Quem o afirma é a Prof. Doutora Sabina da Fonseca, docente e investigadora da Faculdade de Educação, Artes e Humanidades da UNTL, tecendo fortes críticas ao programa da ministra da educação do VIII Governo de Timor-Leste.
O Jornal Tornado tem estado a publicar análises de políticos e de especialistas em educação sobre a problemática das línguas em Timor-Leste para, numa fase posterior, abordar outros aspectos pertinentes e importantes da Educação Pré-Escolar e do Ensino do 1º e 2 Ciclos do Ensino Básico. A fim de garantirmos a participação neste caderno especial sobre Timor-Leste de especialistas em linguística das principais instituições timorenses ligadas à educação e formação, onde se inclui a Universidade Nacional de Timor Lorosa´e (UNTL), a única Universidade pública, decidimos convidar vários académicos, onde se inclui Sabina da Fonseca, docente da Faculdade de Educação, Artes e Humanidades da UNTL e investigadora nesta unidade orgânica da UNTL.
Na opinião desta investigadora a língua de ensino deve ser o português. A iniciação à leitura e à escrita deve ser em português. De acordo com Sabina da Fonseca, se Timor-Leste quer projectar a educação das crianças para o futuro, o ensino deve ser em língua portuguesa com recurso ao tétum. Na opinião desta doutorada em língua portuguesa, o tétum está em fase de desenvolvimento e deve apoiar-se ao português para se desenvolver e defende que o ensino-aprendizagem nas línguas maternas só irá contribuir para retardar e complicar a aprendizagem das crianças.
Estas e outras opiniões constam da entrevista geral que em exclusivo são divulgadas nesta edição do Jornal Tornado e que apresentamos de seguida na íntegra.
Jornal Tornado: Senhora Prof. Doutora Sabina da Fonseca, antes de mais, o nosso agradecimento por ter aceite participar neste importante debate educacional com enfoque na problemática das línguas em Timor-Leste.
Segundo informações divulgadas pelo Ministério da Educação e Cultura do VII Governo Constitucional de Timor-Leste sobre o estado da Educação Pré-Escolar e do 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico em Timor-Leste, há um conjunto vasto de constrangimentos que os educadores de infância e os professores timorenses demonstram ter no âmbito das suas práticas profissionais. Por outro lado, com a entrada da nova Ministra da Educação do VIII Governo de Timor-Leste, Senhora Dulce de Jesus, também se instalou uma polémica sobre a língua de ensino a utilizar na educação Pré-Escolar e no 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico.
Na sua opinião, a que se deve esta situação? Existem ou não existem constrangimentos ao nível das práticas pedagógicas e científicas dos educadores de infância e dos professores dos 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico? Por que razão há polémica em relação à língua de ensino na Educação Pré-Escolar e no Ensino Básico? Enquanto académica e especialista quer fazer o favor de elucidar-nos sobre estas matérias?
Sabina da Fonseca: Antes de mais, também agradeço este convite. Vou tentar responder de forma sucinta às questões colocadas.
Relativamente à questão das dificuldades e constrangimentos dos professores quanto ao uso das línguas oficiais, sobretudo da língua portuguesa, sabemos que nem todos têm domínio proficiente desta língua.
Muitos dos professores, sobretudo os mais jovens tiveram formação no período da ocupação indonésia. No entanto, desde o início da independência, foram tendo lugar cursos de formação em todo o território, destinados a capacitar os nossos professores em língua portuguesa a fim de torná-los capazes de exercer de forma eficiente as suas funções docentes.
A polémica em relação à língua de ensino na Educação Pré-Escolar e no Ensino Básico não tem fundamento, se olharmos para a nossa história, para a história da educação no nosso país desde a chegada dos missionários até duas décadas atrás, se conhecermos e respeitarmos a nossa Constituição e se pensarmos seriamente na formação das crianças e jovens, que serão os futuros líderes do país.
Tendo sido a única língua de escolarização até Agosto de 1975, a língua portuguesa sempre conviveu de forma pacífica com as nossas línguas, as quais beneficiaram de um enriquecimento linguístico através dos empréstimos, sobretudo o tétum-prasa.
