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Terça-feira, Julho 16, 2024

Agostinho da Silva

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1906 – 1994)

Cidadão da Resistência antifascista, é um dos mais destacados pensadores portugueses do século XX, um universalista que se apresentou como «um cavaleiro do Quinto Império, um reinado do Espírito Santo»[1]. Aluno excepcional e intelectual brilhante, concluiu o ensino secundário com 20 valores e a licenciatura com 20 valores; obteve 20 valores na dissertação de doutoramento e 20 valores no estágio profissional para a docência. Homem de carácter exemplar, recusou assinar a declaração de anti-comunismo (exigida pelo regime a todos os funcionários públicos) e foi, por isso mesmo, afastado do ensino. Foi preso em 1943 pela PIDE, que a seguir lhe fixou residência. Abandonou o país, com a família, no ano seguinte (1944) em direcção à América do Sul. No seu exílio passou pelo Brasil, Uruguai e Argentina. Só regressou a Portugal 25 anos depois.

Biografia

George Agostinho Baptista da Silva nasceu no Porto, a 13 de Fevereiro de 1906, no seio de uma família da pequena burguesia. Foi o primeiro filho do casal Francisco José Agostinho da Silva (3.º Aspirante da Alfândega do Porto), e de Georgina do Carmo Baptista da Silva, doméstica, ambos naturais de Lisboa. Quando ainda não tinha completado um ano de idade, a família mudou-se para Barca d’Alva, em Figueira de Castelo Rodrigo, devido à transferência do pai para este posto fronteiriço. Foi aqui que Agostinho da Silva passou a infância e recebeu os primeiros ensinamentos; e, também, onde nasceram as irmãs, Estefânia, falecida com apenas 18 meses, e Mara Cecília.

Liceu, licenciatura, doutoramento – um percurso académico notável

Aos seis anos regressou ao Porto, na sequência de promoção profissional do pai. Fez a Escola Primária e em 1914 ingressou na Escola Industrial Mouzinho da Silveira. Entre 1916 e 1924 frequentou o curso liceal no Liceu Rodrigues de Freitas, concluindo-o com a classificação de 20 valores[2]. A partir daí teve um percurso académico notável. De 1924 a 1928, frequentou a Faculdade de Letras da Universidade do Porto[3]. Entrou para o curso de Filologia Românica, mas no mesmo ano transfere-se para o Curso de Filologia Clássica, terminando a licenciatura com 20 valores (apresentando como tese de licenciatura uma edição comentada das poesias de Catulo).

Durante os anos passados na Faculdade de Letras, participou e dirigiu a “A Acção Académica”, uma publicação monárquica da Associação de Estudantes (1925), colaborou na Revista Águia (1926-1929) com artigos sobre Filosofia e Literatura, escreveu na revista Seara Nova (1928-1939), publicou no Porto Académico (1925-1926), em Ideia Nacional e Comércio, proferiu conferências e foi líder estudantil.

Em 1929 doutorou-se em Filologia Clássica, também com a classificação de 20 valores, defendendo a tese Sentido Histórico das Civilizações Clássicas, e foi o primeiro doutorado na Faculdade de Letras que havia sido criada em 1919. Nesse ano de 1929, publicou a tese de doutoramento e a obra Breve Ensaio sobre Pérsio; e leccionou no Liceu Alexandre Herculano, como “professor provisório”.

O percurso profissional – os êxitos e entraves do regime autoritário e repressivo

Por impossibilidade de prosseguir uma carreira universitária na Faculdade de Letras (entretanto extinta), partiu para Lisboa onde fez o estágio para “professor efectivo” na Escola Normal Superior (1930-1931), que concluiu com a classificação de 20 valores.

Entretanto, obteve uma bolsa da Junta de Educação Nacional para Paris. Estudou História e Literatura, na Sorbonne e no Collège de France (1931-1933). .

