Um grande ponto de interrogação, é esta a síntese da situação de Espanha, vista este domingo pelo diário catalão “El Punt Avui”. Vendo do outro lado do Atlântico, a Stratfor percebe “o fim do sistema pós-Franco” (o que se tem chamado de “Estado das Autonomias”) e considera que estas eleições decidem da forma como esse fim se vai fazer: ou pelo caminho mais duro, com a escolha dos ‘hardliners’ do PP, ou por uma via mais suave, com o PSOE e aliados.
Ambos têm razão. O jornal de Barcelona expressa a angústia do eleitorado perante uma mudança que sente ineluctável mas que desconhece como se irá passar. Os “serviços” de George Friedman antecipam, como é seu hábito, identificam o problema e as grandes vias possíveis da sua resolução e apontam como escolha decisiva destas eleições a opção entre a via mais ‘hard’ e a via mais ‘soft’.
As potencialidades que o “Estado das Autonomias” oferecia à afirmação e desenvolvimento da democracia em Espanha, nos anos setenta do século passado, estão hoje esgotadas. O Estado Espanhol necessita urgentemente de encontrar formas novas e eficientes de garantir a sua sobrevivência e assegurar bem-estar e desenvolvimento às suas populações. E que, portanto, respondam positivamente, resolvam e integrem as interpelações e desafios que várias das “Nações sem Estado” do Estado Espanhol hoje colocam a Madrid.
São problemas velhos de séculos, com origem na geografia (a configuração do território, com imensas dificuldades de comunicação e circulação, gerou uma “balcanização” na distribuição das populações) e na história (a tentativa castelhana de impor a sua hegemonia a esse território balcanizado). O golpe de Estado de Franco e a guerra civil que se lhe seguiu interromperam um processo de afirmação e desenvolvimento das “autonomias” numa Espanha em vias de modernização. As décadas da ditadura franquista terão sido um intervalo num imparável processo de decadência e queda da hegemonia castelhana no Estado Espanhol.
A grande questão destas eleições é esta mudança, agora em aceleração, no tabuleiro do Estado Espanhol. Como vai ela evoluir e por que via. Como vão comportar-se no tabuleiro em mudança os novos protagonistas agora eleitos e como vão condicionar e influenciar esse tabuleiro (recorde-se, por exemplo, que o Podemos é assumidamente não-monárquico…).
As questões imediatas – de coligações, de governo e de outros entendimentos – são, obviamente, importantes mas não são o essencial, são mera “espuma destes dias”. Neste plano, uma coisa já está, porém, decidida: o fim do ‘reinado’ do autoritarismo austerista ordo-liberal de Mariano Rajoy, esse galego serviçal do centralismo castelhanista. (Chamar “neo-liberal” a Rajoy e sua política indicia uma de duas coisas possíveis: ou excessiva e cega bondade ou alguma confusão conceptual…).
Portugal, possuidor de um território com dimensão crítica suficiente e com largo acesso ao mar, ao ser precursor europeu na criação do Estado-Nação (ou ao ter sido a primeira Nação-Estado da Europa e do Mundo) e ter sabido dominar com mestria a gestão das relações internacionais, conseguiu vencer o asfixiante amplexo castelhano e manter a sua vida própria, fora das desgraças e permanentes angústias existenciais “das Espanhas”. E assim terá toda a vantagem em continuar… Sem, porém, se alhear.
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