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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Que futuro para a Zona Euro?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Observando com atenção, a Zona Euro parece representar cada vez mais o núcleo duro que resistiu melhor do que o resto da UE aos choques acumulados durante dez anos…… algo que não se deve estranhar pois este grupo de países representa os que escolheram um nível mais elevado de integração, partilham a mesma moeda (adoptada em Janeiro de 1999 por onze países europeus: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal, seria mais tarde adoptada por mais oito), e… pouco lhes resta salvo encontrar a melhor via para viverem em conjunto.

Mas se a Zona Euro não é a UE e as instituições europeias (Parlamento Europeu e Comissão Europeia) foram criadas para esta, é preciso construir uma Zona Euro democrática, pois o seu único organismo político específico é o Eurogrupo (grupo informal que reúne os ministros das Finanças dos Estados-Membros da UE que têm no euro a sua moeda) que não tem existência oficial. Esta construção pode ser alcançada de duas formas possíveis: reformando o processo político na UE, através de verdadeiros movimentos políticos transeuropeus, geradores de um amplo debate público sobre o futuro da Europa e procurando a eleição de representantes europeus, ou então, apostando numa mobilização criadora, pelos cidadãos e para os cidadãos, de mecanismos democráticos que nos liguem ao sistema de tomada de decisão da Zona Euro.

Na primeira das opções podemos incluir movimentos de cidadãos como o Stand up for Europe e o Pulse of Europe (nascidos no rescaldo do Brexit) ou até movimentos verdadeiramente políticos como o DiEM25 (para não falar na notícia de que «Matteo Salvini quer criar uma Liga europeia depois de triunfar em Itália»), que representam já uma voz crítica e um conjunto de propostas e vias de transformação orientadas para a criação dum sentimento transeuropeu que influencie as orientações políticas a serem transmitidas à burocracia europeia. O debate já iniciado, que produzirá (ou não…) efeito nas eleições europeias de 2019, precisa centrar-se em questões como o ambiente, a redistribuição da riqueza, a recuperação económica, o financiamento de infra-estruturas, o emprego, a defesa comum, as relações externas, a gestão do fluxo migratório, a educação… em resumo, num verdadeiro projecto comum de sociedade.

Outra corrente, ciente das contradições que grassam entre a Europa a 27 (as eleições de 2019 já não irão contar com o Reino Unido) e Europa da moeda comum (os 19 países da Zona Euro), defende as vantagens duma via que vá além do tradicional processo eleitoral: a implementação do voto electrónico. Com esta ideia pretendem chamar à participação 30 milhões de cidadãos (um décimo da população da Zona Euro) que desencadearia uma dinâmica que talvez fosse capaz de resolver a questão da ligação democrática da UE à Zona Euro e de contribuir positivamente para a renovação da desgastada classe política europeia que revelou bem as suas limitações na forma como tem gerido a crise que se instalou após 2008.

A crise das dívidas denominadas em euros mostrou a futilidade (e o perigo) das hesitações e do retrocesso como via para resolver os problemas criados por erros do passado, como sejam a defeituosa concepção do euro – que colocou os estados na estrita dependência do sistema financeiro mundial –, a inexistência de um orçamento comunitário capaz de corrigir as assimetrias resultantes do fim das políticas cambiais e a ausência de uniformização nas políticas monetárias e fiscais; mas se houve coisa que a crise financeira dos últimos 10 anos revelou é que o projecto não foi concluído e que não parece solução deter-se perante os obstáculos, em vez de procurar novas alternativas (redesenho correctivo da moeda única com a concentração do poder de criar moeda no BCE e a uniformização das políticas monetárias e fiscais no espaço da Zona Euro) e criar os recursos (orçamento comunitário da Zona Euro) para continuar o percurso.

Especialmente desde o despoletar da crise na Grécia que a UE não tem parado de se comportar como uma embarcação à deriva; ora esperando a calmaria da bonança ora desejando que a tempestade nunca tivesse ocorrido, os líderes da UE e a própria Comissão Europeia têm adiado sucessivamente qualquer tentativa de solução, abdicando da gestão política da União a ponto de quase já não se conseguir qualquer tipo de convergência e de se terem resumido à mera gestão do Brexit. Tudo isto e ainda as dificuldades internas que os diferentes governos nacionais têm encontrado para conter as crescentes tendências populistas que inundam os próprios meios de comunicação (inseridos num sistema mediático desadequado à dimensão europeia das questões e mais preocupados com as audiências que com o serviço informativo) estão a conduzir os cidadãos europeus a associar o termo “europeu” a tudo o que de negativo lhes tem acontecido – a crise do euro, a crise europeia de migração, o dumping social, a evasão fiscal na Europa, etc – e a criar a ilusão que a solução passa por sair da Europa.

Perante estas sombrias perspectivas talvez seja de esperar que o núcleo duro da Europa cerre fileiras em torno de um euro que julgam perfeito e nas mãos de uma nomenklatura que fala um economês inacessível ao comum dos cidadãos, protegida por um conjunto de instituições europeias criticadas por movimentos nacionais e populistas e pelos cidadãos cada vez mais críticos de um sistema que não entendem nem os consegue orientar, mas é agora, mais que nunca, importante encontrar uma solução para a crise de futuro que enfrentamos hoje e que terá que passar pela mobilização cidadã em prol duma UE transeuropeia, o já referido projecto comum de sociedade que aproveitando a questão da governança da Zona Euro, traga o cimento democrático que tanta falta lhe faz.

Compreendendo que a UE (que assinala este ano o 25.º aniversário da assinatura do Tratado de Maastricht e no próximo ano o 10.º aniversário do Tratado de Lisboa, que marcou a transformação da Comunidade Económica Europeia em União Europeia) está a atravessar uma grave crise existencial, da qual pode nunca recuperar, e que a Zona Euro é a parte mais resistente do edifício, mostra-se cada vez mais urgente dotá-la dos meios adequados sob pena de ver soçobrar aquele que podia ser o sistema político-económico mais capaz de garantir a paz e a estabilidade indispensáveis ao bem-estar das suas populações.

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