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Domingo, Novembro 3, 2024

Vamos ao cinema Águia para a eternidade da Infância – II

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

“A infância é o centro crucial do furacão da vida.”

Na cidade de Quelimane, nós tínhamos três salas de cinema (Águia, Chuabo e Estúdio), fora as itinerantes, as improvisadas ou as que terão existido antes da proclamação da independência. Isso quando eu já estudava na escola secundária e pré-universitária 25 de Setembro. E como a gente costumava esperar ansiosamente pelas férias para irmos dia sim, dia sim ao cinema!

Durante as férias, nós tínhamos “autorização”, uma espécie de passaporte para a vadiagem para ir ao centro da cidade, e não perdíamos a oportunidade prazerosa de ir ao cinema Águia para assistir aos filmes mais recentes, ainda que fossem cubanos checoslovacos, soviéticos, búlgaros, egípcios, jugoslavos, alemães, senagaleses, portugueses, franceses, espanhóis, italianos, camaroneses, americanos, indianos, chineses, coreanos ou japoneses.

E subitamente, podíamos ser tudo! Podíamos viajar! E nessas viagens encontrávamos Bruce Lee, Toshiro Mifune, Alain Delon, Dharmendra, Amitabh Bachchan,  Mario Moreno ou John Wayne.

Por vezes, nós costumávamos chegar molhados ou suados, mas a mudança de clima que por vezes sucedia, não nos impedia de nos divertirmos com os filmes. Uma hora e meia, duas horas ou três horas de escapada da rotina e disciplina da escola eram muito reconfortantes.

Ainda não tinham chegado os fast food americanos, mas havia as deliciosas patanicuas de côco ou farinha, os amendoins assados ou fritos, o matago da avó, o mutxapaué, a bagia, os cones com creme, as chamuças ou as apas com creme de banana caseiro que nos alegravam o estômago. Os bilhetes do cinema eram baratos, saíam caros  sobretudo quando a sala esgotava e tínhamos de os comprar na candonga. Mas o divertimento estava garantido na ida à cidade!

Claro, temos que andar para a frente.

Não se pode viver de prazeres distantes e salas de cinema perdidas.

Mas não há problema em matar saudades de um passado permanentemente revisitado no tesouro das memórias.

O que são saudades, senão uma clara tentativa de tentar conservar aquilo que era bom no passado?

E do passado, lembrei-me daquela mítica era dourada da grande tela. E do belo e inesquecível cinema “Águia”.

Comprei cassetes de vídeo e DVDs de filmes indianos, japoneses, franceses, italianos, chineses, portugueses, ingleses, brasileiros, americanos, coreanos e africanos, já em Portugal. Não posso vê-los todos agora. Não há tanto tempo disponível e o que há tem que ser repartido.

Mas sou efectivamente um sentimental e guardo-os no meio das minhas humildes relíquias e tesouros da infância como lembrança dos meus dias mais puros, belos e felizes.

Lembro-me bem de como caminhava feliz sozinho de volta para casa, depois de mais uma sessão, e de como ao longo do percurso de centro da cidade para os arredores, junto ao bairro Torrone Velho, caminhava silencioso e iluminado pelo luar, sonhava, depois da matiné da tarde. Viajava pelo mundo! Viajava!

 


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