariais entre homens e mulheres estão institucionalizadas; que o desemprego, regra geral, afecta mais as mulheres do que os homens.
Nem é preciso entrar em caminhos mais minuciosos sobre a precariedade, virtualidade dos vínculos e outros comportamentos que violam o princípio da igualdade – formulado como norma sem conteúdo.
A resposta adivinha-se para os restos dos dias do ano: são tiques de revolucionarismo, ou sindicalismo anacrónico ou vícios feministas. Mas hoje, que diria Clara Zetkin, que em 1910 apresentou a proposta de criação de um Dia Internacional da Mulher, se soubesse que as mulheres continuam a lutar pela igualdade?
O que diria esta comunista alemã (1857-1933) se soubesse que a formação superior a que as mulheres acederam, direito não foi bastante para acabar com as discriminações salariais? E que a percentagem de mulheres que aufere o salário mínimo nacional é muito superior à dos homens?
Ou ainda, que, no século XXI, em muitos sectores paira o entendimento de que, o dia que propôs com o objectivo de aumentar a consciência política e a organização das trabalhadoras, serve para presentear as mulheres com flores e chocolates, em vez de lhes reconhecer os direitos que a lei e a Constituição prevêem.
Hoje, no entanto, é dia de celebrar, com Katrín Jakobsdóttir, sem esquecer a luta de Clara Zetkin.