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Domingo, Dezembro 22, 2024

José Soares Martins

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1932 – 2014)

Militante anti-colonialista – quando era padre português, nos tempos duros do fascismo – afirmou-se nos combates pela dignidade do Povo Moçambicano. Era um democrata, um homem tranquilo, modesto, afável e muito corajoso. Denunciou publicamente os atropelos aos Direitos do Homem, a política colonial portuguesa e manifestou-se contra o regime, recusando colaborar com a PIDE.José Soares Martins foi, desde jovem, colaborador de imprensa periódica e especializada – assinando como José Capela, o pseudónimo de historiador sob o qual desenvolveu um importante trabalho de resgate da memória da luta do povo moçambicano. Com singulares contribuições no campo da história da escravatura, investigou, publicou várias obras e apresentou comunicações em congressos e conferências, sobre as relações coloniais e sobre a história de Moçambique.

Padre português, nos tempos duros do fascismo

Nasceu a 25 de Março de 1932 em Arrifana (Vila da Feira) e morreu no Porto. Depois da escola primária ingressou no Seminário dos Grilos, no Porto. Terminou o Curso de Teologia em 1954. Em 1956, com 24 anos, partiu como padre para a cidade da Beira (Moçambique), cidade onde o seu tio era Bispo. Nesta colónia, foi chefe da redacção do combativo «Diário de Moçambique» (jornal da diocese da Beira) e, em1959, seu director-adjunto[1]. O jornal fora fundado e era administrado pelo seu tio, D. Sebastião Soares de Resende, então o primeiro Bispo da Beira. Perturbado com a escravatura que o regime colonial português impunha aos negros, o bispo dispusera-se a combater este flagelo sobretudo através de Notas Pastorais e criando o jornal «Diário de Moçambique» – que a censura haveria de encerrar. Dos padres pertencentes ao Clero Regular português e originário de Portugal Continental, houve alguns que se destacaram e que foram destacados pela PIDE. Um deles foi ele, o padre José Soares Martins, que, fortemente crítico à forma como a Igreja se relacionava com os poderes coloniais, iria ser um grande impulsionador desse jornal e de outra imprensa escrita. Numa informação da PIDE, que consta dos Arquivos da PIDE, o padre José Martins é assim referido: « Procedimento irregular de alguns sacerdotes, como José Soares Martins, que pela palavra escrita ou falada se revelaram contra as instituições políticas e sociais portuguesas».

Em 1962, José Soares Martins lançou o semanário «Voz Africana» (na Beira); em 1963, fundou em Lourenço Marques a revista «Economia de Moçambique», jornais que dirigiu até 1968.

No ano seguinte, viajou pelo Brasil e regressou à Europa.

Regressou ao Porto nos finais dos anos sessenta. Em 1 de Janeiro de 1970, foi nomeado por D. António Ferreira Gomes editor do jornal Voz Portucalense, e desenvolveu paralelamente nesta cidade intensa actividade no domínio cooperativista e da luta antifascista e anticolonial. É dessa altura a criação da cooperativa Confronto (1966 – 1972) e da editora Afrontamento, a cuja fundação esteve ligado. Colaborou nos cadernos anticoloniais.

Pela dignidade do Povo Moçambicano

Após o 25 de Abril de 1974, (1978 a 1996), foi Adido Cultural na Embaixada de Portugal na capital moçambicana. De regresso ao Porto passou a colaborar como investigador no Centro de Estudos Africanos, da Universidade do Porto. Com o pseudónimo José Capela, deixou diversas publicações, um importante acervo de textos sobre a história de Moçambique, onde viveu grande parte da sua vida, sobretudo sobre o comércio de escravos[2].

Em 1997, o Presidente Jorge Sampaio visitou Moçambique e condecorou José Soares Martins com a comenda do Infante D. Henrique.

Em 2003 ofereceu à Universidade do Porto (Biblioteca Central da FLUP) um importante espólio bibliográfico, a sua biblioteca privada.

A Associação Moçambicana da Língua Portuguesa (AMOLP) e o Centro Cultural Português/Camões, I.P. em Maputo realizaram, em Fevereiro de 2015, uma homenagem a José Soares Martins (José Capela), denominada “O Homem e a História”.

Em Maio de 2017, o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e o Centro de História da Universidade de Lisboa organizaram, em colaboração com o Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL e o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, a «Conferência Internacional José Capela e a história de Moçambique – 45 anos depois de O vinho para o preto» – evento de evocação e homenagem a José Soares Martins[3], a que se associaram também a Universidade Eduardo Mondlane, a Universidade Pedagógica e a Universidade Lúrio, de Moçambique.

Moçambique Pelo seu povo, Livro de José Capela

 

O sopro do vento sul, Livro de José Capela

 

 

Cartaz da «Conferência Internacional José Capela e a história de Moçambique – 45 anos depois de O vinho para o preto»

 

[1] O Diário de Moçambique, devido às posições que assumiu em defesa das populações indígenas e de crítica à forma como a Igreja se relacionava com os poderes coloniais, foi por diversas vezes suspenso pelas autoridades coloniais.

[2] Trata-se de uma obra que pode ser agrupada em três eixos:

  1. Abordagem aos processos da formação do incipiente capitalismo português em Moçambique que moldaram as políticas assumidas na colonização e, como tal, as interacções com as populações locais;
  2. Pesquisa exaustiva sobre o tráfico internacional de escravatura do e pelo actual território moçambicano. Durante o período pré-colonial e mesmo durante as primeiras décadas do efectivo colonialismo, até à sua erradicação no início de XX, apesar da do anúncio de uma de uma precoce proibição efectiva do tráfico nos territórios africanos reclamados em XIX por Portugal, bem como a ideia de que o referido tráfico esclavagista ter sido um fenómeno totalmente exógeno;
  3. Olhar atento sobre a especificidade e complexidade histórica das formações sociais na bacia do Zambeze, desde o estabelecimento do regime dos “Prazos”.

[3] Soares Martins reformara-se no ano anterior, e regressara a Portugal, mas deslocou-se a Maputo para essa ocasião. Jorge Sampaio, conjuntamente com Joaquim Chissano, descerrou então uma placa evocativa do seu nome.


Dados biográficos:

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