(1940 – 1964)
Uma cidadã da Resistência antifascista, vítima das terríveis condições de repressão em que a Oposição, por vezes, tinha de desenvolver a sua actividade. Jovem funcionária do Partido Comunista Português, Maria Sabino morreu na clandestinidade, devido a complicação pós parto, por lhe estar vedada assistência médica. Muito querida em Alpiarça, foi a enterrar acompanhada por milhares de pessoas impressionadas com a sua morte, numa enorme manifestação de pesar e de revolta contra o fascismo. Na sequência do funeral houve forte repressão nesta localidade, com inúmeras prisões.Maria Albertina Agostinho Sabino nasceu em Alpiarça a 12 de Junho de 1940. Militante do PCP desde os 22 anos, em 1963 decidiu juntar-se ao namorado, Manuel Mendes Colhe, que há 4 anos estava na clandestinidade. Pouco tempo depois, inesperadamente, Maria Sabino fica grávida[1] e o casal decide que o parto iria ocorrer no Cartaxo, em casa de uns amigos. Sem ter havido qualquer problema, no dia 27 de Março de 1964 nasceu um menino, que foi registado no Cartaxo com o nome Manuel Celestino Sabino Colhe. O casal regressou a Lisboa e à actividade política na clandestinidade, mas subitamente Maria cai à cama com grave infecção nos ovários, que não consegue ver debelada. Vai ao médico (apesar dos cuidados conspirativos que a situação lhe impunha), mas o estado agrava-se[2] e acaba por ser levada pelas vizinhas para o Hospital de Santa Maria, onde ficou internada com o nome falso de Maria Fernanda Pais Damião. No dia seguinte, quando o companheiro chegou a casa, rapidamente se apercebeu, pela presença das vizinhas, de que tinha havido problemas e do seu desfecho. De facto, Maria Albertina falecera. Era o dia 18 de Abril de 1964, e tinha apenas 23 anos de idade.
A notícia chega célere a Alpiarça. Forma-se, de imediato, uma comissão destinada a organizar e a custear o funeral[3] e é através dos esforços desta comissão que os amigos do casal obtiveram os fundos para a transladação do corpo, de Lisboa para Alpiarça. Foi organizado o funeral, uma grande manifestação popular, e todos os estabelecimentos comerciais fecharam nessa ocasião.
No dia 23 de Abril, Alpiarça encontrava-se num luto pesado, carregado de raiva popular pelo sucedido. Uma multidão encheu por completo a Rua do Casalinho até ao cemitério, e foi controlada de perto por um enorme contingente policial em que não faltavam os elementos da PIDE. A GNR entra no cemitério e espanca aqueles que ousavam lançar palavras de ordem contra o regime fascista[4]. A PIDE destacou para o local três conhecidos (sinistros) inspectores: Porto Duarte, José Gonçalves e Gouveia.
O Chefe de Brigada, que dirigia o posto da PIDE do Entroncamento e que estava presente, descreve no seu relatório o que então se passou.
O relatório da PIDE
O féretro, procedido por duas alas de mulheres, dirigidas pela comissão que lhes ia dando instruções, e que ao mesmo tempo regulava o trânsito, era acompanhado por mais de 2.000 pessoas, sem que muitas delas conhecessem a falecida ou os seus familiares. À porta do cemitério, o irmão da falecida, Fernando Agostinho Sabino, leu uma carta (e informa ter esta sido escrita por Manuel Mendes Colhe). Nela era referida a falta de assistência dispensada no Hospital, ao tomarem conhecimento de que a doente vivia na clandestinidade. Antes da leitura da carta, António da Conceição Jorge fez uma alocução acerca da falecida. Suspeita-se que a carta referida não seja do Colhe mas sim do António da Conceição Jorge, que enviou também a notícia do funeral para o jornal República. Embora todos os elementos da citada comissão sejam elementos suspeitos de pertencerem ao PCP e tivessem cadastro nesta Polícia por actividades contra a segurança do Estado, há que destacar o José Faustino Rodrigues Pinhão, que foi quem recebeu o telefonema a comunicar o falecimento da Maria Albertina e organizou a Comissão, revelando-se mais uma vez o mentor das actividades subversivas de Alpiarça e Olímpio Oliveira, elemento que, segundo consta, recebe os fundos para o partido e que é para o efeito procurado na sua oficina, aos Sábados, por muitas mulheres do campo, entre elas Adelina Arranzeiro Calarrão, casada com João Cravina Isidoro, motorista dos “Claras” e também já referenciado como suspeito de actividades subversivas. O Olímpio sai com frequência, ausentando-se por períodos de 3 e 4 dias, desconhecendo-se para onde se desloca».
