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Domingo, Dezembro 22, 2024

Edmar e a montra da loja franca de Maputo

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

O Edmar era um rapazito pálido. Tinha uns enormes olhos castanhos que espreitavam por entre uma longas pestanas e sorria a toda a gente com a graça dos seus seis aninhos.Viviam-se os tempos da revolução. Bendita Revolução!

O Edmar levantava-se sempre muito cedo para ir à estação dos caminhos-de-ferro de Moçambique (CFM) buscar os jornais, que durante o dia vendia.

Ao meio-dia ia à sua barraca comer um bolinho de arroz que a mãe sempre lhe preparava; depois saía de novo para apregoar os jornais que trazia no enorme saco, quase do tamanho dele, sempre sob o olhar atento de uma espécie de supervisor adulto. Orgulhava-se de ser o miúdo que mais depressa despachava os jornais, mas nem assim os conseguia vender todos.

Já quase no declínio da tarde, ia entregar os restantes, depois era o seu momento mais desejado: o princípio da noite; quando já todas as crianças da sua idade tinham recolhido a casa, ele descia a Avenida 24 de Julho de Maputo de mãos nos bolsos a assobiar à ardina. Contudo, havia sempre a meio da rua, algo que o prendia por um tempo que não cabia no maior instante do mundo. Era a montra dos brinquedos, a montra a que todos os dias ele colava o nariz e onde ficava pregado ao chão. A montra da loja Franca de Maputo.

Era a montra da ilusão, a montra que ilustrava os seus sonhos ali mesmo na fronteira e sem passaporte. Via e revia as gorjetas que sobravam de todo o dinheiro que fizera; porém nunca chegava para o mais barato carrinho de plástico. Ah!!! Mas o que ele adorava mesmo era a máquina que lhe punha o coração aos pulos e fazia voar o seu pensamento até Roma, Paris, Londres, Madrid, Estocolmo, Atenas, Lisboa, Istambul, Dubai, Cairo, Pretória,… Estava decidido: quando fosse grande já não vendesse jornais, seria maquinista, ou até quem sabe, fosse vender os seus jornais a Nova Iorque.

Mas o tempo não perdoava. Os dias sucediam-se, uns após os outros e nada de novo traziam. Em todos eles, o Edmar fazia as suas viagens: da sua barraca à estação de caminhos-de-ferro de Moçambique, da estação de caminhos-de-ferro de Moçambique à Avenida 24 de Julho e da Avenida 24 de Julho até ao fim do mundo, ao eterno, ao sonho!…

O ciclo era por isso sempre o mesmo: O Edmar, os jornais, a montra da Loja Franca de Maputo e o comboio eléctrico; este todos os dias lá posto, como se ficasse à espera do Edmar, para ambos irem em viagem e depois lhe dar as boas noites.

 

 

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