Nasceu em Moçambique já no período pós independência. É médico e escritor. Mais recentemente inseriu-se no mundo editorial por via da recém criada Cavalo do Mar editora.
É principalmente na poesia que se destaca a sua escrita criativa tendo se revelado como um dos maiores, entre os mais recentes talentos artístico-literários, no âmbito do novo lirismo moçambicano. Humilde e urbano sendo o mais novo de uma família de sete irmãos criados com algum sacrifício por uma mãe enfermeira, viúva, em Maputo no bairro da Polana sendo dela que veio a inspiração e toda a motivação para a medicina e toda a sensibilidade para a poesia reconhecendo ter começado a ler relativamente tarde pois, como disse noutro contexto, com outros jovens estudantes criou o Núcleo de Estudantes Amigos do Livro e é ele mesmo quem revela: «Fazíamos acções de leitura nas escolas. É curioso que só comecei a ler aos vinte anos, já escrevia desde os quinze anos, comecei a ter vontade de partilhar as coisas e desses contactos nasceu a necessidade de ler. Com o Núcleo fazíamos homenagens à Noémia, ao Craveirinha, ao Rui de Noronha, e organizávamos uma itinerância com as leituras».
Hoje, poeta premiado, é autor de quatro títulos nomeadamente: O Mel Amargo, editado pela AEMO em 2006; Minarete de Medos e Outros Poemas, editado em 2009; Debaixo do Silencio que Arde, de 2015 e, muito recentemente em 2018, Os Crimes Montanhosos, em parceria autoral com o também poeta António Cabrita.
Nos últimos tempos, Mbate, tem sabido ser um legítimo representante dos escritores, da literatura e da cultura moçambicana muito além das fronteiras do seu país, participando em diversos encontros feiras e festivais literários nas mais distintas latitudes geográficas, onde com alguma regularidade estes eventos acontecem, sendo sempre uma sagrada oportunidade para reflexão e troca de experiências com autores estrangeiros, tal como recentemente aconteceu com a sua participação no FESTILAB que é um festival literário Áfro-Luso-Brasileiro, anualmente realizado em Luanda e em razão do qual mantivemos séria conversa, com este poeta do Índico, abordando ab initio a questão da circulação de livros e autores africanos:
Eu geralmente encontro-me com os escritores africanos mais vezes na europa do que aqui em África. Então falta-nos isso aqui em África. Encontros de escritores e circulação de livros pois no tempo do totalitarismo nos nossos países circulavam mais livros. A gente tinha mais informação e a minha formação literária foi feita lendo também Arlindo Barbeitos ou mesmo Rui Duarte de Carvalho cujos livros apareciam nas livrarias em Maputo. Agora estes autores estão ausentes das nossas livrarias. Portanto, embora cada país tenha as marcas da sua própria identidade, é urgente que para afirmação da lusofonia as nossas obras circulem mesmo entre nós. Falta a intenção e a vontade dos políticos e mais do que a intenção e a vontade dos políticos faltam mesmo as politicas. Precisamos de boas politicas que incentivem a circulação do livro. Precisamos De incentivos como a abertura de mais livrarias. Precisamos de incentivos que façam que o João ou o Alberto … ao invés de abrir uma padaria abram uma livraria, por exemplo.»
Em boa verdade a questão de circulação do livro é tida como uma das maiores senão mesmo a maior dor-de-cabeça para quem escreve e vê seus livros editados entre nós. Chegar ao ponto da edição já não é assim tão fácil como pode parecer e, quando editados os exemplares, em regra menos de mil, nem dentro das fronteiras dos nossos próprios países circulam e, diz-nos o nosso interlocutor: «… eu acho que é mesmo um problema politico e estrutural. Alguém disse que o livro tem que ser visto como uma mercadoria para poder circular tal como uma cerveja ou, como a coca-cola. A coca-cola é uma mercadoria que chega ao distrito mais recôndito dos nossos países mas, um livro, tal como os preservativos e medicamentos, dificilmente ou nunca chegam lá. Eu acho que é isso que a lusofonia ainda tem que resolver. Não pode ser o Lopito a levar os seus livros para ser lido em moçambique ou o Ungulani a trazer os seus livros para Angola para poder ser lido. Põe-se mais uma vez o problema da circulação e da formação dos leitores e nós, por exemplo, temos uma distribuidora de livros em Moçambique que não está preocupada com o livro convencional, está mais preocupada com a distribuição e circulação do livro escolar.
Também sem a devida e tão desejada circulação do objecto livro, naturalmente, lê-se cada vez menos e segundo o poeta: O problema é comum a todos os países da CPLP e é verdade pois sei que em moçambique nos últimos anos fecharam-se muitas livrarias e mesmo em Portugal e no Brasil acontece o mesmo. Mas as livrarias fazem parte do sistema literário, assim como as bibliotecas, os encontros e os festivais literários, isto tem que ser incentivado pois é isso que forma os leitores é só constatar que estão aqui jovens que andam no primeiro, segundo e terceiro ano do curso de letras e com vontade de aprender, por isso, temos de formar leitores porque sem leitores a literatura não existe.» E, obviamente, acresce: «a cada dia crescem os movimentos literários mesmo sem o incentivo institucional e sem uma ligação institucional tal como tem o Brasil. O Brasil nos últimos dez anos tem uma forte ligação entre a cultura e a educação. Em Angola, Moçambique, São Tomé, Guiné e Cabo Verde, não existe esta ligação. As pessoas vão a escola, aprendem matemática, português e outras matérias mas não são culturalmente educadas. É isso que está a faltar-nos.
