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Domingo, Dezembro 22, 2024

Salvaram-se os Bancos, não a economia

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Neste capítulo e começando pelo reconhecido facto dos resgates bancários terem assegurado os interesses específicos dos accionistas dos bancos e não os da economia em geral (…) conclui-se que a manutenção da situação de sobrendividamento económico foi uma opção conscientemente tomada em consonância com o dogma neoliberal das vantagens do princípio da concentração da riqueza.Quando a propósito da passagem do 10º aniversário da falência do Lehman Brothers e do despoletar duma crise que para muitos continua bem viva concluí o artigo Crime sem culpados dizendo que «…as hesitações e tergiversações dos principais líderes mundiais não auguram para breve qualquer alteração radical no modelo de organização e funcionamento do sector financeiro, tornando cada vez mais seguros os proféticos avisos sobre a aproximação de novas crises, inevitáveis num dos mais iníquos sistemas de concentração da riqueza geral nas mãos de um reduzido grupo de grandes financeiros» tinha naturalmente em mente a situação dum sector da actividade económica a quem nunca foram pedidas responsabilidades e ainda menos exigida a correcção dos muitos erros e logros em que vem funcionando.

Centrei então a reflexão sobre os acontecimentos mais directamente ligados ao dia 15 de Setembro de 2008 e nos efeitos de choque sobre as economias europeias, preterindo a via da observação das causas mais profundas ou até das lições a retirar dos acontecimentos.

Princípio da concentração da riqueza

Neste capítulo e começando pelo reconhecido facto dos resgates bancários terem assegurado os interesses específicos dos accionistas dos bancos e não os da economia em geral, continuando com a constatação que a actual situação de debilidade e crescimento anémico é consequência daqueles resgates e não da crise económica que os acompanhou, conclui-se que a manutenção da situação de sobrendividamento económico foi uma opção conscientemente tomada em consonância com o dogma neoliberal das vantagens do princípio da concentração da riqueza, nos termos defendidos pela corrente monetarista de Escola de Chicago.

Esta corrente de pensamento, ultraliberal e monetarista, que teve em George Stigler e Milton Friedman, ambos laureados com o Nobel da Economia, os seus principais teóricos e em Margaret Tatcher e Ronald Reagan os seus grandes sustentáculos políticos, marcou as últimas décadas do século XX e passou até a constituir a base da cartilha económica de organismos como o Banco Mundial e o FMI que impuseram a sua aplicação a todas as economias que a eles recorreram pelas mais variadas razões.

A crenças nas virtualidades desta corrente levaram até à criação do chamado Consenso de Washington, conjunto de medidas composto por dez regras básicas – Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Livre formação das taxas de juro e de câmbios; Abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras); Eliminação de restricções ao investimento estrangeiro directo; Privatização das empresas públicas; Desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e laborais); Direito à propriedade intelectual – formulado em Novembro de 1989 por economistas do FMI, do Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser “receitado” para promover o “ajustamento macroeconómico” dos países que passassem por dificuldades, com as consequências que se viram em várias regiões do globo e onde até os seus mais ardorosos defensores acabaram por concordar que o crescimento ficou muito abaixo do esperado na América Latina, que a África Sub-Sahariana não registou progressos significativos, apesar das reformas políticas e do contínuo afluxo de ajuda económica, que o “período de transição” foi muito mais profundo e duradouro que o esperado nas antigas economias do leste europeu onde foi aplicado e houve recorrentes e dolorosas crises financeiras, com especial destaque para as economias do leste asiático.

Apesar do reconhecido insucesso desta ortodoxia, continuam a ser os seus seguidores a ditar a forma como funcionam a generalidade das economias, não se estranhando que perante uma realidade onde se observa uma redução do nível de actividade económica, talvez pouco evidente quando apenas se analisa a evolução dos grandes agregados macroeconómicos, como o PIB ou outros indicadores do comércio mundial, mas dramaticamente evidente ao nível local, na destruição de empregos e na devastação das redes locais de comércio em consequência da quebra geral nos rendimentos das famílias.

Salvar os bancos e os seus accionistas e não as economias

Não se estranhe pois a afirmação de que as medidas com que se tem enfrentado a crise desde 2008 destinaram-se, fundamentalmente, a salvar os bancos e os seus accionistas e não as economias e as pessoas.

Se tivesse sido esse o caso, nunca a economia de casino em que vive a generalidade do sector financeiro teria sobrevivido a uma maré de falências generalizadas, imparável face à montanha de financiamentos cruzados e operações fora do balanço, sem uma clara inversão na sua estratégia de gestão e um regresso a uma mais sadia actividade de prudente financiamento da economia real.

Mas ao invés disso, assistimos a sucessivas operações de resgate, maioritariamente financiadas mediante o recurso a fundos públicos e sem a prudencial imposição de grandes restrições ou entraves à continuação das actividades puramente especulativas a que se têm entregue.

Suportados no dogma dos inegáveis (mas nunca provados) benefícios do ultraliberalismo económico, que recuperou a palavra de ordem – laissez-faire – popularizada pelos ideias mercantilistas que predominaram na Idade Moderna europeia por oposição ao sistema feudal, libertos das peias da regulamentação e do controlo dos bancos centrais e deixados ao livre arbítrio da cupidez individual, rapidamente os assisados banqueiros se converteram nos banksters que hoje conhecemos e que permanecem sem julgamento nem pena efectiva, salvo a excepção do único país que na sequência da crise de 2008 recusou o resgate público dos seus bancos e julgou, condenou e prendeu banqueiros: a Islândia.

A dimensão que a crise financeira atingiu naquele pequeno país no topo norte do continente europeu, com uma população da ordem das 300 mil pessoas e que é frequentemente apresentado como aquele onde o grau de felicidade dos cidadãos é maior, foi tal que Geir Haarde, o primeiro-ministro naquela época, chegou a anunciar que a Islândia se confrontava com a possibilidade bem real de ver a economia nacional (tradicionalmente baseada no sector pesqueiro) engolida pela tempestade financeira mundial e sob ameaça da própria falência do país, uma vez que o sector bancário representava cerca de nove vezes o valor do PIB islandês (aproximadamente 11 mil milhões de euros, em 2007). Este cenário foi tanto mais estranho quanto pouco tempo antes a economia islandesa era apresentada, por muitos, como um exemplo de capacidade e de eficiência do modelo neoliberal de economia aberta, depois de ter efectuado uma modernização do seu tecido económico e social que levou a que o país fosse considerado como um dos mais ricos do Mundo; para aquele resultado muito contribuiu a ampla desregulamentação de que beneficiou o seu sector financeiro e do crescimento exponencial do seu mercado de capitais que facilitaram às empresas e aos bancos islandeses a diversificação de investimentos um pouco por toda a Europa.

A gravidade da situação então vivida na Islândia (e noutros países da UE como a Grécia, a Irlanda, Portugal e Chipre) levou a que os cidadãos chegassem a debater em 2015 a possibilidade de retirar aos bancos o poder de criar moeda, reservando-a em exclusivo para o seu Banco Central. Esta ideia, longe de constituir uma novidade absoluta pois chegou a ser defendida nos EUA na sequência da Grande Depressão, deixa bem clara a existência de alternativas ao actual modelo de funcionamento do sector financeiro, que estas estão presentes no espírito dos cidadãos e que persiste a necessidade de agir por forma a minimizar a repetição de crises por falta de políticas correctivas dos erros do passado.

 

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