Acaba hoje, dia 31 de Julho, o prazo para os portugueses se pronunciarem sobre o “Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional” mais conhecido pelo seu pouco pronunciável acrónimo (PSOEM).Se por acaso o leitor não deu ainda a sua opinião, creio que não terá razões para angústias, porque a generalidade das questões que conviria equacionar nesta matéria se encontram ao lado de mais este prolixo contributo marinho produzido pelas nossas elites, que faz uma recensão de parte do quadro legislativo internacional e europeu, mas sem valor acrescentado.
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O Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional (PSOEM)
O plano começa por ser inconsequente tanto no tempo como no espaço; no tempo porque apenas refere a “Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020”, sem explicar como se articula com ela; e no espaço porque deixou de fora a maior parte do mar português, o mar dos Açores, sem dar uma explicação compreensível para isso.
Mais importante ainda, o “plano da situação” é um neologismo burocrático que apenas serve para manifestar a enorme vaga de inércia que varre o nosso país. Como sabemos, “plano” é um termo latino que serve para caracterizar uma realidade do ponto de vista geométrico, como achatada ou lisa. É daí que vem a planície e muitos outros termos que têm essa origem.
A analogia geométrica leva a que utilizemos plano quase como sinónimo de estratégia, no sentido em que o plano nos permite ver ao longe, e isto naturalmente em oposição ao ponto, que circunscreve a análise à nossa situação.
É por isso que na nossa linguagem se utilizam as expressões – caindo-se embora em algum pleonasmo – “ponto da situação” e “plano estratégico” com significados diametralmente opostos. No ponto da situação trata-se de entender onde estamos, no plano estratégico trata-se de dizer para onde vamos.
O “plano da situação” não faz sentido, é um oximoro, mas caracteriza bem o texto em discussão que faz o ponto mas pretende ser plano, e acaba por não ser nem uma coisa nem outra.
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As ausências
As ameaças maiores contemporâneas ao nosso mar, como a sua consumada transformação em lixeira plástica ou a sua transformação em lixeira nuclear, nem sequer são referidas no texto, apesar de serem há décadas as mais prementes e mais discutidas.
No domínio da fauna e flora marinhas, tão pouco temos ponto ou temos plano, embora seja verdade que o tema é tão falado que é preferível manter discrição sobre ele do que contribuir para a poluição textual de discursos ocos e gongóricos que para nada mais servem do que perder tempo.
A enfadonha lógica burocrática com que se cosem directivas, leis ou resoluções das várias capelas administrativas nacionais, e mais das regionais e internacionais, borboleteando-se sobre tudo sem dizer nada, arrasta-se penosamente ao longo das páginas, fazendo-me ver como este nosso Portugal está cada vez mais enquistado num tempo ido.
O PSOEM traduz a degradação discursiva burocrática nacional e passa ao lado de tudo, ou melhor, de quase tudo.
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A filosofia das arábias
Foi Mário Soares que trouxe para o centro do debate estratégico nacional a questão dos Oceanos. Fê-lo com o seu legendário faro político mas, penso eu, na sua “fase monárquica” ou seja, na fase em que a Presidência da República em Portugal seguiu o modelo monárquico inglês, feito apenas de pompa e circunstância.
No rescaldo da sua passagem pela presidência, multiplicaram-se os planos, visões e convenções, dando-nos frequentemente autênticas “listas de lavandaria” do que pode tocar o mar, por vezes apenas para esconder o que de mau se lhe tem feito.
Durante o Governo de Durão Barroso, Portugal abandonou os direitos históricos que tinha na pesca da zona económica exclusiva dos Açores – e que tinham sido garantidos por legislação comunitária – em favor de uma abertura à pesca espanhola. Foi um processo em que me orgulho de ter contribuído para limitar os danos, tendo concorrido para assegurar uma zona exclusiva parcial de 100 milhas.
Mais tarde, o Governo de José Sócrates entregou às instâncias europeias “a competência exclusiva na conservação dos recursos biológicos marinhos no âmbito da política comum das pescas” através do Tratado de Lisboa, processo a que ingloriamente tentei fazer frente.
Foi nessa altura que à laia de compensação surgiu a peregrina ideia de que o que Portugal perdia na “coluna de água” marinha ganhava nos fundos marinhos, através da consagração de uma “plataforma continental nacional” que mais que duplicava a perdida “Zona Económica Exclusiva”.
Uns quinze anos depois de lançado o mote, é aí que ainda estamos. Basta ler a ficha técnica do PSOEM para o entender. Aí constam seis colaboradores para “os recursos minerais não metálicos” mais outros seis para “recursos minerais metálicos” e ainda seis para “recursos energéticos fósseis” em contraponto a cinco para a “biodiversidade e conservação da natureza”. Plásticos, lixo nuclear, poluição agrícola, industrial e do transporte marítimo, são tudo temas que nem sequer constam da ficha técnica.
Quem fizer uma pesquisa na web sobre o tema dos mares, rapidamente percebe porquê, com a imprensa portuguesa a multiplicar-se em riquezas e fortunas potenciais que viriam destes minerais, fazendo dos portugueses os novos sheiks a controlar já não as areias do deserto mas a vastidão dos oceanos.
Para os nossos aprendizes de sheik, creio que é útil lembrar três coisas. A primeira, é que o petróleo, por si só, fez menos pela riqueza e desenvolvimento de quem o explora do que o que fez pelo terrorismo, corrupção, fanatismo e atrofia produtiva. A segunda é que o petróleo só é fonte de renda na medida em que é possível fazer um cartel com ele, e isto quer dizer que para entender a riqueza potencial da “plataforma continental” é tão importante olhar para a parte de fora como a de dentro das fronteiras nacionais. A terceira é a de que tudo isso já foi pensado há muito tempo em todo o mundo, e que seria preferível abrir um pouco os horizontes a continuar a contemplar o umbigo.
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