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Domingo, Dezembro 22, 2024

O B dos BRICS desertou – mas o mundo já não é o mesmo

Carlos de Matos Gomes
Carlos de Matos Gomes
Militar, investigador de história contemporânea, escritor com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz

BRICS era o acrónimo que referia o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, a que se juntou mais tarde o S de South Africa, que em 2011 formaram um grupo político de cooperação.

Estavam na altura num estádio semelhante de desenvolvimento e apesar de não constituírem um bloco económico ou uma associação de comércio formal, como no caso da União Europeia, procuravam formar um “clube político” ou uma “aliança”, e converter o seu crescente poder económico em influência geopolítica.

Os Estados Unidos sempre tomaram os BRICS como uma ameaça à sua supremacia mundial  – em particular como uma ameaça à sua principal arma, o dólar como moeda de troca no comércio internacional.

Os BRICS representavam a possibilidade de uma Terceira Moeda, mais perigosa para os EUA do que o EURO. Até à tomada do poder do grupo Trump, a União Europeia era vista pelos EUA como uma aliada, enquanto os BRICS foram sempre vistos com desconfiança e como um potencial adversário. Hoje em dia um inimigo. A estratégia dos EUA foi desde a sua formação a de tentar separar a Rússia da China e atrair para a sua esfera os outros BRICS, de umas vezes com pau e de outras com cenoura.

A estratégia do regime de Trump é a de considerar a UE um competidor e a NATO uma velharia cara, e de se virar para dentro, de concentrar os seus esforços no interior do EUA e regiões limítrofes (México, e América do Sul).

O Brasil era o alvo mais fácil para atacar os BRICS, geograficamente situava-se no “quintal” dos EUA, na sua área de influência, o sistema produtivo estava intimamente ligado ao dos EUA, especialmente o dos sectores tecnologicamente mais avançados, caso da aeronáutica, era produtor de petróleo e a sua elite militar e financeira era ideologicamente formatada pelas escolas americanas.

O apoio popular de Lula e o seu carisma representavam um obstáculo para a estratégia de extracção do Brasil dos BRICS e da sua recondução ao redil dos EUA. Com Dilma tudo foi mais fácil.

O golpe de Temer e a eleição de Bolsonaro selam a saída do Brasil dos BRICS.

O Brasil voltará a ser a subdelagacia americana na América do Sul. Tomará a seu cargo gerir a desestabilização no subcontinente, em particular na Venezuela e na Argentina. Os generais brasileiros e a oligarquia sempre tiveram como programa a dependência do grande patrão do hemisfério norte. O Brasil regressará à estratégia definida pelo general Golbery do Couto e Silva, dito o Kissinger brasileiro, na Escola Superior de Guerra, nos anos 60, para derrubar o “comunista” João Goulart, aberto a ideias de um Terceiro Mundo.

A doutrina de segurança nacional de Golbery resumia-se e resume-se a alinhar o Brasil pelo “bloco ocidental”, sob a liderança dos Estados Unidos. Todas as outras opções são “comunismo”. Em termos de desenvolvimento a teoria de Couto e Silva é a de que, dado o atraso do Brasil, seria necessária a centralização do poder com a “supressão de alguns valores definidores da ordem democrática.” Ou seja: para desenvolver o Brasil do seu atraso tecnológico era necessário um regime de força alinhado com os Estados Unidos. Nada de novo, hoje com Bolsonaro.

O que está por detrás deste Bolsonaro é o velho programa de Golbery do Couto e Silva e da sua Escola Superior de Guerra. O Brasil volta ao seu lugar na formatura de tropas dos EUA. Os generais e a oligarquia impõem a antiga ordem, O petróleo do Brasil será vendido em dólares. De novo, apenas o papel dos evangelistas e da sua televisão Record, que se juntou à sempre disponível Globo. O B dos BRICS regressa a casa. Ficam os RICS.

Com a eleição de Bolsonaro o golpe de Temer fica legitimado, os americanos descansados e o Brasil continua subalternizado.

A subalternização do Brasil é má notícia para Portugal e para todos os países da comunidade de língua portuguesa. Todos necessitariam de um Brasil forte e autónomo. Há muitos portugueses, alguns com responsabilidades políticas, que preferem a subalternização. Há quem “venda” Bolsonaro como um salvador quando é apenas um fantoche boçal utilizado para impor uma velha estratégia, fora do tempo. É que os EUA já não são o farol do mundo!

Talvez daqui a uns anos o B dos BRICS seja substituído pelo A de Angola.

 

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