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Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Junho, o mês que abalou o Brasil: O filme

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

Assisti o filme Junho, o mês que abalou o Brasil, produzido pela Folha de São Paulo, quando foi lançado, em junho de 2014.

Naquela data as manifestações de junho de 2013 ainda ressoavam na sociedade, não sabíamos ainda quais seriam os resultados das eleições até porque as campanhas de Dilma Rousseff e Aécio Neves nem tinham começado oficialmente, e, no futebol, o Brasil comemorava o título de campeão da Copa das Confederações.

Passado um ano dava para ter alguma ideia sobre junho de 2013. Mas a reflexão ainda era muito confusa e influenciada por desdobramentos do próprio evento. Ver um filme de uma história mais que recente, atual, foi instigante, mas pouco esclarecedor.

Passados cinco anos dos fatos narrados e quatro do lançamento do filme, assisti Junho, o mês que abalou o Brasil com outros olhos. De lá para cá o Brasil deu vexame na Copa, naquele jogo fatídico em que perdeu de 7 a 1 para a Alemanha. Dilma se elegeu por pouco, levando à tiracolo para o Planalto seu vice, Michel Temer. Tivemos Joaquim Levy, Eduardo Cunha, o processo de impeachment da presidente, a votação folclórica do impeachment na Câmara dos deputados, o impeachment, o governo Temer. A prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Ou seja: entramos em queda livre.

Saber o que aconteceu nos leva a pensar em junho de 2013, com muito mais clareza. E o filme é o melhor registro que conheço daquelas manifestações que varreram o Brasil. Desde a legítima luta contra o aumento das passagens de ônibus, organizada pelo Movimento Passe Livre, até a ascensão de um perfil alinhado politicamente à direita que, dentro de uma difusão de protestos, marcava posição contra o governo da então presidente Dilma.

Vivemos uma reversão radical de um projeto popular e progressista na política brasileira para uma política antissocial e impopular marcada sobretudo pela retirada de direitos dos trabalhadores e cidadãos. Vivemos uma corrosão do estado nacional.

Sobre essa reversão os eventos de junho de 2013 dizem muito. Por isso vale repensá-los. O próprio histórico dos protestos mostra que também dentro dele houve uma clara transformação de um movimento social legítimo e reivindicativo para um movimento elitista cooptado por empresários da Fiesp e por barões da mídia capitaneados pela Rede Globo.

Assisti ao filme agora, em junho de 2018, tentando identificar o ponto de virada. A história começa quando a prefeitura e o governo do estado de São Paulo reajustaram os preços das passagens dos ônibus municipais, do metrô e dos trens urbanos de R$ 3,00 para R$ 3,20. Nos dias 6, 7 e 11 de junho de 2013 manifestações contra o reajuste foram reprimidas com violência pela polícia militar. Aliás, foi muita violência. Com fotos e vídeos que caiam diretamente nas timelines dos cidadãos brasileiros. A polícia, nesta etapa do processo, mostrou toda sua truculência e todo seu despreparo ao lidar com manifestações sociais. O governador, Geraldo Alckmin, tampouco soube lidar. O filme mostra isso bem.

A forma de lidar era reprimir. E, ao tentar reprimir, o governo, com sua polícia truculenta, fez com que milhares pessoas indignadas com a violência que viram em suas redes sociais fossem para a rua protestar. E o que era uma manifestação pontual de um grupo pelo passe livre, virou um movimento fora do controle  de pessoas que resolveram sair de casa pelo direito de se manifestar sem tomar pancada da polícia. No dia 17 de junho de 2013, uma segunda feira, cerca de 300 mil brasileiros encheram manifestações em 12 cidades espalhadas pelo Brasil. Não era brincadeira.

O povo foi para a rua, gostou e voltou. Entre 17 e 21 de junho o país assistiu pela TV as massas tomarem as ruas, dia após dia. A polícia, acuada, deixou rolar. E gritos das mais diversas ordens começaram a ecoar. Grupos adeptos da tática black bloc sobressaiam-se com sua agressividade performática e canais de TV abriram mão de suas programações para exibir aqueles jovens mascarados quebrando à pauladas bancos, ônibus, lojas. A mídia era deles. A rua era deles. A violência policial virou violência black bloc e adjacências. Qualquer organização política passou a ser hostilizada.

Em 20 de junho de 2013 mais de 1,4 milhões de pessoas em mais de 120 cidades pelo Brasil, mesmo depois das reduções dos valores das passagens anunciadas em várias cidades, protestavam nas ruas em um espetáculo sempre transmitido ao vivo pela TV.

Mas o desfecho dos épicos protestos de 2013 foi triste. Aquele movimento sofreu a metamorfose de um protesto legítimo, popular e espontâneo, para uma massa de manobra inflada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com um perfil elitizado, um altamente duvidoso nacionalismo expresso em uniformes da CBF e nenhuma identidade com movimentos sociais históricos e autênticos, como o movimento sindical e o movimento estudantil.

Temas como PECs 37 e 33, “cura” gay, gastos com a Copa das Confederações de 2013 e com a Copa do Mundo de 2014 e o fim da corrupção passaram a dar o tom dos protestos. Foi o embrião da Lava Jato e da ditadura do judiciário que passou a perseguir arbitrariamente toda organização política progressista com peso e importância na sociedade. O resultado é essa situação que vivemos. Precisa explicar?

Brasil

 

Texto em português do Brasil

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