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João de Sousa

Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Uma escalada… ao nada!

Escalar o que quer que seja é um desafio com arrojo desde que o escalador o faça de mãos limpas e intenção aberta.Duas condições impreteriveis e incondicionais para que a citada escalada tenha o êxito pretendido num contexto em que por êxito se conclui como contrapartida exclusiva o benefício filantrópico.

Escalar o que quer que seja para colher beneficio individual é preceito que no atual estádio social se afere (avalia) por “sucesso”, “êxito”, ou outra definição qualquer, de acordo com os preceitos (preconceitos) com que a classe media liderada por académicos e políticos profissionais, com os media a servir de pêndulo, a justiça a fazer de conta, e a educação em letargia profunda, se debatem e para que não tem outra solução que não seja a do seu próprio gozo embevecido pelo êxito social e o sucesso na carreira.

Esta estranha introdução é um preconceito pessoal de um preceito social que faz regra deontológica num tempo em que a deontologia não funciona por atentar contra a inteligência coletiva em meio aonde predomina a ética estruturante de círculos sociais num todo que faz da vida em sociedade comum uma panóplia elástica. Tão elástica que interage em todos os pólos como se de uma única massa, ou mole, fosse constituída.

Não se estranha por isso que num determinado dia, um homem se tenha enfunado de coragem e mostrado intenção em dar inicio a uma escalada por penhasco que não conhecia e que para a qual não se havia preparado. Pensou ele, o homem, que para estas coisas. Escalar penhascos, bastava ter vontade e pouco mais. Obviamente de que a vontade é factor determinante para a execução de uma tarefa tão arrojada quanto aquela a que se tinha proposto.

Simplesmente, não chega. É necessário também, para alem da vontade, um conjunto de coisas essenciais para a execução da tarefa. Desde logo, o reconhecimento e o planeamento da tarefa. Depois, as ferramentas necessárias para a execução da tarefa. E por último, o maior de todos os incentivos. O calor Humano! Ora, o homem em causa optou por dispensar o calor Humano, as ferramentas, e o reconhecimento do percurso da escalada que se propôs fazer.

Pensou que já tinha na sua posse todos os conhecimentos que ajuizou necessários para zarpar, penhasco acima. Apoiou-se em dois varapaus, e com a lenha sobrante de desbaste anteriormente feito, um desbaste seletivo e providencial, construiu uma escada que lhe facilitasse a subida ao cume do penhasco.

Pelo menos essa tarefa conseguiu fazer, que, diga-se, parecendo a mais fácil é a mais difícil porque implica manter equilíbrio ao longo de toda a escalada. E conseguiu fazê-la aproveitando a quantidade de madeira existente e a facilidade com que esta se ajustou entre si porque há imenso tempo que se encontrava já empilhada junto ao íngreme penhasco.

Que nestas coisas das pilhas, sejam elas feitas do que forem, há sempre motivo para a sua existência. Sendo que, quanto mais fortes forem os motivos, independentemente das razões, que terão razão ou não para o serem, aumentam ou diminuem de volume consoante o aproveitamento que for feito dos seus elementos tendo em conta as necessidades do trepador.

Porque, em abono da verdade, nunca se sabe quem é o trepador:

  • Se o que dá corpo ao ato;
  • Ou quem do ato tira partido;

O esforço é sempre relativo ao empenho, e desempenho também, o que valida a suspeição de que poderão haver outros trepadores em fila de espera aguardando caminho feito. E também, aqueles que usarão meios não convencionais em escaladas para a escalada em causa. Correndo por isso, o trepador, o risco de chegar e o penhasco já estar tomado.

Num outro dia, que nestas coisas da escalada o voluntarismo pode sair caro se ocorrer alguma queda: do escalador; da escada; ou de um outro qualquer artefacto que se encontre solto e mal posicionado no cimo da escarpa; Que o homem, já no cimo, acabada a escalada, concluiu que não conseguiu escalar coisa nenhuma. O que tinha a acontecido foi tudo resultado da sua imaginação. Encontrava-se, por isso, no ponto de partida. Não conseguiu porque tarde percebeu que só se é servido enquanto se é útil. Quando essa condição deixa de ser, ou fazer sentido, os apoios cedem e o escalador cai.

A questão, para avaliação de danos, só depende da altura a que estiver quando chegar o momento em que os apoios se vão desmoronar por necessidade da conjuntura que o posicionamento dos até então degraus, peões em tabuleiro de xadrez, fizerem o “xeque-mate” ao “Rei”. A conclusão filantrópica é a de que, nesse mesmo dia, o do início da escalada, o homem só teve uma preocupação: fazer caminho.

No ultimo dia, o dia em que chegou ao cimo, depois de fazer caminho, teve de dar tempo ao tempo para se acomodar às condições climatéricas; ao ritmo cardíaco necessário para estas aventuras; e, sobre tudo, ter uma boa dose de sangue frio necessário em circunstâncias em que o imprevisto é sempre certo e, as garantias de “sucesso” ou “êxito”, serão sempre, o incerto.

 

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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