Moçambique vive um excelente momento literário e essencialmente poético. José Craveirinha contaminou a geração de Patraquim e de Euardo Withe graças a sua força telúrica mas depois ouve um grande poeta que foi o próprio White e o Armando Artur que acabaram por influenciar outra geração de poetas a que eu pertenço tal como o Sangare Okapi e o Chivango. Então Moçambique vive um grande momento poético e é pena que a critica jornalística não esteja ainda muito atenta a este fenómeno que está a acontecer em moçambique.
Isso deve-se também e principalmente a redução dos espaços de critica literária nos jornais. Reduziu substancialmente o espaço. Por exemplo, tu tens o Jornal Noticias, em Moçambique, que tinha um suplemento cultural com mais de cinco páginas e que fechou, tens o Jornal O País onde o espaço cultural é muito reduzido. O espaço para fazer critica reduziu e a preparação dos jornalistas, relativamente à crítica, também é muito fraca e também porque aconteceu esta coisa das redes sociais que veio democratizar a critica literária. Houve uma mudança da critica das revistas e dos jornais para as redes sociais.».
Certamente que, ainda relacionada, com o livro e a leitura, a escassez de eventos nos nossos países -pelas mais diversas razões-, bem como a falta de outro tipo de incentivos institucionais ou advindos da parte de quem de direito são também motivos de reflexão para quem escreve e edita e Mbate Pedro ache mesmo que «…a Feira do Livro de Maputo assim como este FESTILAB em Luanda e o Festival da Morabeza em Cabo Verde vêm para incentivar mas, a Feira do Livro de Maputo tem um grande desafio…. É que tu tens uma classe social que nem sei se posso chamar de classe média , que constantemente vai a Africa do Sul, e que quando os filhos fazem dezoito anos mandam os filhos par irem estudar na Africa do Sul. Esta classe ou grupo social não vai comprar livros nem vai a esse tipo de feiras. Não está lá , não compram livros nem participa nos debates portanto, o grande desafio para as literaturas africanas é atrair os nossos novos ricos. Os emergentes burgueses e isto até agora tem sido um fracasso.»
Naturalmente isso cria distorções e incompreensíveis distanciamentos entre escritores e leitores cuja negatividade sobra sempre para as novas gerações de jovens ávidos de saber ler e escrever pois, «Se há uma grande franja dos jovens angolanos que desconhecem a literatura moçambicana o contrário acontece da mesma maneira. É igualzinho. Por exemplo, é um escândalo muito grande que em moçambique hoje não haja uma livraria onde podemos encontrar um livro de um Abreu Paxi que é um poeta angolano que eu gosto muito. É um escândalo muito grande que o Armênio Vieira, Prémio Camões cabo-verdiano, não esteja em nenhuma livraria em Moçambique. Já estive várias vezes no Brasil e mesmo o Eduardo White que é o nosso maior poeta lírico, é um ilustre desconhecido. Então esta coisa da circulação do livro está a falhar, a lusofonia tem sido um fracasso neste aspecto. Em termos de cultura … em termos de circulação da cultura é um fracasso. Estou em Luanda e não tive ainda a oportunidade de contactar os escritores da minha geração e tenho pedido aos meus confrades que me apresentem eles mais infelizmente ainda não aconteceu. Há alguma dificuldade em me apresentarem estes escritores. Eu acho que é urgente que se faça uma renovação das literaturas dos nossos países. Em São Tomé também o cenário é o mesmo. Na Guiné a mesma coisa e em Cabo Verde talvez haja uma maior renovação. Eu entendo porquê. É porque os países Africanos de língua portuguesa não têm instituições formadoras de leitores e escritores pois para se formar um escritor…. da mesma forma que um médico para ser médico tem que estagiar em hospitais, um carpinteiro tem que estagiar numa carpintaria, para se formar, um escritor tem que estagiar em livrarias e bibliotecas e quando tu tens menos livrarias e bibliotecas dificilmente formas um escritor e eu percebo esta dificuldade.
Eu acho que é urgente que Angola apresente em moçambique algumas das novas vozes. Da mesma forma que eu li em moçambique um Uanhenga Xitu, Arlindo Barbeitos, Luandino Vieira ou Rui Duarte de Carvalho…. Acho que é preciso uma renovação para a continuidade obviamente porque a nossa geração é muito devedora da geração de um José Luís Mendonça , Lopito Feijóo e outros.»
