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João de Sousa

Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Também Matisse e Kandinsky

Pintura de António Sobral

Também Matisse e Kandinsky

Quero, antes de mais, felicitar o Doutor Eduardo Vera-Cruz Pinto pela clara manifestação de boa vontade, ao abrir as portas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, permitindo o contacto com a obra de António Sobral, através do desenho, da pintura e dos “livros”. É, também, com muito agrado que escrevo estas breves linhas sobre o autor e sobre o que expõe. António Sobral é um artista que exprime com autenticidade o que sente e não é difícil reconhecermos na sua obra o que todos nós sentimos.

Apesar de não ser muito evidente, o título da exposição, “Também Matisse e Kandisky”, vem ao encontro de uma realidade comum, tendo em conta a ligação dos dois artistas com o mundo do Direito, que ambos cursaram, e com o mundo das artes, em que se tornaram célebres. Através da obra de António Sobral, o título faz-nos reflectir sobre a cumplicidade poética, aparentemente difícil de reconhecer, entre a Arte e o Direito.

António Sobral nasceu em 1963, em Freixo de Numão, no Alto Douro. Fez os primeiros estudos em Lamego, concluiu o 12º ano, no Porto, e completou a licenciatura em Relações Internacionais, em Lisboa, nos anos 80. Leccionou “A Nova Ordem Mundial da Informação Internacional” na Escola Superior de Jornalismo do Porto e “Introdução ao Pensamento Contemporâneo”, na Universidade Lusófona. Actualmente, encontra-se em exercício de funções na Reitoria da Universidade de Lisboa.

Cedo, destacou-se na prática do desenho e os colegas e amigos sempre o motivaram para desenhar. Aos quinze anos conheceu, na Suíça, uma jovem pianista, que lhe proporcionou um vasto contacto com as artes, sobretudo, em Paris, onde ficou preso às “emoções que só a Arte pode proporcionar”. Ainda na Suíça, adquiriu uma máquina fotográfica “Canon”, que lhe permitiu começar a “ver a realidade de sítios diferentes”. Mais tarde, viria a relacionar o “panoptismo” da obra gráfica, com a experiência no domínio da fotografia.

Em 1998, António Sobral começou a escrever e a desenhar regularmente, motivado pela Expo, como “ponto de encontro do mundo inteiro, em Lisboa”. Por essa altura, um amigo ofereceu-lhe uma agenda de grande formato e, desde aí, adoptou um novo suporte para a escrita e para o desenho. Porém, as linhas e as palavras sobrepostas, nas páginas delineadas das agendas, levaram-no a optar pelos “livros” da Windsor. A partir de 2000, sentiu necessidade de pintar “coisas mais soltas”, a par da conta-corrente dos “livros”, que se transformou num hábito diário, até hoje.

Para António Sobral, a arte abre à cultura novos territórios. Acredita que a arte é “o único lugar para o homem livre”. De facto, em cerca de setenta livros, agendas e cadernos, tem sido protagonista de uma notável manifestação de liberdade criativa. Dotado para a representação, conseguiu superar a habilidade para o desenho impressivo, que, em muitos casos, constitui uma espécie de “canto da sereia” que dificulta o desenvolvimento da criatividade inventiva. Sendo um “caçador de imagens”, por instinto, manifesta excepcionais qualidades de originalidade, no plano da expressão gráfica, muito diversificada, em que a cor tanto pode assumir um papel subsidiário, como transformar-se num factor preponderante.

Viajante de longa data, tem encontrado, no desenho, um meio de “entendimento do instante”, como Almada disse, numa alusão ao tempo que o olhar fixa e traduz na dimensão interior de cada lugar. Se António Sobral é “urban sketcher”, se está enfileirado num “ismo” ou em vários “ismos”, não é aí que recai a identidade artística que o define. Podemos dizer que a obra que tem vindo a realizar reflecte várias influências e tendências, com tónica num sentido mais figurativo do que na abstracção pura.

“Também Matisse e Kandinsky” estão presentes num “horizonte de verdade”, em que se inclui o nome de Bernardo Marques e de José Escada, e que António Sobral soube transformar num “imediatismo de síntese”, presente no ritmo das linhas, na harmonia e na desarmonia das formas, na intencionalidade da luz e da cor. Se o desenho espontâneo recai nas contingências da paisagem urbana, “sem um fim, ou um objectivo”, reconhecemos, na irreverência de alguma pintura, o peso da cultura e da experiência artística, que resulta num acto de afirmação e de identidade.

A dimensão projectiva de António Sobral tem continuidade no desenho das palavras e na ironia dos “princípios que nos apontam caminhos”, como no Diário da “Viagem dos Sabores”, em que cruza a leitura exaustiva da Expo, com a leitura sincopada do Clarimundo, de João de Barros. Um documento inédito, testemunho do notável talento literário que percorre os “livros”, à espera de vir a público.

Em arte, tal como na ciência, o erro constitui um meio para atingir a verdade. Porém, a racionalidade científica procura a verdade, sem erro. No acto artístico verifica-se o contrário. Para dizer a verdade, é, por vezes, necessário provocar o erro. “Aquela rapaz”, dizia Pessoa, “violando a mais elementar das regras gramaticais”. O erro por necessidade de expressão é diferente do erro por ignorância. O primeiro é criativo, o segundo traduz falta de conhecimento. António Sobral dá muitos erros, para não errar.

Work in progress é a expressão que melhor traduz o percurso artístico de António Sobral. Ao longo dos últimos catorze anos, mais do que a obra realizada, destaca-se a atitude e o processo, na confluência da arte com a expressão e, “também”, com a autenticidade, a perseverança e o inconformismo.

1986

  • Fotografia “Bienal de Belmonte” (Câmara Municipal)

2007

  • Pintura “Portas Abertas”, Centro Cultural de Vila Nova de Foz Côa (Câmara Municipal)

2008

  • Fotografia “Mundos Mudos”, Alcaidaria do Castelo de Loulé (Câmara Municipal)
  • Pintura “Portas Abertas na Reitoria da Universidade de Lisboa” (Universidade de Lisboa)
  • Pintura “Portas Abertas em Torre de Moncorvo” (Câmara Municipal)
  • Pintura “Portas Abertas em Freixo de Espada à Cinta” (Câmara Municipal)

2009

  • Fotografia “Mundos Mudos”, Centro Cultural de Vila Nova de Foz Côa (Câmara Municipal)

2010

  • Pintura “Portas Abertas em Lisboa” (Câmara Municipal)

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