A rápida sequência e encadeamento dos acontecimentos, quer no cenário europeu quer no global, indiciam que depois de várias cimeiras europeias e do G20 as soluções continuarão a pecar pela exclusiva protecção dos sectores e dos agentes que foram (e continuam a ser…) os principais intérpretes e responsáveis pelo crescimento e aprofundamento da crise que persiste na Europa e no Mundo.
A realidade tem vindo a confirmar uma ideia em tempos expressa por Viriato Soromenho-Marques de que com o tempo: produzimos uma democracia nacional, capturada por partidos venais e alimentada pelo comodismo cívico dos cidadãos, que se transformou numa máquina de eleger gente medíocre para tomar decisões estratégicas» E o pior é que aquela apreciação (produzida especificamente para caracterizar a situação europeia) revela-se cada vez mais generalizada aos restantes países ocidentais e assim não será de estranhar que até as cimeiras do G20 se concluam com meras declarações de princípios e uma ou outra medida bem intencionada mas raramente levada à prática.
Assim, os supostos grandes areópagos da política e da estratégia mundial têm redundado em conciliábulos a dois ou três, que jamais revelaram a capacidade ou o rasgo para gizar estratégias a prazo mais longo que o do dia seguinte ou com conteúdo mais inovador que a repetição tautológica de “mais do mesmo”.
Mês após mês, ano pós ano, continuamos a assistir ao arrastar duma crise que se repercute entre as esferas financeira e real da economia, desreguladas por iniciativa do capital financeiro e com o beneplácito dos que eleitos para defenderem o interesse geral pactuaram com o proveito daquela minoria. Não será pois de espantar que os governos, limitados pelas suas próprias incapacidades e com um ego bem alimentado pela miríade de conselheiros e de especialistas, tão incapazes quanto eles próprios, repitam uma vez após outra os mesmos procedimentos e ainda manifestem pública estranheza pelo insucesso de tão magníficas e garantidas soluções.
Até ao apuramento dos resultados do primeiro ensaio de governação da solução gizada por António Costa (que a direita despeitada se apressou de apelidar de “geringonça” mas que tem mostrado o seu valor e aplicabilidade práticas) estão a perder-se todas as oportunidades para a realização dum verdadeiro debate sobre as alternativas possíveis; mesmo que os resultados alcançados estejam a silenciar – espero que definitivamente – a tese da inexistência de alternativa, tão querida aos eurocratas, continua-se sem se produzir qualquer reflexão mais aprofundada que oriente a UE numa direcção mais sustentável
Com a celebração da “saída limpa” da Grécia – o que não significou grande alívio para a população grega – e a crise das dívidas públicas em aparentes águas mornas, as atenções parecem agora mais viradas para o problema do afluxo de migrantes e para a clara cisão marcada pela recusa do Grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia) em participar no programa europeu de redistribuição de imigrantes, recusa que acaba de ser oficialmente reconhecida na cimeira informal que reuniu chefes de estado e de governo da UE em Salzburgo.
Mais do que concertar uma solução a longo prazo para o problema do crescente fluxo de migrantes às fronteiras da UE, solução que terá que passar pela normalização política e económica das suas regiões de origem mas que no imediato terá que responder às mais básicas carências daqueles que sobrevivem até às fronteiras europeias, o compromisso encontrado em Salzburgo, parece mais um apoio às políticas radicais do primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, e do seu mais recente aliado, o governo italiano onde impera a figura de Matteo Salvini, o líder da nacionalista Liga, que a reafirmação dos princípios de solidariedade e responsabilidade que costumavam ser associados à ideia da UE.
Depois de ter ensaiado enfrentar uma crise originada na fragilidade do seu sistema monetário – um sistema desenhado a contento da sua principal economia, a Alemanha, mas que a realidade tem revelado completamente disfuncional – mediante o recurso a medidas comprovadamente desadequadas, a UE continua confrontada com sérios riscos de implosão, agravados, ainda e sempre, pela sua moeda disfuncional, pelo Brexit (o abandono da UE por parte da Grã-Bretanha) e pela crise demográfica (que tem a principal expressão no envelhecimento da população europeia e a criada pelos fluxos migratórios com origem nos países subsaarianos e no Médio Oriente), sem mostrar o menor sinal de intenção de reverter ou de debater o paradigma que a tem conduzido para o abismo – um neoliberalismo pensado e aplicado em benefício de interesses particulares e sempre a expensas do interesse geral.
Para assegurar os privilégios de sectores como o financeiro e o rentista mantém-se as economias manietadas e os governos nacionais aperreados a dogmas como o do déficit orçamental enquanto assistimos impotentes à retracção do investimento. Limitam-se as opções de política económica enquanto se assegura o fortalecimento das soluções especulativas; exalta-se a liberdade de circulação de capitais no espaço comunitário enquanto se sufocam as débeis tentativas de harmonização fiscal ou defende-se a manutenção dos paraísos fiscais enquanto se agrava a carga fiscal sobre os rendimentos que para eles não conseguem migrar.
Estas e muitas outras questões continuam sem receber a devida atenção dos governantes nacionais e comunitários ou da comunicação social. Continuam escassas e sem a divulgação adequada as vozes que lançam ideias diferentes ou que apontam para soluções alternativas. Claro que a iminência dum Brexit sem acordo deve merecer atenção, mas para a enorme maioria dos cidadãos europeus (aqueles que vão permanecer no interior da UE) o principal problema continua a ser a debilidade da moeda única e os estrangulamentos que está a impor às diferentes economias e em particular às mais periféricas.
Alterar radicalmente o modelo de financiamento pelo BCE – atribuindo-lhe o mandato de principal criador de moeda – e usar essa capacidade para apoiar o investimento dentro e fora da UE (por exemplo no real apoio às economias subsaarianas e não às suas elites governativas) poderá ser uma das vias para reduzir as assimetrias entre os países do Norte e do Sul da Europa e entre esta no seu conjunto e as economias que lhe são limítrofes e donde provém a maioria dos migrantes que pressionam as suas fronteiras.
Começando a debater esta medida outras surgirão por adição ou em complemento, tanto mais que a actual conjuntura internacional, onde impera uma super potência em agonia enquanto outra se perfila para a substituir, já demonstrou a urgência da UE equacionar (finalmente) a necessidade de se dotar de meios de defesa próprios e autónomos doutros interesses que não os europeus (a política da actual administração norte-americana relativamente à NATO, que a vê como vector de projecção do seu poder e não como instrumento de protecção do Ocidente, foi clarificadora daquele que sempre foi o papel reservado à organização) e essa oportunidade deve ser acompanhada de um forte investimento na investigação e desenvolvimento das capacidades e competências europeias em matéria de defesa.
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