António Conceição Jorge, um antifascista de Alpiarça, referido num artigo do Jornal Alpiarcense descreveu pormenorizadamente o enterro, que constituiu uma impressionante manifestação do povo das localidades mais próximas[5].
O funeral de Maria Albertina Sabino foi um dos momentos políticos que marcou o ano de 1964. No seguimento do enterro, houve inúmeras prisões em Alpiarça[6].
Em 24 de Abril de 2010, a Câmara Municipal de Alpiarça atribuiu a Maria Albertina Sabino a Medalha Municipal da Liberdade, a título póstumo.
[1] Estávamos a fazer a nossa vida com a normalidade possível, eu saía de manhã, como se fosse para o emprego e voltava à noite. A Maria Albertina fazia a lida da casa e parecíamos na realidade um casal a fazer uma vida pacata e perfeitamente normal. Como normal foi ela ter ficado grávida. Mas nós dois começámos a perceber a gravidade da situação, porque não nos podíamos esquecer que estávamos na clandestinidade, que tínhamos identidades falsas e que qualquer percalço, por mais pequeno que fosse, poderia transformar-se num grande problema. A gravidez dela era uma situação a requerer a nossa melhor atenção, atendendo ao modo em que vivíamos”.
[2] Entretanto a minha esposa começa a ter febres muito altas, tomou alguns medicamentos, mas nada fazia baixar a temperatura. Tratava-se de uma infecção muito forte nos ovários, motivada pelo parto e que não fora convenientemente tratada devido à nossa situação de clandestinidade, que não nos permitia grandes exposições públicas, o que evitávamos a todo o custo”.
[3] Comissão composta por: José Faustino Rodrigues Pinhão, Alcindio Pinhão, Olímpio Francisco Oliveira, Rui Batista Feliciano “o Rui Balsa”, Jerónimo Nazaré e António Conceição Jorge.
[4] Há fotografias do funeral tiradas por um fotógrafo presente. ( anexo).
[5] Eu ia a pé para os Patudos onde uma multidão esperava o funeral. De carro, em sentido contrário, encontrei o Dr. Hermínio, que vinha da Instituição José Relvas, onde era o Presidente. Quando me vê, pára o carro e diz-me: «Volta para trás António Jorge, tu és muito emocional e depois dizes coisas que te poderão trazer problemas”. Continuei o meu caminho e esperei, no meio daquela multidão, que chegasse o caixão. Depois viemos todos a pé até ao cemitério, lembro-me que vinha ladeado pelo Zé Pinhão e pelo Olímpio de Oliveira. Quando o funeral chegou ao cemitério vi alguns carros da PIDE, onde conheci o Capitão Inspector Porto Duarte, os chefes de brigada José Gonçalves e Gouveia, “tipos” que eu nem podia ver à minha frente, pois já me tinham feito a “vida negra” em interrogatórios. Dirigi-me ao Inspector: “Vocês não são os responsáveis directos, mas indirectamente o que aconteceu à Maria Albertina é da vossa responsabilidade. Enquanto a ditadura se mantiver, casos como este, continuarão”. Sentia-me muito emocionado e há coisas que não me faziam calar. Esta era uma delas. Então dirigi-me à multidão (…), empurrado por alguns acompanhantes e sentindo que ao menor atrito haveria problemas graves entre a PIDE, GNR e a população: “Amigos! Por favor curvemo-nos perante este caixão e esta desgraça. Peço-vos que vão para casa em sinal de respeito pela memória da falecida. O resto do funeral decorreu num silêncio impressionante. No fim, as pessoas dispersaram sem uma palavra, não dando motivos para qualquer prisão ou violência».
[6] Fernando Vieira Pires, “o Setenta”, foi detido no dia 29 de Maio, sendo libertado a 24 de Julho; Fernando Agostinho Sabino “o Carqueja”, irmão da falecida, foi detido no dia 6 de Junho, só sendo libertado a 28 de Setembro de 1964; Alcindio e José Pinhão, ambos pertencentes à comissão que organizou o cortejo fúnebre, o último detido a 29 de Maio e o irmão detido a 6 de Junho, tendo sido ambos libertados a 24 de Julho; Jerónimo Nazaré, que também fez parte da comissão, seria detido no dia 2 de Julho e libertado a 3 de Agosto. Escaparam, temporariamente, Olímpio Oliveira, Rui Balsa e António Jorge. Este último haveria de cair nas mãos da PIDE pouco tempo depois.
Dados biográficos:
- Texto publicado por José João Pais no Jornal Alpiarcense, em 16.12. 2012 – A morte de Maria Albertina Agostinho Sabino
Biografia da autoria de Helena Pato, com colaboração de Maria João Dias e Milena Pereira
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