Após o regresso ao país foi colocado como “professor efectivo” no Liceu José Estêvão, em Aveiro. Porém, em 1935, foi demitido da Função Pública por ter recusado assinar a Declaração imposta pelo Decreto 27. 003, que obrigava os funcionários do Estado a afirmarem-se integrados no Estado Novo e com repúdio pelo comunismo e outras ideias subversivas[4]. Nesse ano, obteve

uma bolsa de estudo do Ministério das Relações Exteriores de Espanha, e partiu para Madrid, onde trabalhou no Centro de Estudos Históricos de Madrid sobre A Mística Espanhola. Em 1936 foi forçado a deixar o país vizinho devido à aproximação da Guerra Civil.

De regresso a Lisboa voltou a ensinar, desta vez no sector privado, nomeadamente no Colégio Infante Sagres. Por esta altura, participou no movimento da Seara Nova (1935-1938), , e também na tertúlia de António Sérgio. Em 1939 abandonou a Seara Nova.

No âmbito das preocupações de renovação da Escola (“Educação Nova”), fundou o Núcleo Pedagógico de Antero de Quental (1939) com os tertulianos dos “Sábados de António Sérgio” e Vitorino Magalhães Godinho; introduziu o sistema cooperativo no Colégio Infante Sagres; e criou a Escola Nova de S. Domingos de Benfica.

Entre 1937 e 1943 desencadeou um ambicioso programa de irradiação educativa e cultural, a nível nacional . Para este projecto – que afrontou o programa educativo do regime – escreveu, editou e distribuiu cerca de 130 Cadernos de Informação Cultural (1943).

A sua prisão e as restrições às deslocações, impostas pelo regime. O exílio

Em 24 de Julho de 1943 foi preso pela PIDE e ficou na cadeia do Aljube, permanecendo incomunicável durante 18 dias. Depois de libertado foi-lhe imposta a pena de residência fixa que cumpriu em Portimão.

No Algarve publicou ensaios filosóficos (Conversação com Diotima e Considerações), mas a situação era insustentável e, em 1944, partiu com a mulher, Berta David, e os filhos Pedro Manuel e Maria Gabriela para o exílio, na América latina. No Brasil encontrou um mundo novo. Ali adaptou o seu modelo educativo que, depois de implementado, permitiu a criação de um espaço cultural lusófono (luso-afro-brasileiro). Porém, não lhe agradou o primeiro contacto com a realidade política no Rio de Janeiro e em S. Paulo, e dirigiu-se para o Uruguai, em 1945, onde leccionou História e Filosofia em escolas livres de Montevideu. Em 1946, já na Argentina, organizou cursos de Pedagogia Moderna para a Escola de Estudos Superiores de Buenos Aires.

Em 1947 fixa-se definitivamente no Brasil, onde vive até 1969 e deixa uma interminável e valiosa obra

Em 1947 voltou ao Brasil, fixando-se em S. Paulo e, posteriormente, na Serra de Itatiaia, onde viveu com a segunda mulher, Judith Cortesão, da qual teve sFeis filhos. Aí conviveu de perto com Dora e Vicente Ferreira da Silva e os modernistas brasileiros.

Entre 1948 e 1952 fixou-se no Rio de Janeiro, onde trabalhou no Instituto de Biologia Oswaldo Cruz, dedicando-se à investigação nas áreas da Zoologia, da Entomologia e da Parasitologia; leccionou Filosofia da Educação na Faculdade Fluminense de Filosofia do Rio de Janeiro; e associou-se a outros exilados portugueses, entre os quais se destacava Jaime Cortesão, com quem colaborou na Biblioteca Nacional sobre o estudo da obra de Alexandre Gusmão.

Em 1952 viajou para o Estado de Paraíba para ajudar a fundar a Universidade Federal de Paraíba (João Pessoa), na qual deu aulas de História Antiga e Geografia Física (1952-1955).

Em 1954 colaborou com Jaime Cortesão na organização da Exposição do 4 º Centenário da Cidade de S. Paulo. De Paraíba seguiu para Santa Catarina (Florianópolis), por recomendação de Hernâni Cidade, a fim de fundar a Universidade Federal de Santa Catarina. Aqui, para além de leccionar Literatura Portuguesa e Filologia Românica, desempenhou as funções de Director de Cultura do Estado e trabalhou na Direcção-geral do Ensino Superior do Ministério da Educação. Publicou Um Fernando Pessoa (1955), Ensaio para uma Teoria do Brasil (1956) e Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa (1957).

