“A resistência ao fascismo e à intolerância é o princípio no qual eu creio mais firmemente na minha vida. E eu identifico claramente o Bolsonaro como vetor dessa ideologia”.
Cada um é formado pela sua história pessoal. Eu sou alemão, crescido nos Estados Unidos, acadêmico de relações internacionais (política). A guerra e a intolerância política afetaram profundamente a minha família. Isso me norteia politicamente.
Como alemão de minha geração, o ponto fixo inescapável que orienta toda a consciência na minha formação cidadã é o legado fascismo: o holocausto e a Segunda Guerra e a firme missão de nunca deixar isso acontecer de novo, em lugar nenhum. Não existe nenhum princípio político mais sagrado que esse.
Como norte-americano, nas aulas cívicas você de criança aprendia — mesmo com todas as hipocrisias e contradições que se tornaram aparentes ao crescer — que a democracia é para todos, e que ela é como um ser vivo que precisa ser defendido ativamente se vai sobreviver. Temos que pensar o sistema para todos e defendê-lo ativamente.
Como acadêmico de ciências sociais, vivo e trabalho ciente do fato que as palavras são ações em si: o falado/escrito pode ter consequências devastadoras. As palavras contam, e se tornam ações num piscar de olhos. Uma frase, um livro, um poster mata ou emancipa milhões se falada por uma pessoa com poder.
Também sei com base nesse histórico que o paradoxo da tolerância do Popper é uma realidade: a tolerância é a chave de tudo, e por isso não podemos ser tolerantes com a intolerância. Porque sem resistência, a intolerância sufoca a tolerância — ela é o caminho de menor resistência para a mente simples.
No contexto brasileiro, isso me posiciona muito claramente contra o Bolsonaro. Não tenho candidato que estou a favor, mas nunca na minha vida inteira vi um caso mais claro de um político que viola todos os princípios acima. Quando você vive com antenas muito bem desenvolvidas para o renascimento da intolerância e do fascismo, o alarme não poderia soar mais claramente que no caso desse homem e seus apoiadores.
É só substituir LGBT, negro e mulher e por “judeu” e estamos tão claramente em 1933.
O paralelo é de extrema aplicabilidade sim. Os campos de concentração também começaram com palavras. E me desculpem dizer, mas a democracia brasileira — nas cabeças da grande massa das pessoas – ainda é muito frágil para se defender contra esse ataque. Não que seja, no momento, tão mais firme em outro lugar – está enfraquecendo no mundo inteiro.
Então, para mim, quando um candidato fala que quer fuzilar a oposição, que estuprar, que negro só serve para procriar, que refugiados são escória, que o erro da ditadura foi só torturar e não matar, isso passa de longe de ser só retórica, ou um cara que se “expressa mal”.
Ele é político, e produzir discursos é a profissão dele.
Ele pode ser muito limitado moral e intelectualmente, mas ele sabe exatamente o que ele está fazendo quando abre a boca e fala essas coisas.
Indo além das palavras:
- Votou em favor de reduzir a licença maternidade.
- Votou contra a obrigatoriedade do SUS tratar vítimas de violência sexual e são inúmeros os exemplos de discursos intolerantes dele.
Tem quem considera o Bolsonaro honesto e não corrupto (aliás, manifestamente um engano, olhem para o património da família e os funcionários-fantasma) ou acha que ele vai tornar o Brasil mais seguro (está cientificamente comprovado que armar todo mundo vai obter o resultado exatamente contrário). Gente de saco cheio que quer um “SALVADOR DA PÁTRIA, que identifica o alvo para resolver. (Já vi isso nalgum lugar…)
Digo claramente:
Se você aceita a intolerância, o racismo e a misoginia–presentes intencionalmente e com a maior clareza no discurso de Jair Messias Bolsonaro porque o candidato promete a salvação de uma política ineficaz, você está aceitando o fascismo de exatamente a mesma forma que nasceu em 1933.
Não existe nada, absolutamente nada que se sobrepõe ao nosso dever de resistir ativamente o estabelecimento dessa ideologia em qualquer país.
A resistência ao fascismo e à intolerância é o princípio no qual eu creio mais firmemente na minha vida. E eu identifico claramente o Bolsonaro como vetor dessa ideologia. Então a resistência a ele, mesmo não podendo votar, é algo que levo muito a sério. Não é só para passar tempo e roubartilhar no Facebook.
Então, se você apoia ele, ou aceita ele sabendo o que ele representa como consequências vividas na pele e nos ossos de seus concidadãos que são de minorias, nossa divergência não é só política ou de discurso, mas do mais profundo nível moral.
Para quem ainda enxerga algum mal maior que o Bolsonaro, parem para pensar. Os alemães em 1933 também estavam prontos para aceitar o que eles achavam que era o mal menor, e foram totalmente enganados porque era mais fácil seguir o discurso sedutor do que pensar para si. Ele é o mal maior.
Parem de banalizar esse fenômeno e pensar só em vocês mesmos, e pensem nas consequências para o nosso País e todas as pessoas que nele vivem.
Por Kai Michael Kenkel, Professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
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