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Domingo, Dezembro 22, 2024

Relembremos Fellini, um gênio do cinema

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Embora tenha deixado de viver faz 25 anos nesta quarta feira (31), o grande diretor italiano Federico Fellini permanece vivíssimo na memória do cinema e no coração de seus admiradores.

Fellini fez da telona um verdadeiro circo, com seus personagens muitas vezes bizarros e quase sempre inusitados, embalados pela música marcante de Nino Rota.

Fellini foi autor de cerca de 24 filmes, entre 1950 e 1990; muitos tornaram-se clássicos indiscutíveis.

Suas temáticas não eram propriamente políticas, como outros diretores italianos contemporâneos da época. Mas foi um mestre na arte do ridendo castigat mores – corrige os costumes rindo, como diziam os latinos. Não abandonava os chicotes que usava neste ato de castigar os costumes – a palavra, como escritor, lápis e canetas como cartunista, a câmera como cineasta.

Entre seus filmes notáveis se destacam, por não fugirem de temas que se pode chamar de políticos, “Amarcord” (1973) e “Ensaio de Orquestra” (1978). Mas o material fundamental que usou foi a memória – embora não possam ser considerados autobiográficos: usou e abusou de cenas que assistiu para tratar dos absurdos e muitas vezes do ridículo de situações grotescas. Uma fonte destas cenas registradas na memória foi a participação obrigatória, quando jovem, de uma associação juvenil fascista chamada “Avanguardista”, durante a ditadura de Mussolini. Mas usou seu talento para rir e expor o ridículo dos fascistas quando colaborou, desde 1939 (tinha então 19 anos de idade) no semanário satírico Marc’Aurelio, publicado em Roma.

Sobreviveu desenhando caricaturas, muitas vezes de soldados aliados, desde a queda do fascismo (25 de julho de 1943) e a libertação de Roma (4 de Junho de 1944). Foi roteirista de shows de rádio e filmes, se destacando como autor de anedotas para comediantes conhecidos.

Sua primeira incursão no cinema foi em 1945, quando o diretor Roberto Rosselini se interessou pelo seu projeto “Roma, Cidade Aberta”. Fellini estreou como cineasta em 1950, com “Mulheres e Luzes” (“Luci del varietà”), co-dirigido por Alberto Lattuada, e que contava a história de uma turma de saltimbancos itinerantes; o filme foi um fracasso de público e de crítica, levando sua produtora à falência.

Dois anos depois, em 1952, foi a vez de “Abismo de um sonho” (“Lo sceicco bianco”), baseado em uma fotonovela. Foi o primeiro filme da longa série que deixou como herança, incluindo alguns filmes notáveis, como “Os Boas Vidas” (1953), “Noites de Cabíria” (1957), “A doce vida” (1960), “8½” (1963), “Satyricon” (1969), “E la nave va” (1983) “Ginger e Fred” (1986), “Entrevista” (1987) e “A Voz da Lua” (1990).

Nesta série longa se destacam filmes que geraram a expressão “feliniano” como sinônimo de memorialismo, sonho, fantasia e o grotesco como expressão de um cotidiano muitas vezes irracional e cruel.

Nesta série pode-se destacar “Entrevista”, um engenhoso depoimento sobre a arte de iludir que é o cinema. Filme em que há uma cena primorosa neste sentido – a entrevista fora solicitada por jornalistas japoneses a Fellini, que estava filmando. Numa certa altura são apresentados – Fellini e seus entrevistadores – sob a luz encantadora do luar. Mas um afastamento da câmara revela o truque: vê-se que aquela luz vinha de uma lâmpada que, do alto de uma grua, a espalhava sobre a cena. Um truque de cinema para simular a realidade.

Fellini foi um mestre nesta simulação, exagerando seus aspectos até o paroxismo na crítica mordaz dos costumes e mesmo do cinema que os reproduz.

“Minha natureza não é política”, disse certa vez. “O discurso político me confunde na maioria das vezes. Não o compreendo. Mas confesso isso como uma fraqueza, como uma de minhas carências.”

 

Texto em português do Brasil

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