Em Luanda, os mais novos amantes da literatura e aspirantes a escritores, dizem não haver passagem de testemunho ou legado dos mais velhos para os mais novos mas, para o nosso amigo médico, escritor e editor, «…isso depende de cada escritor e depende da maneira como os escritores abordam esta questão. Por exemplo um Ungulani Ba Ka Kossa, tem sido de facto um patriarca para a nova geração. Ele como vai frequentemente a festivais fora de moçambique, tem levado sempre livros de escritores da minha geração e tem falado muito sobre a minha geração mas há outros escritores que têm tido um trajecto marcadamente individualista. O que , naturalmente, não é bom porque a história da literatura universal é feita disso e há sempre uma geração que antecede a geração que se segue e tem que falar sempre sobre esses novos autores. Tem que apadrinhá-los. É normal e faz parte da força de qualquer literatura. Tem que ser Assim.»
Vivemos e constatamos ainda uma lacuna em razão da exiguidade de vozes femininas no âmbito das literaturas africanas de língua portuguesa e segundo o pensamento do poeta, «…a literatura não tem sexo mas as literaturas africanas sofrem muito para crescerem ou emergirem numa sociedade machista. Tu olhas por exemplo para a Paulina Chiziane em Moçambique e verás que a história de afirmação da Paulina é uma história de superação numa sociedade em que há muito machismo. É a mesma coisa em Angola ou noutro lado de África e até fiquei muito surpreso ao saber que é assim mesmo também em Portugal ou no Brasil. É muito o reflexo das sociedades em que agente vive mas eu acho que tem que se ultrapassar isso. Há muito boas escritoras entre nós.»
Em África, mesmo entre escritores e demais artistas, não raras vezes, vimo-nos ainda distanciados, também em função dos blocos linguísticos conformados em razão do passado colonial. Agora o escritor, também nas vestes de editor tem um distinto e seguro olhar com uma outra e nova perspectiva de acção e pensamento. Diz-nos que, «…dado o fraco contacto com os outros escritores africanos, a editora Cavalo do Mar , que eu coordeno, vai começar a editar, no próximo ano, escritores africanos anglófonos e francófonos porque sente-se esta falta de livros que por exemplo nos anos oitenta circularam entre nós. Livros de Chinua Achebe, Wole Soynca e outros que hoje já não existem. Portanto, eu acho que é importante fazer este movimento para que tenhamos um contacto maior com as outras literaturas africanas.»
Nas vestes de um atento editor, acha mesmo escandaloso que bons escritores africanos como a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie sejam primeiro conhecidos na Inglaterra ou na América –através das traduções- para depois virem a ser conhecidos em África.
Mbate Acrescenta e sublinha dizendo que, por isso, «…acho que temos de levar a cabo este movimento de abrirmo-nos para os escritores africanos doutros blocos linguísticos. Por isso a literatura lusófona tem um grande desafio de ser traduzida para o francês e para inglês pois até mesmo grandes autores da América Latina só ficaram conhecidos depois de serem traduzidos para inglês.»
E como não podia deixar de ser, há sempre numa esquina ou numa simples curva alguém com quem cruzámos em razão da própria identidade. «Há um grande debate agora em Moçambique para saber se de facto esta geração a que pertenço tem levado ao colo esta questão da identidade. Eu Acho que não é do mesmo modo que levou um Craveirinha, por exemplo, mesmo um Rui Nogar com aquela poesia muito panfletária em relação a nação. Eu acho que houve uma transição e hoje a poesia é mais lírica ou da condição humana. Como dizia o Lucilio Manjate aquando do recente lançamento do seu mais recente título, não é mais moçambicano quem come uma pizza em relação a que come uma tchima manhangana. Não! Cada um tem a sua maneira de manifestar a sua identidade mas, eu acho que a nação moçambicana não precisa deste tipo de coisas. Quem de facto tem uma necessidade de afirmar muito a identidade é quem de facto não tem uma identidade. Não precisa forçar isso. São tempos modernos. Eu fico muito escandalizado quando até hoje no seculo XXI, em pleno 2018, tens poucos livros na literatura moçambicana em que na narração dos textos não haja a descrição de um telefone celular, de um telefone, de um computador. É inaceitável. As pessoas escrevem de acordo com o seu contexto portanto tem que ter lá um celular. Tem que ter lá um computador….»
Finalmente, num embasbacado fim de tarde –como diria o Mestre Tamoda-, antes mesmo de partimos para umas “Cucas” loirinhas e apetitosas, lá para as bandas das populares barracas na praia da Xicala, um olhar para a inevitável influência das línguas locais e da oralidade na escrita moderna…
«Eu acho que Angola tem maior influência da oralidade na poesia, do que moçambique. Além disso, a minha geração tem menos contacto com as línguas locais do que a geração do Ungulani. Eu não domino as línguas nacionais como o Ungulani, ou como o Armando Artur domina e como o Eduardo White dominava. Há um distanciamento agora e, eu acho que também acontece com a geração dos novos escritores angolanos. Aceitamos que há essa nova realidade mas não somos menos moçambicanos por causa disso.»
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