Entre 1961 e 1964 as gravações de Coltrane na Impulse mostram-no com um pé no mundo do jazz mais tradicional, tocando standards e colaborando com os gostos do lendário Duke Ellington e do vocalista Johnny Hartman, enquanto o outro pé assenta em território mais vanguardista.
A sua discografia desta época articula gravações ao vivo (“Live at Village Vanguard”, “Live at Birdland” e outras) com gravações de estúdio assentes num lado mais suave e mais meditativo em sua composição (“Impressions”, “Crescent” e outras). No início dos anos 60, Coltrane era êxito nos clubes e headliner em festivais, poderoso nas vendas de discos e nas receitas de bilheteira, mas sobretudo uma forte influência para muitos dos seus colegas músicos de jazz, blues e rock.
A partir de 1962 Coltrane estabiliza a formação do seu quarteto com Tyner, Garrison e Jones, numa estrutura que ficou conhecida por quarteto clássico. Com estes músicos produziu um trabalho de pesquisa e orientação espiritual, movendo-se em direção a um estilo harmonicamente mais estático, que lhe permitiu expandir os seus improvisos em termos rítmicos, melódicos e de execução. As músicas harmonicamente mais complexas permaneciam, mas em palco Coltrane procurava continuamente a reformulação dos seus próprios padrões.
Este quarteto produz “A Love Supreme” em dezembro de 1964. Um ponto culminante no trabalho de Coltrane, esta suite de quatro partes é uma ode à sua fé e amor a Deus. As preocupações espirituais caracterizaram a sua composição e interpretação a partir deste ponto, como pode ser visto em álbuns como “Ascension”, “Om” e “Meditations”. O quarto movimento de “A Love Supreme”, denominado “Psalm”, é o cenário musical para um poema original a Deus, escrito por Coltrane e impresso nas notas de capa do álbum. Coltrane toca quase exatamente uma nota para cada sílaba do poema e baseia o seu fraseado nas palavras. O álbum foi composto na casa de Coltrane em Dix Hills, Long Island. O quarteto tocou “A Love Supreme” ao vivo apenas uma vez, em julho de 1965, num concerto em Antibes, França.
“A Love Supreme” foi atípico para um disco de jazz de várias maneiras. Em primeiro lugar, incluía a voz de Coltrane cantando o título do álbum. A sua capa apresentava uma carta para o ouvinte e um poema, ambos escritos por Coltrane e ambos defendendo uma espiritualidade universalista, abordando seu papel como músico. Quando foi lançado no início de 1965, rapidamente se tornou o álbum mais conhecido de Coltrane, uma espécie de autorretrato musical que lhe rendeu duas indicações ao Grammy, introdução ao Hall of Fame da revista Downbeat e uma nova geração de fãs, muitos dos quais também olhando para caminhos espirituais alternativos.
De 1966 até sua morte, em 1967, Coltrane foi visto como o líder de uma nova geração de vanguardistas de jazz, uma geração politicamente mais comprometida e socialmente mais consciente do que a anterior, cuja música refletia a crescente indignação política do povo. O próprio Coltrane permaneceu humanista, mais em sintonia com a filosofia não violenta de Martin Luther King do que com a atitude de confronto de Malcolm X ou dos Panteras Negras. No entanto, sua música era uma parte indelével da banda sonora daquela era turbulenta e as gravações que fez entre os anos de 65 e 67 foram das mais controversas da sua carreira.
Coltrane faleceu de cancro no fígado em Nova Iorque, a 17 de julho de 1967. As suas cerimónias fúnebres representaram aquilo que o jazz lhe reconhecia: começaram com o Quarteto de Ayler a tocar “Truth is Marching In” e, em vez de elogio fúnebre, o seu amigo Calvin Massey leu “A Love Supreme”, o poema religioso que Coltrane escreveu em 1965. O caixão foi flanqueado por flores enviadas por Duke Ellington, Max Roach, Nina Simone, Stan Getz, e outros, ao som da música de Ornette Coleman composta para esse efeito. Um funeral de rei para o músico que 40 anos antes nascera humilde e pobre numa cidadezinha da Carolina do Norte, Hamlet de seu nome.
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