O M5E e a Liga tentam encontrar outro consenso para formar um governo, após o presidente Sergio Mattarella (PD) ter barrado um economista eurocético para ministro da economia. Os recentes acontecimentos abriram um debate: além de uma solução política para combater o avanço do populismo e da direita, a Itália também precisa entender como é controlada pelos interesses do capital fincanceiro europeu.
Os dois partidos “anti-sistema”, Movimento 5 Estrelas (populista) e Liga (extrema-direita), desistiram dos planos de dividir o poder no domingo (27) depois que o presidente italiano Sergio Mattarella rejeitou o economista critico ferrenho do Euro, Paolo Savona, como Ministro da Economia. Os partidos, que conseguiriam maioria no parlamento depois das eleições de março, vinham negociando nos últimos meses até que formaram um acordo final para possibilitar um governo e evitar novas eleições.
Agora os partidos estão tentando encontrar “um ponto de conciliação sobre um novo nome” para o Ministério da Economia, disse uma fonte próxima do 5 Estrelas, segundo informou a Reuters.
Carlo Cottarelli, primeiro-ministro designado pelo presidente no domingo (27), está tentando resolver o impasse. Matteo Salvini, líder da Liga, defende novas eleições, mas não rejeita a possibilidade de um governo interino.
É verdade que contra a formação do novo governo entraram em campo todas as forças do establishment europeu e interno, que usaram todos os mecanismos possíveis, incluindo a mídia. Foi assim também nos últimos anos: o viés antipopular dos governos de centro-esquerda, que na verdade são de centro-direita, com o objetivo de mudar a Constituição a favor de uma ordem claramente oligárquica.
Nesse momento, por mais paradoxal que pareça, temos as forças populistas defendendo a soberania popular, expressa no voto, e as prerrogativas do Parlamento, que é responsável por dar confiança ao governo, contra a reivindicação do presidente da República de ser ele o detentor da confiança e de ter um poder de decisão da maioria política que substitui a decisão resultante da urna. Portanto, não se trata de defender o projeto de governo populista e de extrema-direita; “quem defendeu a Constituição contra o ataque de Matteo Renzi (Partido Democrático), que tentou redesenha-la de forma oligárquica, não pode evitar de, nesse momento, defender as prerrogativas do parlamento e da vontade popular expressa no voto”, escreveu a jornalista Silvia Truzzi.
Defender a Constituição nesse momento contra a decisão de Mattarella não significa apoiar o M5E ou a Liga, mas sim defender a vontade popular, a democracia e o voto. A vitória da direita e do populismo nas urnas resulta de uma série de fatores cometidos na história italiana recente. Essas linhas ideológicas devem ser combatidas na política, com o fortalecimento de uma esquerda capaz de combate-los a apresentar soluções melhores, e não através da decisão de um presidente pressionado pelos interesses do mercado europeu.
Massimo Villone, professor de Direito Constitucional em Napoli e presidente da Coordenação Democrática Constitucional, mestre em Harvard, explicou melhor a situação para a jornalista Silvia Truzzi, do Globalist. Ele lembra que segundo os artigos 92 e 94 da Constituição italiana, o equilíbrio deve ser dado pelo sistema político: se os partidos entram de acordo em uma maioria que pode garantir a confiança (que foi o que aconteceu, apesar de nossas inúmeras críticas), o espaço do presidente da república é reduzido. Este não pode recusar a nomeação de um primeiro-ministro porque não gosta dele, muito menos impor o seu julgamento político.
Se eu fosse o Matarella, eu não tentaria impor a minha escolha. Estamos diante de uma novidade radical, porém escolhida pelo povo soberano devido a clara reprovação da gestão de governos anteriores. E certamente não é coincidência que o presidente responsável tenha em seu discurso citado tanto a posição europeia e internacional quanto à Itália, assim como a demanda por mudanças e os acordos entre as forças políticas que a apoiam. E ele se auto-definiu ‘advogado do povo’”.
O jornal comunista italiano, Il Manifesto, interpretou a decisão de Mattarella como um ataque que “fortalecerá ainda mais a aliança entre Di Maio e Salvini”. O jornal denunciou o “bombardeio” midiático dos jornais europeus contra o M5E e a Liga, especialmente daqueles alemães, país líder da União Europeia, especialmente quanto às regras economicas que devem ser aplicadas. As críticas ao governo italiano são válidas, por motivos óbvios, mas esses jornais usaram “insultos pessoais” e sem críticas aprofundadas. “É evidente que a imprensa alemã não perdoou o economista Paolo Savona de ter escrito contra a o intervencionismo da Alemanha e contra o governo de Angela Merkel em seu último livro”, escreveu o Manifesto.
