Nenhuma voz expressa tão bem a melancolia e a cor da alma romani (cigana) como a de Saban Bajramovic. Aclamado pela Jugoslávia de Tito e pelas comunidades sérvias de expatriados, Saban foi cognominado o rei da música cigana, tendo atuado para Indira Ghandi quando esta era a primeiro-ministro indiana.
Nascido em abril de 1936 nos bairros ciganos da cidade sérvia de Nis, assumia-se não como cigano ou como sérvio, mas como cigano sérvio. Com a Segunda Guerra Mundial ficou órfão e abandonou a escola após a quarta classe. Iniciou a sua aprendizagem musical na rua, tendo sido apelidado de Sabi (pobre, maltrapilho). Cantava nas festas ciganas e chegou a ter algum sucesso. Aos 18 anos foi recrutado para o exército, mas um ano depois apaixonou-se e desertou. Foi capturado e condenado a três anos de prisão na ilha de Goli Otok, no Mar Adriático.
À sua passagem pela prisão chamou Saban a universidade da vida. Aprendeu a ler e a escrever, a jogar futebol (era guarda redes) e a cantar. Aprendeu também jazz, cantando os grandes êxitos de Louis Armstrong, Frank Sinatra ou John Coltrane com a banda da prisão, intercalados com músicas espanholas e mexicanas.
Após sair da prisão Saban iniciou a sua carreira musical. Começou a cantar em bares de música e em casamentos ciganos, primeiro na zona de Nis e depois na Sérvia e no estrangeiro. Gravou o seu primeiro tema em 1964, denominado “Pelno me San” (estou preso). O primeiro álbum foi gravado ainda nesse ano para a editora Crna Mamba, com a qual trabalhou mais de 20 anos. Ao longo da sua carreira assume-se que compôs cerca de 700 canções, pois não ligava aos direitos de autor e muitos dos seus temas apareceram depois registados por outros cantores. Gravou cerca de 20 álbuns e mais de 50 singles, tendo no início dos anos noventa composto e gravado “Djelem Djelem”, tema reconhecido como hino da nação romani. Nessa altura começou a atuar de óculos escuros, o que se veio a tornar uma sua imagem de marca.
Saban adorava jogo, mulheres e livros. Ao jogo perdeu fortunas, mulheres teve tantas como estrelas existem no céu. Gabava-se ainda de ter lido mais de vinte mil livros. Era casado e tinha quatro filhos. Por vezes não aparecia nos concertos que tinha agendado, preferindo cantar no aniversário de um amigo ou no casamento de um primo. Para ele o principal eram as pessoas, não os bilhetes vendidos ou as receitas dos espetáculos.
As guerras balcânicas dos anos 90 empalideceram um pouco a sua carreira, mas logo a partir de 2000 Saban voltou em força, colaborando com o grupo musical bósnio Mostar Sevdah Reunion ou com a banda cubana Cubismo. Em 2001 entrou no World Circuit, apenas tendo atuado uma vez em Inglaterra, no pub londrino em 2006, no pub londrino Mean Fiddler. Em 2005 foi rodado um filme sobre a sua vida, denominado “Saban”, que teve bastante sucesso na Europa de Leste.
Em 2008 foi noticiado que Saban vivia praticamente na miséria, sem dinheiro sequer para pagar os seus medicamentos para o coração, num pequeno apartamento da sua cidade natal de Nis. O governo sérvio interveio de imediato e apoiou monetariamente o cantor. Mas isso não impediu a sua morte de ataque cardíaco, a 8 de junho de 2008.
Saban Bajramovic influenciou inúmeros músicos de áreas tão diversas como o jazz, rock, alternativa, eletrónica ou música latina. A Time Magazine considerou-o um dos dez vocalistas mais influentes da história do jazz. Também no cinema teve várias aparições, trabalhando nomeadamente com Emir Kusturica e Milos Stojanovic.
Saban foi um músico e pessoa ímpar. Constantemente copiado, imitado e roubado, os contratos eram para si irrelevantes e nunca se interessou em proteger a sua música. Cigano de coração e educação, preocupava-se sempre em usufruir a vida como uma dádiva que recebera. Vivia dia-a-dia sem grandes preocupações, escrevia as suas músicas, ia onde queria, a nada reconhecia limites. Morreu como viveu, em fruição e desapego. “Stretan put, cigane stari”.
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Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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