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João de Sousa

Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Os perigos do saudosismo totalitário

Saudosista é, na linguagem política, todo aquele que tem saudades de um tempo, já passado, ligado a práticas de ideal totalitário de final de século que, propositadamente ou não, se serve de argumentos populistas como os são: o respeito; a educação; e outros, numa lógica de subjugação e de medo, por só entenderem a liberdade à luz da sua própria conceção e não no pressuposto de que a liberdade é um bem comum e como tal também eles tem a obrigação de respeitar.

Seja na diferença de opinião, mas também na diferença que o respeito pelos outros implica, tanto na aceitação como na defesa, do conjunto dos valores que sendo abstratos por serem comuns, individualmente não o são tão comuns quanto se possa pensar ou desejar.

Associam também, os saudosistas nacionais, esse seu saudosismo a uma outra conceção, também de final do seculo passado e que tem que ver com o colonialismo.

Ao ponto de, em permanência, trazerem para a ribalta da sua “enviesada” forma de colocar as questões o acordo de Alvor e a forma como esse acordo foi alcançado, sabido que é, todas as outras potencias coloniais, nomeadamente a França e a Inglaterra, terem concedido a independência às suas antigas colónias por haver no tempo uma forte corrente do pensamento progressista no sentido da autodeterminação e da independia nacional dos povos subjugados que se haviam munido de armamento para de forma organizada e em ações de guerrilha conquistarem a sua independência nacional.

Em Portugal não havia, ao nível do poder esse entendimento e, a ordem foi: para Angola, marchar marchar.

No tempo, ano de 1961, o MPLA-Movimento Popular de Libertação de Angola havia iniciado uma forte ofensiva militar da sua guerrilha, com Agostinho Neto a liderar e, a FRELIMO-Frente de Libertação de Moçambique em 1962, liderada por Samora Machel, mais o PAIGC-Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, liderado por Amílcar Cabral, incentivados por essa ofensiva contra o regime na Metrópole a reforçarem as suas frentes de batalha com forte incisão militar na Guiné onde os confrontos foram mais regulares e acesos. Os mais sanguinários foram em Moçambique e em Angola. Sendo que o MPLA e o PAIGC remontavam a sua fundação ao ano de 1956 e a FRLIMO foi fundada em 1962.

No entanto, foi em Angola e Moçambique que Portugal mais investiu no reforço militar, mas também porque em termos de território e posição geoestratégica tendo em conta a potencia territorial que era e, continua a ser, a Africa do Sul, mas também os interesses económicos em torno das reservas naturais de diamantes, ouro, petróleo em Angola e a barragem de produção energética Cabora Bassa, no Rio Zambeze em Moçambique, levaram a que o regime colonial implementasse políticas de militarização das suas colónias com o argumento da defesa do seu território com identidade nacional, mas também o do reforço da proteção aos nacionais civis que nas colónias desenvolviam as suas atividades profissionais e económicas. Enquanto que em Cabo Verde o “campo da morte” o Tarrafal se enchia de prisioneiros políticos que mais não eram do que pessoas que discordavam do regime. Eram presos e torturados só porque discordavam do regime e das suas políticas. Somente.

Defendendo o expansionismo como política estrutural em que a defesa das suas colónias era, no tempo, o seu baluarte primordial, o regime de então, liderado pela UN-União Nacional de António de Oliveira Salazar, chefe do governo e do País, que veio a alterar a sua designação por decisão do seu V e ultimo Congresso que, ocorreu em 1970, para ANP-Ação Nacional Popular, já com Marcelo Caetano a exercer o cargo de Presidente do Conselho de Ministros, claudicando em Abril de 1974 por pressão dos então milicianos que discordavam das politicas de guerra e que culminou com a revolução dos capitães de Abril mais conhecida pela Revolução dos Cravos.

Um “cravo” cravado na parte mais a ocidente da Europa o que na altura atemorizou toda a ordem mundial estabelecida com os USA a usarem toda a sua influência política no sentido de controlar o movimento político emergente, o que veio a acontecer, em pleno apogeu da guerra fria.

Quase meio século depois, num contexto completamente diferente, este saudosismo é desconexo embora se percebam e aceitem alguns dos argumentos em especial daqueles que tudo perderam, mas que, entretanto, mesmo não se tendo recomposto psicologicamente, se integraram com pleno direito na comunidade nacional de que faziam parte integrante e que para isso, muitos deles, receberam subsídios e proteção especial na sua integração socio profissional.

Mas…

Há outra espécie de saudosistas: todos aqueles que viviam à sombra do anterior regime e que nunca aceitaram a democracia e muito menos a liberdade nem sequer a nova ordem económica estabelecida.

Se bem se recordam, Portugal era um País de monopólios; emigrantes; militares; latifúndios agrários; minifúndio na posse de famílias; indústria artesanal; comércio completamente a retalho com clientes a comprar fiado; entre outros.

As comunidades urbanas e rurais no todo nacional vegetavam abaixo do limiar da pobreza em que houve falta de tudo e por isso se passou fome e privação de tudo aquilo que é elementar à vida: a paz; o pão; habitação; saúde; educação; como retrata o poema de Sérgio Godinho em toda a sua grandeza e propriedade intelectual.

O País era mesmo assim.

Não vai longe o tempo em que:

  • a juventude era “carne para canhão”;
  • o caseiro de terras tinha, como pagamento pelo seu trabalho direito a 1/3 da produção por colheita sazonal;
  • o trabalhador rural era remunerado à jorna e por período sazonal enquanto que o operário fabril era remunerado à semana, mais tarde à quinzena e finalmente ao mês;
  • o operário a todo o tempo salvo ao Domingo, mais tarde com direito ao Domingo e a meio Sábado (semana inglesa) e, posteriormente, com direito ao Domingo e ao Sábado (semana americana);
  • sendo que, na azáfama da agricultura as coisas não eram bem assim por necessidades especificas. Não havia horários nem dias.

Algo de indescritível nos dias de hoje para que de forma concentrada ou sucinta se consiga explicar a quem não viveu esses tempos que, são uma “fatia” considerável da população Portuguesa, o Portugal da ditadura de antes de 1974 nada tem a ver com o Portugal democrático de depois de 1974. Com a exceção das pessoas. Essas fizeram a transição pacifica dando exemplo ao mundo de como foi possível fazer uma revolução com cravos, nos canos das espingardas.

Os saudosistas aparecem por isso envoltos em teias de falsidades em que omitem o essencial e pegam no acessório para fazer propaganda a algo que sem propaganda não consegue convencer ninguém a não ser, os próprios saudosistas!

Porque aquilo que os saudosistas escondem é que querem o retorno do regime nos mesmos moldes em que o tinham antes de 1974.

 

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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