Mattarella, em discurso para a imprensa, afirmou que fez de tudo para “dar vida a um governo”, e que ainda que tivesse “criticas”, acolheu o documento criado pelos dois partidos. O presidente disse que deixou claro para os representantes dos partidos, sem receber objeções, que para alguns ministérios teria dado mais atenção às escolhas. “A designação do ministro da economia representa sempre uma mensagem imediata de confiança ou de alarme para os operadores econômicos e financeiros”; ele, por assim dizer, admitiu de imediato a quem estava tentando agradar com o seu veto: “A incerteza da nossa posição quanto ao euro alarmou os investidores italianos e estrangeiros, que investiram nos nossos títulos de estado e nas nossas industrias”.
“Pedi que não fosse alguém que poderia provocar a saída Itália a zona do Euro, situação diferente de querer mudar a União Europeia para melhor de acordo com o ponto de vista italiano” continuou o presidente, “a escolha da adesão ao Euro é uma escolha fundamental para o nosso país e para os nossos jovens; se queremos discuti-la, deve-se fazer isso abertamente, e com um sério aprofundamento, até porque não foi um assunto que ficou em primeiro plano no recente debate eleitoral”, concluiu.
Nesse último ponto, ele não deixa de ter razão: a zona do Euro e o próprio pertencimento da Itália na União Europeia, e quais são as premissas que essa União deve carregar para o bem de todos seus países-membros (pois sabe-se que foram duras, por exemplo, as medidas de austeridade impostas à Grécia quando esta entrou em crise) deve ser algo amplamente discutido com a população, coisa que os populistas não fazem.
Os jornais alemães publicaram coisas como “se os italianos decidirem não pagar suas dívidas será o fim do Euro e a Alemanha perderá todo o dinheiro que investiu para salvar a Itália”. É evidente que houve uma mobilização midiática que refletiu com intensidade os interesses dos grandes investidores europeus e do mercado financeiro da União Europeia, independente da legitimidade democrática dado ao governo pelo voto do povo italiano, claramente descontente com as políticas europeias. É também verdade que os populistas (M5E e Liga) se aproveitam desse descontentamento para apresentar propostas rasas e carentes de reflexão política, com o intuito de inflar o nacionalismo xenófobo e a saída do Euro sem um debate profundo.
A política necessita de reflexões profundas para apresentar caminhos que coloquem em foco o as necessidades do povo e para o desenvolvimento de uma sociedade igualitária e justa, coisas que o populismo não faz: esse pensamento se aproveita do descontentamento do povo para impor soluções imediatistas. Mas a decisão de Mattarella em negar um governo desses partidos, após meses de negociações, apenas coloca mais lenha na fogueira para o discurso do M5E e da Liga contra a classe política.
É verdade que o governo de extrema-direita e “anti-sistema” vencedor das eleições na Itália não apresentava boas soluções para o país (e pouco tinha de “mudança”, já que se recusou, inclusive, a tirar a Itália da OTAN), e representava o crescimento da xenofobia no continente europeu. Mas também deve-se ter cuidado com quem o atacava: o mercado europeu ficou “nervoso”, e muito.
Como devem ser combatidas as forças populistas eleitas? “Na próxima rodada eleitoral, a esquerda deve criar um programa digno de sua história: um patriotismo constitucional, para questionar abertamente e sem hesitação a participação da Itália nessa Europa”, como bem escreveu Truzzi. Essa Europa que coloca os interesses do capital financeiro acima de uma União solidária em busca de desenvolvimento e igualdade, quando deveria a individualidade sociocultural de seus membros. Deve-se fortalecer uma esquerda que possa trazer soluções concretas à insatisfação dos povos diante da hegemonia neoliberal, e proponha uma saída à atual crise do capitalismo.
Como escreveu Massimo Villone para o Manifesto:considero o governo da Liga e do M5E algo a ser combatido, porque está claramente muito à direita. Mas eu espero que exista, ou que nasça, uma esquerda capaz de fazê-lo. Como constitucionalista eu defendo o direito da maioria dos italianos expressa no voto, que escolheram esses partidos, que agora tem o direito de escolher os seus ministros. Não é tarefa do presidente Mattarella impedir que isso ocorra. Deverá ser o povo soberano, quando acreditar que for necessário, a tira-los do poder”.
Por Alessandra Monterastelli | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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