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Domingo, Dezembro 22, 2024

“Dias Serenos” de Luís Pedro Proença

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

O fumo distingue-se do fogo que o causa”.
DMG

Eu sou melhor do que eu”.
DMG

Sobre este livro de Luís Pedro Proença (o jurista poeta ou o poeta jurista?), direi em primeiro lugar que é intemporal.

Já o místico poeta indiano Rabindranath Tagore nos dizia “A vida renovada volta sempre a esse frágil vaso tantas e tantas vezes esvaziado. O tempo passa e tu continuas a fluir e há sempre espaço para receber as tuas dádivas”. A poesia é a dádiva maior.

Certo mesmo é que colhemos sempre  o que plantamos e somos sem rebuço o que comemos.

Em segundo lugar, direi que as  reflexões contidas neste livro zen sobre a verdadeira condição  humana e a vida apesar de terem quatro mil anos de antiguidade, mantêm toda a actualidade. Sobre isso não tenho dúvidas.

São belíssimas reflexões pessoais sobre a forma zen de estar na vida e a visão sábia e útil desta via espiritual milenar sobre as relações pessoais, a felicidade, o ego, a fé e sobre a paz interior a que pode conduzir-nos.

Normalmente quando falamos de paz falamos da paz aparente, da paz “exterior”, da paz ilusória, da paz podre, de tão embrenhados que estamos na nossa vida material.

A iluminação espiritual tem algo a ver com o ponto do espírito onde o alto e o baixo, o interior e o exterior, o superior e o inferior, o sonho e a acção, a palavra e o acto, o real e o imaginário, deixam de ser percebidos contraditoriamente. Não há oposição, não há contradilção.

Assim que se começa a estudar o zen, uma árvore já não é uma árvore, um rio já não é um rio. Deixam de o ser. Assim que se atinge a iluminação espiritual, uma árvore é de novo uma árvore, um rio passa de novo a ser um rio que sempre foi. O método que consiste em não seguir nenhum método é desde sempre o método por excelência.

Alguém duvida? Eu não e jamais o poderia fazer.

O dia e a noite deixarão de opor-se. Na realidade, nunca se opuseram. Cria-se apenas uma ilusão de oposição que nunca existiu, não  foi nem é.

A raiz comum na imaginação será reconhecida. Sendo o exterior à imagem do interior, a vida será uma autêntica obra de arte. Na verdade, uma obra-prima singular, única e inigualável.

O nosso intelecto é inegavelmente necessário e vital para compreender as próprias limitações.

Segundo a experiência e perspectiva zen, o verdadeiro conhecimento é inseparável da experiência vital  imediata.  És posto à prova sozinho para compreender o todo.

Mas se o homem olhar bem para dentro de si e estiver atento, adquire indubitavelmente a consciência superior da sua magnífica solidão, que o isola sim, mas não o separa do resto da existência. Torna visível esse cordão umbilical inseparável.

Aquele que é senhor de si mesmo, que é capaz de escutar, de ouvir o que os outros dizem e não dizem, penetrando na profundeza do pensamento com uma total,hábil e admirável agilidade mental, estará em condições indiscutíveis de compreender mil e uma coisas diferentes de uma realidade sem nome e sem forma definida, porque na verdade ilusória.

A definição, mais ou menos clássica ou  mais ou menos académica e canónica, só satisfaz aqueles que querem rotular o conhecimento separado e separando-o da própria vida. O verdadeiro conhecimento não é rotulável nem hierarquizante e muito menos limitado. E nunca em momento algum deveria ser separado da vida.

O zen oferece-nos condições para que vivamos completamente livres do condicionamento das emoções em geral e das emoções negativas sempre nefastas, e da já quase eterna condição de alienados.

A humildade é portanto a condição número um para que tal suceda. Mas também não podemos esquecer a dedicação constante e diária para nos conhecermos e para vigiarmos o nosso comportamento inconstante e muitas vezes impulsivo e emotivo.

No que à grande quietude do poeta iluminado diz respeito, ele nunca está sereno por se dizer que a bendita serenidade é excelente. A serenidade não se finge. Ela vive em nós. Está sereno porque a enorme e gigantesca multidão de coisas não pode jamais perturbar a sua serenidade, jamais! Há portanto que cultivá-la e cantá-la.

As palavras fazem amor. As palavras-actos e não as que pressupõem actos.

Nós passamos a respirar as palavras – actos. Não há separação.

As palavras são actos e os actos são palavras.

E isto só é possível com o zen. Ou não? E o zen só pode ser vivido,vivenciado, não se fala.

Quando “trabalhamos” somos como flautas e no nosso coração o murmúrio das horas, do tempo soa como música. Uma música harmoniosa, com simetrias  e geométrica.

E o que é trabalhar com amor? É tecer o nosso pano com os longos e esguios fios do coração, como se estivéssemos a tecer e moldar a roupa do nosso mais que bem amado  universo em que vivemos e viveremos.

Recordando o grande e ascético poeta Rabindranath Tagore diremos então que:  Sobre as tramas do nosso finito que é infinito e cuja tapeçaria bordamos quotidianamente nossas vidas, acaba sempre visível a mais ínfima nódoa!”

Por isso se torna vital a nossa harmonização interior para que expressemos um exterior muito mais transparente, mais sereno, sem a mácula da ilusão e encontremos finalmente a harmonia com o outro e o universo.

Perceber estas reflexões poderá decerto contribuir para conduzir e elevar o leitor a um patamar diferente do seu ser interior, a uma maior serenidade e paz interior, sem que, para isso, arrisque perder o seu lugar na sociedade de que faz parte integrante, de que é parte integrante. Sem que tenha de trocar esse lugar por um qualquer lugar de exílio, reclusão ou isolamento do mundo. O eremitismo é uma possibilidade livre mas não obrigatória.

E nós sabemos que o que vivemos é fruto do funcionamento fragmentado das sociedades actuais. Todos os dias reparamos e sentimos, mas não vemos cada vez mais pessoas tristes, isoladas, solitárias, carentes, desconfiadas, ansiosas e depressivas. Cabe-nos a nós sermos agentes de mudança. Assumamo-lo pois então!

Bayete poeta Luís Pedro Proença!

 

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