Enquanto tento encontrar aplicação das aulas de química, física e matemática ao meu quotidiano, avaliando os anos de escolaridade, despertares bruscos, pressões nos exames e uma vida de ida e volta resumidas em um papel carimbado.
– Se não estudares nunca serás alguém…!
Afirmava com toda convicção a minha avó Filipa, uma mulher autodidacta. Formada nas dificuldades da vida, formou-se em medicina tradicional, curava instantaneamente dores de barriga, dentes, cabeça, entorses, depressões, e até quem mijasse na cama era curado por ela.
Era também uma grande psicóloga, lia nos nossos olhos tristezas, alegrias, ansiedades, verdades e mentiras. Sabia sempre de quem era a culpa.
Agrónoma, plantava de tudo e sabia as estações certas, falava com as estrela, cochichando com o vento, rumores sobre a chuva, também tinha intimidade com a lua.
E quando as galinhas e os porcos ficassem doentes, ela sabia exactamente o que dar e fazer… Ela também era negociante, vendia de tudo um pouco amealhando cada tostão para que os seus filhos e netos fossem “alguém”. A avó detestava quem faltasse a escola.
Como arquitecta a avó Filipa dava como ninguém orientações sobre como alinharem os blocos.
Nas construções das suas casas, ela sabia exactamente do que um ser precisava para a vida…mas formação era a palavra de ordem.
Sentia-se incompleta por ser analfabeta… Como ser analfabeta com tanto conhecimento? Seus olhos brilhavam num misto de emoção e sensação de dever cumprido quando nos vias de cadernos nas mãos soletrando o bê-a-ba…
Era também bailarina, às vezes do nada saltava da esteira e mandava para o alto uns rítmicos assobios, e nós acompanhávamos alegremente os seus passos exagerados.
Sabia cozer, orar, sabia aconselhar e era uma mulher tão modesta e vaidosa ao mesmo tempo… Que nós só a conseguíamos ver eterna, a nossa negra de cor amarela.
Desculpem-me todo este nostálgico desabafo por causa dos exercícios de física.
A autora escreve em PT Angola
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