Em 1959 juntou-se a Eduardo Lourenço na Universidade da Baía, onde ensinou Filosofia do Teatro e pôs em marcha o projecto de conhecimento da África Negra pelo Brasil, tendo fundado o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) da Universidade Federal da Baía.

Em 1961 esteve (fugazmente) no Rio de Janeiro e em Santa Catarina e, depois, deslocou-se para Brasília. Foi nomeado assessor para a política externa do Presidente Jânio Quadros.

Em 1962 dedicou-se ao projecto da fundação da Universidade de Brasília e criou o Centro de Estudos Portugueses nessa instituição.

Em 1963, equiparado a bolseiro da UNESCO, viajou até ao Japão. Leccionou aulas de Português em Tóquio, conheceu Macau e Timor e visitou os Estados Unidos e o Senegal.

No ano seguinte, viveu entre a Cachoeira e Salvador da Baía. No primeiro deste locais, fundou a Casa Paulo Dias Adorno que, para além de ser um Centro de Estudos (extensão do Centro de Brasileiro de Estudos Portugueses da Universidade de Brasília), era também uma escola.

Regresso a Portugal, em 1969

Em 1969 deixa o Brasil e regressa a Portugal. Após a doença e morte de Salazar e sua substituição por Marcello Caetano, pôde voltar finalmente à Pátria, beneficiando de alguma abertura política no regime. Desde então continuou sempre a escrever e, depois do 25 de Abril, leccionou em diversas universidades portuguesas, dirigiu o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Técnica de Lisboa e desempenhou funções de consultor do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (actual Instituto Camões).

Depois do 25 de Abril de 1974, o Governo Brasileiro considerou-o reformado do ensino. Mais tarde, dirigiu o Centro de Estudos Latino-americanos. Uns tempos depois, o Governo de Portugal restitui-lhe os retroactivos respeitantes aos anos da Ditadura. Despreocupado com a questão financeira, viaja, escreve, recebe medalhas e títulos, participa em programas de televisão, é reconhecido como filósofo popular [ mas, na sua perspectiva, é o tempo em que se ocupa da “sedimentação da futuridade da Era do Espírito Santo”].

Em 1990, a RTP1 emitiu uma série de treze entrevistas com Agostinho da Silva, denominadas Conversas Vadias[5].

Faleceu aos 88 anos, no Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, no ano de 1994.

Em 1995 foi constituída, em Lisboa, a Associação Agostinho da Silva, por Maria Violante Vieira, Maria Natália Duarte Pires Dias Lima de Faria e José Avelino Pais Lima de Faria[6].

Esta Associação reuniu obra de Agostinho da Silva em volumes:

  • Volume I: PRIMEIROS TEXTOS E OBRAS (1917-1930);
  • Volume II: TEXTOS DA SEARA NOVA E OUTROS ESCRITOS (1928-1938);
  • Volume III: VIDAS DE HOMENS CÉLEBRES;
  • Volume IV – Tomo 1: CADERNOS DE INFORMAÇÃO CULTURAL – À VOLTA DO MUNDO E INICIAÇÃO (1938-1947); Tomo 2: CADERNOS DE INFORMAÇÃO CULTURAL – ANTOLOGIA; INTRODUÇÃO AOS GRANDES AUTORES (1941-1947);
  • Volume XIII: TRADUÇÕES

Outras obras:

  • Sentido histórico das civilizações clássicas, 1929;
  • A religião grega, 1930;
  • Glosas, 1934;
  • Sete cartas a um jovem filósofo, 1945;
  • Diário de Alcestes, 1945;
  • Moisés e outras páginas bíblicas, 1945;
  • Reflexão, 1957;
  • Um Fernando Pessoa, 1959;
  • As aproximações, 1960;
  • Educação de Portugal, 1989;
  • Do Agostinho em torno do Pessoa;
  • Dispersos, 1988.

