A data de 25 de dezembro está simbolicamente ligada a festividades e rituais que datam de milhares e milhares de anos. Não, o espírito natalino não foi inventado por católicos, mas adaptado de rituais pagãos antigos. Este período se relaciona também, astronomicamente, ao fenômeno do Solstício de Verão (ou de Inverno, de acordo com o hemisfério).
A palavra “solstício” vem da junção de duas palavras em latim: Sol + Sistere (o que não se move). Solstitius, portanto, significa “ponto onde a trajetória do sol aparenta não se deslocar”. Em astronomia, é o ponto exato em que o Sol se encontra numa inclinação de 23,5º em relação ao Equador. No Solstício de Verão, cuja entrada se dá exatamente neste 21 de dezembro aqui no Hemisfério Sul, ocorre o dia mais longo do ano. Ao contrário, no Hemisfério Norte, o Solstício de Inverno apresenta um dia mais curto e uma mais longa noite. Este fenômeno ocorre por causa dos movimentos de rotação e translação da Terra. A luz é distribuída de forma desigual no planeta. Luz e escuridão em contraponto…
Este período teve grande importância para muitas culturas desde tempos remotos, tanto no mundo ocidental quanto no oriental, como é o caso da China antiga. Muitos povos da Antiguidade realizavam grandes festivais, envolvendo toda a comunidade, para celebrar a mudança de tempo. O monumento de Stonehenge, por exemplo, um histórico agrupamento de pedras localizado no Reino Unido e erigido por volta de 2.500 anos a.C, está construído de forma a receber os últimos raios do sol do solstício de inverno ou os primeiros raios do solstício de verão. Esses habitantes do continente europeu dos primeiros séculos da Era Cristã – denominados de pagãos pelos católicos – realizavam grandes rituais e festivais ligados à agricultura e à mudança de período.
Um dos festivais mais importantes ocorreu na antiga Roma, a Saturnália. O nome é uma homenagem ao deus Saturno (Cronos, na mitologia grega). O festival durava até sete dias. Os romanos celebravam a data em especial no Fórum Romano e no Templo de Saturno, localizados no Capitólio. Realizavam-se banquetes e festas onde todos os cidadãos podiam participar, durante as vinte e quatro horas destes sete dias, ininterruptamente. O jogo era permitido, assim como todas as normas sociais eram suspensas, senhores e servos trocando de papéis. E claro que sempre desembocavam em grandes orgias. O poeta Catulo dizia que esses eram “o melhor dos dias”.
Saturno, o deus da mitologia romana, é ligado à agricultura e seu símbolo é a foice. Deus da Colheita, ele ensinou ao homem a arte do cultivo da terra, que recompensa o trabalho com seus frutos. A Saturnália era, então, por uma lado, a comemoração de um ano bom de colheita e, do outro, o final de um período e início de outro, onde as esperanças se renovavam. Eles mantinham vivas as lembranças dos tempos míticos da “idade de ouro” quando Saturno reinava e havia abundância, fartura, igualdade, paz. Lembremos que o principal meio de subsistência naqueles tempos vinha do trabalho dos camponeses, que também geravam renda aos poderosos da época.
Durante a Saturnália se realizavam sacrifícios a Saturno. As festas e divertimentos envolviam toda a sociedade. Além dos banquetes e jogos, os romanos bebiam, faziam piadas e participavam de jogos de azar, o que era proibido nos outros meses do ano. Também era costume a visita aos amigos e a troca de presentes, pequenas figuras em terracota ou prata e velas de cera, que representavam a luz que ilumina a escuridão.
Muitos estudiosos do tema da Saturnália apontam que todos os homens, escravos ou senhores, no período destas festas ficavam em pé de igualdade. Escravos não trabalhavam, podiam usar a mesma roupa que seus senhores, comer com eles, jogar dados… Não se realizavam atividades “sérias” durante o festival. Ninguém trabalhava, a não ser os cozinheiros. Os direitos eram iguais para todos, pobres e ricos; todos podiam participar de tudo referente ao festival. O mal-humor estava proibido (segundo Luciano de Samósata), assim como as brigas, as ameaças, as auditorias… Toda a zombaria estava liberada! Era proibido não ser feliz!
