O Conselho Geral e de Supervisão da EDP votou unanimemente a favor do recurso à arbitragem internacional, com objectivo de contestar a decisão do estado português de ser reembolsado em 285 milhões de euros, por pagamentos excessivos no contexto dos CMEC e que os accionistas da EDP acreditam ser indevidos.No entanto, não foi anunciado recurso aos Tribunais portugueses para resolver esta disputa no contexto do quadro legislativo nacional. Os accionistas da EDP pretendem recorrer a mecanismos de arbitragem associados a tratados internacionais, que constituem, na prática, um “sistema de Justiça paralelo” à disposição dos grandes investidores. Com grande probabilidade, o tratado invocado será o “Tratado Carta da Energia”, o qual tem sido responsável por cerca de metade dos casos de “extorsão” das multinacionais face aos estados.
O que está em causa são os “Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual” (CMEC), que foram criados para compensar a EDP pela cessação antecipada de vários contratos de aquisição de energia, em respostas às regras europeias de liberalização do mercado de energia. As receitas dos CMEC andam na casa das centenas de milhões de euros.
Os CMEC têm sido amplamente considerados uma “renda excessiva”. Esta consideração fundamenta-se em vários indícios, tais como um estudo de peritos da Universidade de Cambridge, o qual apurou que a rentabilidade nominal efectiva dos CMEC era de 14,2%, acima dos 7,55% do custo de oportunidade do capital que foi considerado num despacho do Governo.
Por outro lado, uma estimativa da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), conclui a EDP cobrou abusivamente 510 milhões de euros no âmbito do regime jurídico dos CMEC. A isto acresce um parecer da Autoridade da Concorrência segundo o qual a EDP tem feito uma utilização abusiva do actual sistema e que os actuais pagamentos correspondiam a “sobrecompensações”. Por fim, os indícios de corrupção activa e corrupção passiva no processo de criação dos CMEC conduziram a uma investigação que já levou à constituição de quatro arguidos.
É neste panorama que surge o despacho do secretário de Estado da Energia de 29 de Agosto, o qual quantifica em 285 milhões de euros o valor que tem sido pago em excesso à EDP e que se pretende reaver.
Em resposta ao que identifica como “expropriação indirecta”, o Conselho Geral e de Supervisão da EDP deliberou a favor do recurso à arbitragem internacional. Do Conselho Geral e Supervisão tomam parte os principais accionistas da EDP: a companhia eléctrica estatal chinesa “Três Gargantas”, o fundo de investimento BlackRock e a petrolífera argelina Sonatrach, entre outros.
A ter lugar, este processo decorrerá por via dos mecanismos de resolução de disputa investidor-estado (conhecidos pela sigla inglesa ISDS), dispensando o recurso aos Tribunais Nacionais. Os mecanismos ISDS envolvem a criação extraordinária de um júri privado de três juristas, contratados pelas partes, que se reúne em datas e locais secretos. Embora o sistema seja criticado pela falta de transparência e pelos significativos conflitos de interesse por parte dos árbitros envolvidos, o número de casos ISDS tem aumentado significativamente, passando de um total de 52 entre 1995 e 2000 para 347 entre 2010 e 2015.
Por João Gama, activista da Plataforma TROCA – Por um Comércio Internacional Justo
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