Entrevista com Eduardo Paz Ferreira, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Inquietudes em 2019
“A nomeação do juiz Sérgio Moro para Ministro da Justiça é um enorme escândalo e um sinal do que está para vir em termos da defesa dos direitos humanos”, alerta o professor Eduardo Paz Ferreira ao acrescentar: “Depois da extraordinária figura das democracias iliberais, arriscamo-nos agora a ter as ditaduras democráticas”
Jornal Tornado: Ao reflectir sobre os acontecimentos relevantes que ocorreram na Europa e no Mundo em 2018, quais elege como os mais preocupantes?
Eduardo Paz Ferreira: Neste tempo de chumbo em que vivemos sucedem-se as más notícias e não faria sentido reter a sua totalidade. Uma delas merece, no entanto, uma especial atenção. Falo, naturalmente, da eleição presidencial brasileira que levou ao poder Bolsonaro, convicto defensor da ditadura brasileira e portador de um novo projecto ditatorial que, na sua opinião e na dos seus apoiantes, será uma democracia, porque legitimada por uma votação popular em que, apesar de alguma dúvidas que se possam colocar quanto a eventuais fraudes, não deixa de ser expressiva.
Já agora e para memória futura será de não esquecer as várias reuniões havidas em Portugal entre juristas portugueses e os magistrados brasileiros responsáveis pelo “golpe de estado judicial”»
Depois da extraordinária figura das democracias iliberais, arriscamo-nos agora a ter as ditaduras democráticas.
A eleição de Bolsonaro marca um passo mais no caminho encetado por Trump que é, ainda assim, uma solução com algumas diferenças.
Quais são essas diferenças?
Bolsonaro, como o presidente filipino, Duterte, é um defensor da justiça privada e dos homicídios. Declarações e indícios vários não deixam dúvidas de que vêm aí tempos de perseguição política e brutalidade pessoal.
A tudo isto, que já é muito, junta-se a certeza do desinteresse pela pobreza, do empenho em aumentar a desigualdade e em levar por diante crimes ecológicos impensáveis, designadamente no Amazonas.
«O tempo não é mais para tacticismos e jogos de habilidade política, mas sim para uma total determinação de salvar o legado civilizacional do Estado de Direito»
Não creio que existam muitas atenuantes para a parcela do povo brasileiro que votou nesse sentido, mas ainda assim não é possível deixar de recordar a manipulação pelos media, a encenação do atentado contra Bolsonaro e, sobretudo, a politização da justiça, assente em inúmeras fraudes grosseiras e na total violação da isenção que se espera dos magistrados.
A nomeação do juiz Sérgio Moro para Ministro da Justiça é um enorme escândalo e um sinal do que está para vir em termos da defesa dos direitos humanos. Há todas as razões para ter muito medo.
Convirá não esquecer que o Brasil é um país cuja importância ultrapassa em muito outros Estados onde a ditadura ameaça ou se instalou e o peso que pode ter na América Latina, lançada numa deriva de direita.
A eleição brasileira, com as posições abjectas de Fernando Henrique Cardoso e Círio Gomes, veio recordar que na génese da subida dos regimes nazis ao poder no século passado esteve a cobardia e o oportunismo de direita democrática, que quis apanhar o comboio que lhe parecia ir triunfar.
Já agora e para memória futura será de não esquecer as várias reuniões havidas em Portugal entre juristas portugueses e os magistrados brasileiros responsáveis pelo “golpe de estado judicial”.
“A extrema-direita vai-se afirmando”
Geograficamente mais perto de nós, muitas eleições se têm sucedido com resultados terríveis. É o caso da Itália com um governo de extrema-direita perseguidor de emigrantes e refugiados.
Seguramente não por acaso, a poucos dias de terminar o seu “mandato”, Temer fez questão de entregar à Itália Cesar Battisti, condenado a prisão perpétua por terrorismo de esquerda nos anos 70, facto que o presidente italiano assinalou como “um testemunho significativo da amizade antiga e sólida entre o Brasil e a Itália [..]”.
«Coragem, Coragem sempre, mesmo quando tudo parece perdido, porque só a nossa desistência pode assegurar a derrota»
Entretanto, um pouco por todos os lados, a extrema-direita vai-se afirmando. Aqui mesmo ao lado, na Andaluzia, com a entrada em força do vox, no parlamento regional. Na Alemanha, com o ocaso de Merkel, acompanhado pela ascensão da extrema-direita. Uma ou outra eleição – o Luxemburgo, por exemplo – lá vão dando uma vaga esperança, até pelo reforço de posições de forças como os Verdes.
Os coletes amarelos em França e a rápida tentativa de os importar para Portugal são outro factor de preocupação pela violência subjacente e pela confusão entre uma esquerda inútil e acéfala e uma extrema-direita inteligente, determinada e com os meios financeiros.
Perante esta inquietação com o caminho trilhado por governantes e políticos, que mensagem quer deixar a quem executa, legisla, decide e julga?
Que saibam perceber quais são as linhas vermelhas que não se podem ultrapassar nem deixar ultrapassar. Que compreendam que o tempo não é mais para tacticismos e jogos de habilidade política, mas sim para uma total determinação de salvar o legado civilizacional do Estado de Direito. Que é preciso acabar com a desigualdade na distribuição da riqueza, que lança a confusão e serve àqueles que dela beneficiam. Que se descubra uma forma de falar para as populações, que elas entendam. Que se não promova quem apenas quer o mal dos povos. Coragem, Coragem sempre, mesmo quando tudo parece perdido, porque só a nossa desistência pode assegurar a derrota.