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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Geisel não apenas sabia, como autorizou execuções de presos políticos, afirma memorando da CIA

Um memorando feito pelo ex-diretor da CIA William Egan Colby em 11 de abril de 1974 e destinado ao então Secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger sugere como o ex-presidente Ernesto Geisel soube e autorizou a execução de centenas de opositores políticos durante a ditadura militar no Brasil.

O documento foi localizado pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, Matias Spektor. Para ele, “é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos”.

Nele, está descrito um encontro em 30 de março de 1974 entre o presidente Ernesto Geisel, o general Milton Tavares de Souza, o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente os chefes de saída e chegada do Centro de Inteligência do Exército (CIE), à época, e também o general João Baptista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), que sucedeu Geisel na presidência em 1979.

Execução sumária de 104 pessoas

Manuel Fiel Filho, assassinado no doi codi em 1976

No encontro, segundo o documento, Milton Tavares de Souza, informou Geisel sobre a execução sumária de 104 pessoas feita pelo CIE durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, e pediu autorização para continuar a “política” de extermínio no novo governo.

O diretor da CIA escreveu, no memorando, que o general Milton Tavares “enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista e disse que métodos extralegais devem continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. A este respeito, o General Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pela CIE durante os anos anteriores (1973), aproximadamente. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade”.

Geisel, então, pediu para pensar durante o fim de semana para decidir se continuava ou não com a “política”. Entretanto, no dia 1º de abril, dois dias depois da reunia, o presidente disse ao general Figueiredo que a “política deveria continuar”, conforme informa o memorando. Geisel orientou que “apenas subversivos perigosos fossem executados”. Ele e Figueiredo concordaram que todas as execuções deveriam ser então aprovadas por Figueiredo.

Após esta decisão o CIE coordenou uma grande ofensiva contra o Partido Comunista Brasileiro, matando dez de seus integrantes, todos sequestrados e mortos em centros clandestinos mantidos pelo órgão. Durante essa ação, que contava com a participação do destacamento de Operações de Informações (DOI), de São Paulo, outros centenas de militantes comunistas foram presos e três deles morreram no DOI: o tenente José Ferreira de Almeida, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, mortes que ocorreram fora do sigilo das ações do CIE. Em razão delas, Geisel afastou do comando do 2.º Exército o general Ednardo D’Ávila Melo, em 1976.

“Quando a CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe da CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O Presidente e o General Figueiredo também concordaram que a CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral da CIE será coordenado pelo General Figueiredo”, descreve o documento.

O memorando

O documento encontrado foi desclassificado em 2015, junto com outros 404, pelo Departamento de Estado Americano, envolvendo oito países da América do Sul. Eles cobrem o período entre 1973 e 1976, durante as presidências dos republicanos Richard Nixon e Gerald Ford. O memorando é o papel de número 99 e está datado de 11 de abril de 1974, durante o mandato de Nixon.

O assunto do memorando é descrito como “decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de continuar a execução sumária de perigosos subversivos sobre certas condições”. Vale ressaltar que o primeiro parágrafo do documento com sete linhas não foi desclassificado pelo Departamento de Estado. É provável que ali estivesse a descrição sobre quem seria a fonte da informação que Colby repassava a Kissinger.

Segundo a rede do governo americano onde esses documentos estão sendo disponibilizados, uma cópia do memorando vai ser disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. Hoje, a descrição do documento está disponível online no site dos documentos históricos americanos. O original está na CIA.

Outro lado

Por meio de nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que “os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época”. Procurado, o Palácio do Planalto informou que não vai comentar o caso.

O memorando completo pode ser visto, em inglês, no site do Departamento de Estado dos EUA. Abaixo, a tradução para o português:

Memorando do diretor da Agência Central de Inteligência Colby para o secretário de Estado Kissinger

Washington, 11 de abril de 1974.

Assunto: Decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de continuar a execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições

  1. [1 parágrafo (7 linhas) não desclassificado]
  2. Em 30 de março de 1974, reuniu-se presidente do Brasil, Ernesto Geisel, com o general Milton Tavares de Souza (chamado de general Milton) e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE). Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI).
  3. O general Milton, que falou durante a maior parte do tempo, detalhou o trabalho da CIE contra os alvos subversivos internos durante a administração do ex-presidente Emilio Garrastazu Médici. Ele ressaltou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e que os métodos extralegais devem continuar sendo usados contra subversivos perigosos. A este respeito, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pelo CIE durante o ano passado, ou pouco antes. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.
  4. O presidente, que comentou sobre a seriedade e os aspectos potencialmente prejudiciais desta política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.
  5. [1 parágrafo (12½ linhas) não desclassificado]
  6. Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linha não desclassificada]. Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.

Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado

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