Linguista australiano Geoffrey Hull apoia opção pela língua portuguesa
Penso que vale a pena referir aqui uma “advertência” que vem citada na minha dissertação de mestrado, do linguista australiano Geoffrey Hull, na sua intervenção por ocasião do 1º Congresso do CNRT, em Agosto de 2000.
O linguista afirmou o seu total apoio à opção pela Língua Portuguesa, sublinhando três aspectos fundamentais de uma língua: “como símbolo nacional; símbolo de identidade; símbolo de relação ao seu passado, portanto à sua história”.
Hull entende que:“(…) a juventude/a nova geração deve fazer um esforço colectivo para aprender ou reaprender a língua portuguesa. Um dever que qualifica de “patriótico”, até porque a cultura e a língua portuguesas fazem parte da sua memória, e não falar o português seria voltar costas a um passado, correndo Timor-Leste o risco de se tornar uma nação de amnésicos”.
De acordo com a sua experiência, enquanto docente da UNTL, e com base na pesquisa que tem desenvolvido, quais são as principais dificuldades dos professores em relação à utilização das línguas oficiais de Timor-Leste? E às formas de planificação das aulas e utilização dos materiais escolares?
Tenho acompanhado de perto o ensino-aprendizagem desde o primeiro momento, logo após o referendo de 30 de agosto de 1999. Ainda durante a ocupação indonésia, leccionava no Externato de S. José e também no Seminário Menor de Nossa Senhora de Fátima, em Balide, altura em que não havia material didáctico actualizado, sendo utilizados os livros que escaparam à destruição, fotocopiados e re-fotocopiados.
No período da administração da UNTAET também colaborei na elaboração do currículo de transição/currículo de emergência com o apoio de uma professora da Universidade de Évora. Era Ministro dos Assuntos Sociais e da Educação o padre Filomeno Jacob Abel, SJ.
Desde então foram realizados cursos de formação e capacitação de professores dos vários níveis, com o apoio de professores portugueses e brasileiros. Eram cursos intensivos destinados a capacitar os professores em língua portuguesa pois, conforme foi já referido, a maioria tinha sido formada no período da ocupação indonésia e, como tal, deviam aprofundar os conhecimentos em língua portuguesa para poderem dar aulas.
Relativamente às formas de planificação das aulas, o modelo utilizado actualmente nas escolas não difere do que tinha sido utilizado durante a ocupação indonésia.
Reconhece-se que há carência de materiais em virtude da demora na distribuição por parte do Ministério da Educação, existindo também pouco material didáctico disponível nas escolas a que os professores, sobretudo dos meios rurais podem recorrer para preparar e diversificar as suas aulas. Cabe ao ministério competente encontrar formas de suprir estas carências.
Em seu entender, na medida em que existem duas línguas oficiais em Timor-Leste, Tétum e Português, qual é a língua de instrução mais adequada para a iniciação à leitura e à escrita? O Tétum ou a Língua Portuguesa? Ou as Línguas Maternas? Porquê?
Sempre fui de opinião e sei por experiência própria que a língua de ensino deve ser o português.
A iniciação à leitura e à escrita deve ser em português.
Se queremos projectar a educação das crianças para o futuro, o ensino deve ser em língua portuguesa com recurso ao tétum. O tétum está em fase de desenvolvimento e deve apoiar-se ao português para se desenvolver.
O ensino-aprendizagem nas línguas maternas só irá contribuir para retardar e complicar a aprendizagem das crianças.
Mais adiante abordarei esta questão de forma mais detalhada.
É pacífico admitir que os manuais escolares devem ser valorizados na dinâmica do processo de ensino-aprendizagem. Os manuais escolares devem ser escritos só em Tétum? Só em Português? Em Tétum e Português? Nas línguas maternas? Porquê?
Os manuais constituem, de facto, o material nº 1 no processo de ensino-aprendizagem. Os primeiros manuais foram escritos em português, com o guia para o professor escrito nas duas línguas. Isto porque se supunha que o professor precisa de ser criativo e procurar forma de pôr em execução. Para isso, os professores devem possuir o domínio das competências indispensáveis ao desempenho das funções docentes. A criatividade do professor irá contribuir para incentivar e motivar os alunos à aprendizagem.
