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João de Sousa

Domingo, Dezembro 22, 2024

ERC, Mário Machado e TVI

Comunicado de imprensa do Movimento SOS Racismo sobre a deliberação da ERC relativamente ao convite de Mário Machado pela TVI.

COMUNICADO

Deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) legitima o branqueamento de Mário Machado pela TVI

  1. De acordo com a Deliberação que a ERC proferiu, no que respeita às participações recebidas a propósito da emissão de 03/01/2019, do programa “Você na TV” – entrevista a Mário Machado, da TVI, foram efectuadas as seguintes recomendações genéricas:
  1. A necessidade de garantir a exposição dos diversos pontos de vista possíveis;
  2. A necessidade de garantir a efectiva representatividade dos intervenientes;
  3. A necessidade de garantir, pela escolha dos intervenientes, a qualidade da informação a transmitir;
  4. A necessidade de garantir o rigor no tratamento concedido ao tema, designadamente em matéria de contextualização, precisão e escrutínio da informação.”
  1. Não deixa de ser curioso que, deliberando que “no caso vertente, dos mesmos não se extraem factos que indiciam a prática de qualquer contra ordenação ou de crime por violação da Constituição da República Portuguesa ou de qualquer normativo em vigor.” a ERC ainda se dá ao trabalho de fazer as recomendações acima referidas.
  1. Sobre as várias questões levantadas nas participações que foram efectuadas, nos comunicados e posições assumidas por dezenas de entidades, incluindo o Sindicato dos Jornalistas e associações, a ERC entendeu que não há motivo para qualquer outra intervenção da sua parte, tecendo considerandos jurídicos quer sobre a liberdade de imprensa, quer sobre a liberdade de pessoas que já cumpriram penas pela prática de crimes e o facto de não poderem ser limitadas na sua liberdade de expressão. 
  1. A este propósito, o SOS Racismo dá por reproduzido tudo quanto consta do comunicado emitido sobre esta matéria no passado dia 03 do corrente. Mas importa ainda dizer o seguinte:
  1. É óbvio que, do ponto de vista estritamente jurídico, qualquer pessoa que tenha sido condenada pela prática de crimes e que tenha cumprido a pena que lhe for aplicada, não fica, em princípio, diminuída no exercício dos seus direitos fundamentais.
  1. Mas, mantendo o dever como qualquer outro cidadão, fica obrigado a cumprir a Lei – nomeadamente, a não produzir discursos de ódio e discriminação racial.
  1. Por outro lado, a TVI, enquanto órgão de comunicação social, deve assumir, respeitar e veicular os princípios fundamentais do exercício da sua actividade, em especial, não veicular notícias falsas, não branquear crimes e não dar palco a que outros crimes sejam cometidos.
  1. Para anunciar a entrevista em causa, a TVI e os seus profissionais apresentaram Mário Machado como “autor de declarações polémicas”. Ora, Mário Machado não é apenas o “autor de declarações polémicas”; Mário Machado é o autor, condenado em Tribunal, pela prática de vários e violentos crimes, tais como discriminação racial, ofensas à integridade física, coação, sequestro, posse ilegal de armas, difamação agravada, tentativa de extorsão, entre outros. A TVI ocultou informação relevante sobre a personagem que escolheu para os seus programas.
  1. Mesmo durante os dois programas em que Mário Machado foi entrevistado, a TVI permitiu que vários dos seus crimes e condenações fossem branqueadas mostrando apenas a versão do entrevistado: Mário Machado alegou ter sido vítima de erro judicial e ter sido condenado apenas porque escreveu uns textos. Não é verdade – Mário Machado cumpriu pena de prisão pelos crimes descritos e foi libertado quando terminou de cumprir as penas de prisão a que foi condenado, crimes, esses, que não se limitam a uns “textos” que o próprio escreveu. A TVI permitiu, assim, que informação relevante sobre a personagem que escolheu para “entrevistar”, por duas vezes, mentisse sobre as suas condenações, transmitindo a ideia de que o sistema judicial e democrático português perseguiram, injustamente, um cidadão.
  1. Na rubrica “Você na TV”, Mário Machado foi entrevistado por Luís Goucha e por Bruno Caetano, que é apresentado como “repórter”. Não sabe o SOS se estes dois profissionais cumprem todos os requisitos legalmente definidos para exercerem funções de jornalistas. Contudo, quer cumpram ou não tais requisitos, não podem, nem devem promover através de uma pretensa liberdade de informação a apologia de ideais e regimes fascistas.
  1. Note-se que veio a público informação segundo a qual o Ministério Público estaria a investigar Bruno Caetano, o apelidado “repórter” das manhãs da TVI, por alegadas práticas de crimes de discriminação e de incitamento ao ódio.
  1. No programa “Você na TV”, Mário Machado afirmou que ““Há uma falta de respeito pela autoridade e pelos mais velhos de hoje em dia, em comparação com o tempo do Estado Novo (…) há uma criminalidade galopante.” O dito “repórter” Bruno Caetano corrobora a opinião de Mário Machado sobre a necessidade de um novo “Salazar” para resolver o problema de autoridade.
  1. São conhecidas as formas utilizadas pelo Fascismo para resolver problemas de “autoridade” – PIDE, censura, tortura, privação da liberdade, assassinatos. Essa era a política de Salazar, do fascismo e do Estado Novo. A TVI voltou a servir de meio para branquear, de forma activa a violência do fascismo.
  1. Acresce ainda que, considerando os últimos dados publicamente disponíveis sobre a taxa de criminalidade referentes ao ano de 2018, anunciados pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, no Parlamento, Portugal é um dos países mais seguros do mundo.
  1. A 1 de Junho, as estatísticas já confirmadas apontavam para uma descida de 9,7% na criminalidade em Portugal. Apesar de os dados ainda estarem a ser sujeitos a comparações e validações, a avaliação das polícias aponta para um reforço dessa tendência de descida a atingir os 10% nos primeiros seis meses deste ano, comparativamente com igual período de 2017.
  1. O Relatório Anual de Segurança Interna de 2017, que reúne os dados referentes à criminalidade participada por oito órgãos de polícia criminal, conclui que entre 2008 e 2017 a criminalidade geral e a criminalidade violenta e grave diminuíram significativamente. A TVI, por intermédio do seu “repórter” Bruno Caetano, ao corroborar a opinião de Mário Machado sobre a “falta de autoridade”, serviu de veículo para transmitir a ideia falsa que há um problema de autoridade e criminalidade em Portugal.
  1. Perante o exposto, a questão que se coloca é se a ERC se deve ou não pronunciar sobre estes aspectos – e, do nosso ponto devista, deveria. Numa sociedade democrática, não é admissível que um órgão de comunicação social possa ser um veículo de mentiras e de branqueamento de violência, da História, do fascismo, do nazismo e do racismo.

Pelo SOS Racismo
Mamadou Ba
Joana Santos


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