Também era o período gelado do ano, mas os corpos se aqueciam com as festas e com o vinho. “Estamos em dezembro, mas a cidade toda está coberta de suor”, escreveu o filósofo Sêneca em uma de suas cartas. Todos celebravam. Os escravos até mesmo aproveitavam o período para zombar de seus senhores. Podiam dizer o que queriam em tom de piada e os senhores eram obrigados a achar graça. Os que não conseguissem rir de si mesmos, eram forçados a pular de cabeça dentro d’água. O poeta Horácio conta, em um de seus textos, um diálogo de um escravo com seu senhor:
– “Quem sabe não é você o mais tolo de nós dois? […] Você, que tem controle sobre mim, é sujeito a tantas outras coisas; e é guiado como uma marionete, por fios e cabos que não domina”.
Mas outras festas pagãs, ao longo da história, também homenageavam outros deuses e conduziam outros rituais nessa mesma época onde ocorria o Solstício de Inverno. Muitas delas em homenagem direta ao deus Sol que, em Roma, foi oficializada pelo imperador Aureliano no ano 270. O Sol Invictus era agora a divindade número um do Império, cujo culto perdurou até à adesão de Roma ao cristianismo, com a conversão do imperador Constantino. Este monarca tinha o Sol Invicto cunhado em seu brasão oficial.
Por volta do século IV, exatamente no ano 354, foi que se oficializou o dia 25 de dezembro como a grande data do calendário religioso cristão. Ocorre que na Pérsia, muito antes disso, o deus Mitra era homenageado com uma festa denominada “Natalis Solis Invicti” (nascimento do sol invencível). A igreja da época se apoderou dessas festas pagãs, assim como de seus conceitos, e inventou o Natal, determinando que Jesus Cristo teria nascido nesta data. Ocorre que o simbolismo do Sol carrega forte representatividade. Então era preciso que a luz do dia se recolhesse cedo trazendo a longa noite do Solstício de Inverno, para que um outro Sol pudesse brilhar, para que a Terra assistisse ao nascimento da Luz maior, surgida naquele ponto da Terra para onde a luz de Vênus, a Estrela-Dalva, apontava: o nascimento do Menino que viria para salvar todos os seres. Ao longo da história, enquanto se espalhava pelo mundo e dominava povos bárbaros e pagãos, a Igreja foi criando o Natal, mantendo algo daquele espírito festivo original… Ainda hoje visitamos e compartilhamos o banquete com amigos e parentes; trocamos presentes, festejamos…
Mas algo do espírito original das festas pagãs chegou até nós no período do Carnaval, aqueles três dias onde a Igreja faz vistas-grossas aos prazeres do corpo. Foi no tempo do Papa Gregório Magno (590-604) que o espírito da Saturnália migrou de vez para a festa do “dominica ad carnes levandas”, o nosso Carnaval, uma combinação de desfiles, festas, bebidas, comidas, sexo, fantasias, que se estende até o primeiro dia da Quaresma, a Quarta-Feira de Cinzas. Desta forma, as saturnálias romanas se mantém nesse espírito orgiástico e alegre, quando também assistimos a troca de papéis: o rei se veste de mendigo e o mendigo, de rei… Mas este é um outro tempo…
Por enquanto é Natal…
E já que temos que terminar, desejando um Ano Bom – de colheitas, como antigamente – aqui desejo que os raios do sol deste Solstício de Verão no Hemisfério Sul iluminem nossos dias e nosso Brasil, afastando para longe a longa noite que parece se anunciar… Que o “Sol Invencível” que ilumina nosso futuro nos alcance logo com seus raios!
por Mazé Leite, Artista plástica, bacharel em Letras-USP, membro do Ateliê Contraponto de Arte Figurativa | Texto original em português do Brasil
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