O Jornal Tornado tem conhecimento de que o Ministério da Educação, Juventude e Desporto está a implementar um projecto piloto denominado Educação Multilingue Baseada na Língua Materna (EMBLM) e ao que tudo indica pretende proceder à sua generalização por todo o país. Na sua opinião, a generalização deste projecto irá atrasar a aprendizagem da língua portuguesa? Ou, pelo contrário, pensa que a implementação do projecto EMBLM vai fazer a diferença no sentido de facilitar o processo de ensino-aprendizagem na Educação Pré-escolar e no 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico? Com o projecto EMBLM, tal como a Senhora Ministra Dulce de Jesus defende, será possível a consolidação da Língua Portuguesa no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário?
O ensino-aprendizagem nas línguas maternas só irá contribuir para retardar e complicar a aprendizagem das crianças
Na minha opinião, o Ensino Multilingue Baseado nas Línguas Maternas (EMBLM) apenas irá matar o futuro dos filhos do povo.
Os defensores deste projecto não têm os filhos a estudar nas escolas onde o tal projecto é implementado.
O ensino-aprendizagem nas línguas maternas só irá contribuir para retardar e complicar a aprendizagem das crianças, filhos do povo, pois é do conhecimento de todos que a implementação das línguas maternas é exclusivo nas escolas onde estudam estas “pobres crianças”.
Porque será? Não será uma discriminação? E onde está a igualdade de oportunidades referida na Constituição, no ponto 2 do artigo 59º?
Com os estudos feitos em língua materna, nunca poderão estas crianças ser capazes de, mais tarde, ter acesso aos graus mais elevados do ensino e da investigação científica. Duvido que também seja possível ao da criação artística.
E que tipo de formação têm os professores que devem ensinar as línguas maternas? Se os objectivos da Lei de Bases de Educação visam “desenvolver e assegurar a formação integral de todas as crianças e jovens, através do desenvolvimento de competências do saber, do saber-ser, do pensar, do saber-fazer (…), que lhes garanta o desenvolvimento da capacidade de raciocínio, da memória e do espírito crítico e que estimule a criatividade (…)“, o governo deve apoiar os programas da educação neste sentido, de forma a termos uma nova geração capaz de fazer frente aos desafios da modernidade e da globalização a nível nacional, regional, internacional e da CPLP.
A Senhora Ministra da Educação tem defendido publicamente a importância de se consolidar e desenvolver a língua portuguesa em Timor-Leste, a par do tétum, uma posição que tem sido defendida pelos vários líderes da Nação. Na opinião da Doutora Sabina, o que é que o Ministério da Educação, Juventude e Desporto deveria fazer para garantir o desenvolvimento da língua portuguesa em Timor-Leste?
O Ministério da Educação, Juventude e Desporto deve continuar a apoiar e intensificar os cursos intensivos de formação de professores a todos os níveis.
Espero que a posição da Ministra da Educação possa vir a ser concretizada através dos apoios do Ministério à formação e capacitação de que os professores em todo o território tanto carecem.
Finalmente, uma última questão, o que é que se deve fazer no domínio da formação inicial e contínua dos educadores de infância e dos professores do Ensino Básico porforma a que estes profissionais adquiram mais conhecimentos e desenvolvam mais competências ao nível da língua portuguesa e do tétum, e mais competências científicas e pedagógicas? Qual é o principal papel da UNTL e também do Instituto Nacional de Formação de Docentes e Profissionais da Educação (INFORDEPE) neste domínio? Na sua opinião, os “CAFE – Centro (s) de Aprendizagem e Formação Escolar / Projecto das Escolas de Referência de Timor-Leste” e o “Projecto Formar Mais” deveriam ser mais apoiados pelo Governo de Timor-Leste?
Os “CAFE – Centro (s) de Aprendizagem e Formação Escolar / Projecto das Escolas de Referência de Timor-Leste” e o “Projecto Formar Mais” devem ser mais apoiados pelo Governo de Timor-Leste em todos os aspectos
O papel da UNTL enquanto instituição de ensino superior é formar recursos humanos aptos para desempenharem as funções que lhes forem incumbidas, sobretudo na área da Educação/ensino-aprendizagem.
Temos dois departamentos responsáveis pela formação de professores. O Departamento de Formação de professores é responsável pela formação de Professores do Ensino Básico (1º e 2º ciclos) e o Departamento de Língua Portuguesa prepara recursos humanos para a leccionação da língua portuguesa no 3º ciclo e também no Ensino Secundário e Vocacional.
No entanto, estes nossos finalistas, que na maioria das vezes não são absorvidos pelo Ministério da Educação, seguem outros ramos, encontrando-se a trabalhar em empresas privadas e também noutros ministérios, havendo também alguns a leccionar em escolas privadas.Felizmente, temos alguns a continuar os seus estudos no mestrado em Portugal e ainda outros na lista de espera.
O Instituto Nacional de Formação de Docentes e Profissionais da Educação (INFORDEPE) tem sob a sua responsabilidade a formação contínua de professores.Os “CAFE – Centro (s) de Aprendizagem e Formação Escolar / Projecto das Escolas de Referência de Timor-Leste” e o “Projecto Formar Mais” devem ser mais apoiados pelo Governo de Timor-Leste em todos os aspectos, pois estes centros constituem uma mais-valia, ou seja, estão a preencher, se não na totalidade, pelo menos parte das lacunas existentes, as quais o nosso governo não é capaz de preencher.
Prof. Doutora Sabina, mais uma vez, agradecemos muito a sua participação que certamente será muito útil para esclarecer os nossos leitores, em particular a sociedade timorense, e irá enriquecer o caderno especial sobre educação em Timor-Leste.
O programa EMBLM foi criado pela Ministra da Educação Dulce de Jesus, em 2012, com o apoio da Fundação ALOLA, fundada por Kirsty Sword Gusmão, uma Organização Não-Governamental essencialmente apoiada pelo Governo australiano, pela UNESCO e por outras agências internacionais, na sua maioria anglófonas.
A Fundação ALOLA coopera com o Ministério da Educação do VIII Governo Constitucional em programas de formação de professores no pré-escolar e no ensino básico para operacionalizar o programa EMBLM no sentido de assegurar a utilização do uso das línguas nacionais como línguas de instrução na educação pré-escolar e no ensino básico, anulando a língua portuguesa.
A ministra da educação Dulce de Jesus rodeada por Kirsty Gusmão e uma dirigente da Fundação ALOLA
O programa EMBLM na sua fase experimental utilizou as línguas nacionais Baikeno (Região de Oé-cussi), Fataluk (Lautém) e Galolen (Manatuto). Na opinião da Ministra da Educação Dulce de Jesus, membro do VIII Governo Constitucional, o programa EMBLM melhorou o desempenho académico das crianças que frequentaram o programa.
Segundo Lurdes Bessa, Vice-Ministra da Educação e Cultura do VII Governo Constitucional, o programa EMBLM em nada contribuiu para o sucesso escolar, pelo contrário, prejudica-o gravemente, e tem como principal objectivo a anulação da língua portuguesa como língua de instrução no pré-escolar e no 1º Ciclo do Ensino Básico.
Sabina da Fonseca, timorense, é docente e investigadora da Universidade Nacional de Timor Lorosa´e (UNTL), doutorada em Ensino do Português e mestre em Ensino do Português como L2 / LE pela Universidade Nova de Lisboa. Licenciou-se em Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas pela UNTL e concluiu uma especialização pós-licenciatura em Ensino do Português ministrada na UNTL em parceria com o CAPES (Brasil).
Com uma vasta experiência em ensino e investigação no campo da linguística e do currículo, concebeu diverso material didáctico em português, tétum e inglês, como manuais escolares e livros infantis, publicou a obra científica “Teorias e usos linguísticos: ensino e aprendizagem do português para falantes de outras línguas”, capítulos de revistas científicas, e outros escritos, na UNTL, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no Instituto de Ciências Sociais e na Universidade do Minho.
Sabina da Fonseca foi oradora em diversos seminários e conferências nacionais e internacionais, tem desenvolvido investigação em Timor-Leste e realizado trabalhos diversos junto da comunidade.
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