Quinzenal
Director

Independente
João de Sousa

Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

“This is America”, o videoclipe do ano

O último trabalho de Childish Gambino acumula 30 milhões de visualizações em três dias e despertou um entusiasmo unânime e uma infinidade de análises inteligentes.

Childish Gambino é o pseudônimo musical de Donald Glover (Califórnia, 1983). Glover é protagonista da série Atlanta, da qual também é ocasionalmente diretor, foi roteirista de 30 Rock, apareceu como ator em filmes como Homem Aranha: de Volta ao Lar e, sob o nome de Gambino, lançou três discos de hip-hop. Em 2017, a revista Time o incluiu em sua lista das 100 pessoas mais influentes do ano. Devido ao impacto de seu mais recente trabalho, o clipe musical This is America, ele pode reaparecer na lista de 2018.

Assista a explicação vídeo do clipe:

Os estranhos movimentos que se encadeiam nesta gravação de pouco mais de quatro minutos têm uma mensagem específica: compilar um bom número de referências à discriminação racial nos Estados Unidos.

Desde a divulgação do vídeo, na noite de sábado, 5 de maio, vários usuários do Twitter apontaram alguns dos simbolismos que Glover inclui nos planos sequência que compõem o clipe, sobretudo em referência à violência policial e ao racismo nos EUA.

Ao mesmo tempo, segundo os internautas, Gambino parece fazer uma crítica a como os negros são muitas vezes usados pela mídia para entreter (por meio de videoclipes de música, shows, programas de humor ou até mesmo vídeos de danças que ficam virais), o que acaba fazendo com que fechemos os olhos para o caos e a violência reservados para o povo negro na América, isto é, ignoremos os problemas sociais que realmente importam.

Isso explicaria, por exemplo, porque Gambino aparece dançando feliz com um grupo de adolescêntes durante a maior parte do tempo, enquanto o caos acontece no plano de fundo.

“O caos está correndo solto ao fundo, enquanto Childish e as crianças (América) só querem saber de entretenimento e de criar novos movimentos de dança que vão entreter as pessoas e fazê-las ignorarem o que acontece no fundo. Vale ressaltar que na internet, negros estão ali pra ser fonte de entretenimento pra America, mas quando se trata das suas vidas e segurança (como nos quadros anteriores) eles são completamente ignorados” analisou a internauta Victoria Hope.

Durante o clipe, Gambino veste uma calça específica da época da batalha americana pela confederação, os sulistas que defendiam a escravidão no país durante a Guerra Civil Americana.

Um país onde as armas valem mais do que a vida

Logo após Gambino atirar em um homem negro, que representa um escravo (pois já está com mãos amarradas e pés descalços), ele entrega a arma para uma criança que tem o maior cuidado do mundo para segurá-la, como se essa fosse algo muito precioso e mais importante que a vida de pessoas.

O homem negro que aspira a ser branco

Um violão e uma cadeira dentro de um galpão estão no centro da primeira imagem do vídeo. Em poucos segundos, um homem negro se senta para tocar violão enquanto a figura de Glover aparece ao fundo da imagem.

O músico dança em primeiro plano e faz um gesto estranho com o olho direito, em referência a Tio Ruckus. Este personagem de ficção, o antagonista da história em quadrinhos The Boondocks, é um homem negro que acredita ser branco e que mostra tendências racistas.

As leis que fundamentam a segregação

O homem do violão, o artista Calvin the Second, aparece encapuzado e Donald Glover lhe dá um tiro na nuca enquanto assume uma posição muito peculiar. Com ela imita Jim Crow, outro personagem de ficção muito arraigado na cultura popular norte-americana.

No século XIX, o ator branco Thomas Dartmouth criou um espetáculo blackface no qual cantava e dançava com o rosto pintado de preto, interpretando um escravo negro que possuía todos os estereótipos negativos relacionados com a comunidade negra.

O vaudeville de Darmouth teve tanto sucesso que Jim Crow passou a ser uma forma depreciativa de se referir a um cidadão afro-americano. Embora hoje possa parecer inacreditável, o termo pejorativo também deu nome a um conjunto de leis norte-americanas que promoveram a segregação racial nos Estados Unidos até 1965.

Bailarinos africanos

Depois de entregar a arma a um adolescente, que a pega com o cuidado de quem tem entre as mãos uma joia, Glover dança com um grupo de estudantes negros a Gwara Gwara, uma dança sul-africana que Rihanna popularizou na cerimônia do Grammy em janeiro de 2018.

Massacre de Charleston

Um coral gospel se incorpora à melodia trap de This is America. O ator e músico dispara em todos os seus membros com uma metralhadora, estabelecendo um paralelismo com o massacre de Charleston, na qual Dylann Roof, um branco na faixa dos 20 anos, matou nove pessoas em uma igreja afro-americana dos Estados Unidos em junho de 2015.

Richard Pryor, o pioneiro

A partir desse momento, no galpão onde o vídeo transcorre se inicia uma revolta popular com presença policial. Glover continua dançando e pisca para Richard Pryor, que incluiu durante décadas temas como o racismo e a violência em seus irreverentes monólogos de humor.

A morte de Stephon Clark pela polícia

Os estudantes aparecem como testemunhas do enfrentamento entre manifestantes e a polícia, gravando o que ocorre com seus telefones celulares. This is a celly / That’s a tool (Isto é um celular; esta é uma ferramenta), diz nesse momento a letra da canção.

Stephon Clark levou sete tiros da polícia em março de 2018. Os agentes buscavam um suspeito de quebrar vidros de carros. Clark estava no quintal traseiro de sua casa falando por telefone e a polícia confundiu o aparelho com uma arma, disparando contra ele. Ele era negro. O assassinato de Clark pela polícia desatou uma série de novos protestos no país, ainda fortemente marcado pela segregação racial.

Outros entenderam que as crianças anônimas com celulares nas mãos estão se divertindo com a dança lá em baixo, ao invés de se moverem pra focar no que importa, no caso os diversos problemas sociais.

O suicídio de jovens negros

Enquanto a dança continua, um jovem negro se joga da grade alta, representando a depressão e suicídio que assolam a população hoje, problema também ignorado. Vale ressaltar que diversas pesquisas revelaram que a falta de restrição da venda de armas nos EUA causa não só diversos massacres, mas também contribui com o crescente número de suicídios.

O cavaleiro branco do Apocalipse

Ao fundo da cena, um homem com o rosto coberto com um lenço monta em um cavalo branco. No Novo Testamento da Bíblia, o cavalo branco de um dos quatro cavaleiros do Apocalipse representa a morte e a vitória por meio do confronto violento. O ineterssante é que a morte a cavalo aparece guiando o carro de polícia, conhecida por promover um verdadeiro exterminio de negros nos suburbios nos EUA (mas também nas periferias brasileiras, se formos pensar).

O homem negro

“Gambino, agora vem representando o homem negro comum, não vemos suas calças e ele não tem mais uma arma de verdade, só a mão mesmo. Isso representa que o homem negro, sem arma, ainda é visto como uma ameaça, até mesmo pras crianças”, analisou também Hope.

Na última cena Gambino corre de homens brancos, que claramente vestem uniformes policiais.

Vídeo

Veja agora o vídeo completo:

Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV  / Tornado

Receba a nossa newsletter

Contorne a censura subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -