Iván Duque toma posse como Presidente da Colômbia e como Vice-Presidente Marta Lucía Ramírez, esta terça-feira, 7 de Agosto. De entre os vários desafios que enfrentará nos próximos quatro anos, dois poderão ser absolutamente definidores do seu desempenho no cargo: a sua relação com o ex-Presidente Álvaro Uribe e os processos de paz com as FARC-EP e com o ELN.
Um dos principais reptos para Duque é a sua ligação ao ex-Presidente e agora Senador Álvaro Uribe. Os juízos até agora sobre o novo inquilino da Casa de Nariño têm como foco a sua relação com Uribe. Este é a figura tutelar do Centro Democrático (direita), ao ponto dos que gravitam à sua volta serem apelidados de Uribistas. Foi ele o maior responsável pela ascensão política e vitória de Iván Duque. Antes de ter sido apontado como candidato pelo próprio Uribe, Duque era virtualmente desconhecido da maioria da população colombiana.
Para afirmar-se como um Presidente de pleno direito, mostrando que é ele que efectivamente governa e que não é uma marioneta, Duque terá que sair da sombra de Uribe. Será Duque capaz de parricídio político? A sua juventude e principalmente a falta de experiência executiva quase que o empurram para os braços do seu mentor, pelo menos no início do seu mandato. Esperemos que com o desempenhar do cargo vá ganhando prática e confiança para ir libertando-se da figura paternal. Se não conseguir, ficará para a História como um mero títere, como, aliás, temem e o acusam os seus opositores. Mas se levarmos em conta a sua biografia, Duque sempre seguiu uma figura paternal, inicialmente o próprio o pai, depois Juan Manuel Santos e agora Uribe. Ora, esta característica não augura nada de bom.
A constituição do novo Governo e da equipa de assessores presidenciais, por outro lado, pode enviar sinais que o novel Presidente pretende ter alguma margem de manobra. A maioria do elenco governativo por si nomeado é composto por elementos com um perfil mais tecnocrata do que político. Estiveram ligados ao mundo empresarial, sendo orientados para a obtenção de resultados. Mas também são jovens e sem experiência executiva. Os restantes são Uribistas próximos do seu mentor político. Teremos, pelo menos, um Uribismo mais suave. Só o tempo poderá dizer qual a cercania ou o afastamento à linha ideológica original. De notar, ainda, que o futuro gabinete ministerial é exactamente equitativo em termos de género, uma promessa cumprida por Duque.
Uma situação que pode ter impacto no relacionamento entre Iván Duque e Álvaro Uribe é este último estar envolvido numa complexa pugna judicial. Ora, o que lança uma dúvida enorme sobre o papel que poderá realmente desempenhar o ex-Presidente. Irá ser um embaraço ou um apoio? Neste momento, é incerto o futuro de Uribe. Para já, Duque conseguiu manter um equilíbrio difícil entre o seu futuro papel e o apoio ao seu mentor político. Se Uribe acabar por demitir-se do Senado — como chegou a requerer, tendo posteriormente solicitado que esse pedido fosse suspenso — ou for mesmo preso, o novo Presidente pode ser fortemente pressionado pelos Uribistas dentro do seu próprio Governo para ajudar o ex-Presidente. Ou então pode optar por cortar em definitivo com Uribe, seguindo a via de Santos, o que parece-nos mais improvável. Muito do futuro da relação de ambos poderá estar interligado pelo desfecho, ainda imprevisível, deste caso judicial.
Um dos pontos mais controversos sobre o programa do Uribista é a sua posição acerca do Acordo de Paz (AP) com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP). O que tem declarado é que deseja corrigi-lo, mas não rasgá-lo. As principais modificações que pretende efectuar terão principalmente impacto na cúpula dirigente. Deseja considerar o narcotráfico como um crime, deixando de ser considerada uma actividade conexa ao funcionamento da guerrilha. Logo, eliminando a amnistia para este tipo de acção. Defende que os ex-guerrilheiros devam cumprir penas efectivas de prisão se cometeram crimes de lesa humanidade, tornando incompatível sentarem-se no Congresso. Para os ex-guerrilheiros de base prometeu apoiar os programas que visam reintegrá-los social e economicamente. É também contra a reforma do campo tal como está acordada. É possível que o maior impacto seja na implementação global do AP. Isto poderá traduzir-se pela demora na aprovação de leis no Congresso, protelando medidas de execução do que foi acordado em Havana, não financiando adequadamente os mecanismos previstos, entre outros. As consequências de tudo isto serão o provável aumento das dissidências delinquentes. Estas últimas poderão ver-se reforçadas pelo incumprimento do acordado, como temiam, alimentadas pelos ex-combatentes descontentes com o rumo do processo de paz, e legitimadas politicamente como opositoras a um Estado que não honra o firmado. O sinal que enviará ao Clã do Golfo (autodenominado Autodefensas Gaitanistas de Colombia, AGC) e ao Exército de Libertação Nacional (ELN) será que a melhor opção que têm é manterem-se armados.
Quanto à negociação com o ELN, a guerrilha restante activa no país, o novo Presidente quer manter as conversações, mas sob certas condições. Duque coloca como termos para o diálogo o acantonamento dos guerrilheiros e o cessar-fogo unilateral. Por seu lado, o ELN tem afirmado a sua vontade em continuar a negociar com o novo Governo. Relembramos que os Elenos recentemente respeitaram vários períodos de cessar-fogo, no dobrar do ano (bilateral e vigiado pelas Nações Unidas) e três outros unilaterais pelos momentos eleitorais.
Perante o empenho diminuto que o novo Presidente poderá mostrar na implementação do AP, caberá à comunidade internacional continuar a apoiar e incentivar os esforços de paz do Governo colombiano, quer com as FARC-EP, quer com o ELN. Aqui, as Nações Unidas terão um papel importante a desempenhar. A primeira missão, MNUC, que procedeu à vigilância do cessar-fogo bilateral definitivo e ao desarmamento e desmobilização da guerrilha fariana foi um êxito. A missão que seguiu-se-lhe, a MVNUC, continua o seu trabalho de acompanhamento da reintegração social dos ex-combatentes e a verificar se estes têm as indispensáveis medidas de segurança.
Iván Duque tem, em princípio, maioria no Congresso, embora a união entre dois partidos mais ao centro (o Partido da U e a Mudança Radical) possam fazer perigar essa situação em algumas votações. Mas na Primeira Comissão do Senado, onde os temas relacionados com a reforma constitucional e a paz são discutidos, não tem a indispensável maioria absoluta garantida. Assim, para fazer alterações significativas ao AP, por exemplo, terá que negociar com os congressistas.
A sociedade civil, a oposição no Congresso, a comunidade internacional e a própria FARC — o partido político legal que resultou da dissolução das FARC-EP — irão opor-se a mudanças significativas, que possam ferir de morte o acordado. O Centro Democrático terá uma palavra a dizer pois poderá ser do seu interesse ou não extremar posições, mas, com toda a certeza não quererá contribuir para o regresso do conflito armado com ex-guerrilheiros marxistas.
Além destes, o novo Presidente ainda terá que enfrentar outros desafios tão ou ainda mais espinhosos. Entre eles, destacam-se a desigualdade social, a corrupção e a inadequação dos serviços sociais, que são os que mais preocupam os colombianos. Os que aqui abordámos serão, com um grande grau de certeza, aqueles pelos quais Iván Duque será recordado. Caberá a ele trabalhar para que a memória que deixe seja a melhor, tendo sobretudo em vista o bem-estar dos seus concidadãos.
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