[Agostinho da Silva (1906-1996)]

[1] O tema mais candente da sua obra foi a cultura de língua portuguesa, num fraternal abraço ao Brasil e aos países lusófonos. Todavia, a questão das filosofias nacionais não é para si decisiva, parecendo-lhe antes uma questão académica: “Não sei se há filosofias nacionais, e não sei se os filósofos, exactamente porque reflectem sobre o geral, se não internacionalizam desde logo”. O problema de que parte é a procura de uma razão de ser para Portugal: o que eu quero é que a filosofia que haja por estes lados arranque do povo português, faça que o povo português tenha confiança em si mesmo», entendendo por povo português não apenas os portugueses de Portugal, mas também os do Brasil, laçados de índios e negros, os portugueses de África, tribais e pretos, como também os da Índia, de Macau e de Timor. (…) os portugueses que vivem apenas para Portugal não têm razão de ser,(…) apresentou-se aos olhos tantas vezes desconcertados dos seus leitores como um cavaleiro do Quinto Império, um reinado do Espírito Santo, respirando um misto de franciscanismo e de joaquimismo e, em todo o caso, obra mais de cigarras que de formigas como era próprio das crianças: «Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império», o que é dizer que o primeiro passo dos impérios está sempre no espírito dos homens, aptos para servir, como os antigos templários ou os cavaleiros da Ordem de Cristo».  in Agostinho da Silva (1906-1996)

[2] Nos tempos liceais, de que guardou boas memórias, recebeu uma excelente formação nas áreas da Literatura, da Cultura Portuguesa e Francesa, da História, da Geografia e das Línguas, tendo tido professores como Carlos Santos, Augusto César Pires de Lima, Francisco Torrinha, o Padre Júlio Ferreira, Luís Carlos e o Reitor Simões Pina. Esta formação permitiu-lhe ensinar Português, entre os seus 16 e 17, aos ingleses fixados no Porto e envolvidos no comércio de vinho do Porto.

[3] Na Faculdade foi aluno de grandes mestres como Teixeira Rego, Hernâni Cidade, Urbano Canuto Soares, Francisco Torrinha, Damião Peres, Aarão de Lacerda, Mendes Correia, Artur de Magalhães Basto, Newton de Macedo e Leonardo Coimbra e condiscípulo de António Salgado Júnior, José Marinho, Eugénio Aresta, Álvaro Ribeiro, Sant’Anna Dionísio, Delfim dos Santos, Adolfo Casais Monteiro, Joaquim Magalhães, Guedes de Oliveira, Fernanda Cunha e Judite Natália.

[4] Decreto-Lei n.° 27003, de 14 de Setembro de 1936
Artigo 1.º – Para a admissão a concurso, nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do Estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento, com assinatura reconhecida:
«Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933 com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas».

[5] É memorável a Conversa com Adelino Gomes, emitida em 1990. Conduzida por António Escudeiro, há uma entrevista chamada “Agostinho por si próprio”, relativa ao estudo histórico sobre o culto do Espírito Santo, foi publicada pela editora Zéfiro em 2006.

[6] Os seus sócios fundadores são: Almir Brunetti, Amarilis Rodrigues, Ângela Nunes, António Jorge Pinto da Costa Barros, Carlos Alberto Fernandes, George Olavo Matos Silva, Henryk Siewierski, José Avelino Lima de Faria, José Branco Rodrigues, Júlio Gomes, Lucinda Atalaia, Luís Alonso Limpo, Luís Teixeira, Manuel Giraldes, Manuel Pina, Marcelo Carvalho Ferraz, Maria Cecília Sousa, Maria da Purificação Araújo, Maria Natália Lima de Faria, Maria Rosa Moreira, Maria Teresa Amado, Maria Violante Vieira, Paulo Trigo Pereira, Pedro Agostinho da Silva, Roberto Pinho, Rui Pedro Matos e Teresa Duarte.

Dados biográficos:

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