O Parlamento Europeu aprovou ontem uma alteração ao acordo de liberalização comercial entre União Europeia e Marrocos, de modo a estender ao Sahara Ocidental o tratamento preferencial concedido aos produtos marroquinos
Em claro desrespeito pelo acórdão de Dezembro de 2016, do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que deu provimento a uma queixa da Frente Polisário (legitimo representante do povo saharaui) e considerou que o acordo celebrado com Marrocos – e que entrou em vigor em 2013 – não previa uma base jurídica para a inclusão do Sahara Ocidental visto que o território é distinto e separado de Marrocos e, por isso, não poderia aplicar-se a este território excepto com o consentimento do povo saharaui.
Com a clara intenção de desrespeitar o acórdão o Conselho da UE conferiu então um mandato à Comissão Europeia para poder alterar o acordo de liberalização recorrendo a uma manobra pouco honesta e a uma interpretação “livre” alterando o significado do acórdão. Para isso substitui o termo população saharaui por “população local” o que inclui os colonos marroquinos introduzidos pelo Estado ocupante após a invasão do território não autónomo em 1975. O objectivo era estabelecer a aparência de uma base jurídica que permitisse manter extensíveis aos produtos do Sahara Ocidental o tratamento e os benefícios aplicados pela UE aos produtos de Marrocos. O espólio dos recursos saharauis por Marrocos é de tal forma significativo que justifica e financia uma presença militar massiva nos territórios ocupados e a manutenção do maior muro de separação do mundo (2720 km).
Na votação de 16 de Janeiro 2019, em Estrasburgo, os eurodeputados aprovaram essa alteração com 444 votos a favor, 167 contra e 68 abstenções. O novo acordo inclui um mecanismo de rastreamento dos produtos abrangidos, “para garantir que os benefícios revertam a favor da população local” e não da população saharaui conforme exigia o acórdão do TJUE.
A Frente Polisario emitiu um comunicado em que condena veemente a “decisão ilegal e de curta visão do Parlamento da UE de prolongar o acordo comercial UE-Marrocos para os territórios ocupados do Sahara Ocidental.”
Mohamed Sidati, representante da Frente Polisario, alerta para o facto que o resultado desta votação representa:
um golpe directo não apenas para os defensores dos direitos humanos e o direito internacional, mas para o próprio processo de paz liderado pela ONU que a UE diz apoiar.”
E acrescenta que a decisão mina o progresso e prejudica o resultado das negociações políticas iniciadas pelo Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU. A possibilidade real de enfrentar o difícil desafio de forjar uma paz sustentável foi assim posta em causa pelo desrespeito e manipulação por parte da EU.
Há que relembrar que a “consulta” efectuada pela UE à população local não incluiu o representante legitimo do povo saharaui, de facto todas as associações e movimento civil saharaui indicou que o seu porta voz era a Frente Polisario. De facto o acórdão nunca mencionou nenhuma consulta, mas sim o consentimento do povo saharaui.
O processo de consulta foi de tal forma corrupto que levou à demissão da responsável pelas negociações do acordo do Parlamento Europeu para incluir o Sahara Ocidental no acordo de comércio de produtos agrícolas e da pesca entre a UE e Marrocos. A eurodeputada liberal francesa, Patricia Lalonde, renunciou ao cargo de relator devido ao conflito de interesses e às suas supostas ligações com Rabat através da EuroMedA. A deputada, que é membro do Conselho de EuroMedA,corporação com laços estreitos com o governo marroquino.
No relatório apresentado por Lalonde sobre as supostas “consultas” está incluído um Saharaui que segundo Lalond teria tido uma reunião com a delegação que ela chefiava e que visitou El Aaiun, no entanto a pessoa indicada estava em Granada, Espanha no dia e hora indicada e com fotografias publicadas no Facebook. A “consulta” inclui ainda empresas que são propriedade do Estado Marroquino como a empresa de exploração de fosfatos OCP, entre outras, claramente um conflito de interesses. Esta suposta “consulta” é uma violação ética, moral e honestidade da EU e um absoluto desrespeito pelo direito.
Por um lado a UE apela regularmente a ambas as partes do conflito (Marrocos e Frente Polisario) que evitem medidas que minem ou prejulguem o processo de paz, mas por outro lado decidiu ir contra as decisões do seu próprio tribunal que claramente condena a inclusão do Sahara Ocidental nos acordos EU/Marrocos.
Sidati, insta a EU “a desenvolver uma política consistente para a paz na nossa região. A UE deveria atrasar explicitamente a implementação deste acordo comercial e, em vez disso,articular um plano para usar o comércio como um incentivo para um acordo de paz negociado.”
Mas esta votação está longe de ver o acordo finalizado a Frente Polisario, agindo em nome do povo do Sahara Ocidental anuncia que irá recorrer a todas as vias legais para revertera decisão ilegal da EU.
No comunicado do representante da Frente Polisario este reafirma o alto grau de confiança de que a decisão europeia não sobreviverá ao escrutínio legal. Sidatii lamenta que:
tenhamos que ir tão longe, porque acreditamos firmemente que as nossas energias estão melhor investidas no processo liderado pela ONU, não hesitaremos em defender o direito internacional e os direitos do povo de Saharaui.”
De facto a UE, com essa decisão, exerce uma influência negativa sobre o actual esforço colectivo internacional e reforçando um status quo insustentável que é evidente não apenas pelo facto que a ONU está a exercer a sua responsabilidade, o posicionamento do Conselho de Segurança, dos Estados Unidos e da União Africana.
Como parte do processo de paz, a Frente Polisario está a dar à negociação uma oportunidade real. … Exigimos que a UE repense essa posição e use o comércio como um incentivo positivo para a paz.”
Recordamos que nem a União Europeia e os seus Estados-Membros, nem nenhum país do mundo reconhece a soberania de Marrocos sobre o território do Sahara Ocidental.