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Sábado, Julho 27, 2024

A caminho de mais um desastre financeiro mundial? 2

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Parece cada vez mais óbvio que um grande desastre financeiro mundial não é apenas provável, mas praticamente inevitável. Não apenas devido ao modo de funcionamento das principais economias mundiais, mas devido ao próprio sistema financeiro ocidental que elas integram.

Muito à semelhança da crise espoletada em 2007 pelo subprime norte-americano, a próxima será de natureza global, afectando todos os aspectos da vida e todas as pessoas que vivem no planeta.

Caminhamos assim para uma economia insustentável, que se por um lado é incrivelmente produtiva e geradora de ganhos para uma pequena minoria pelo outro aumenta a miséria da vasta maioria, e a culpa de semelhante assimetria é principalmente do sistema financeiro baseado na usura.

O que agravou a situação

Tudo piorou com o fim do sistema padrão-ouro – que vigorou até ao final da I Guerra Mundial e no qual o valor das moedas era suportado pelas reservas em ouro detidas pelos respectivos bancos centrais, ainda que na sua fase final apenas fosse aplicável à libra inglesa – e a sua substituição ao abrigo dos Acordos de Bretton Woods (conferência que em 1944 reuniu as potências vencedoras da II Guerra Mundial para definir as regras a aplicar às relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados da época) pelo padrão dólar-ouro – sistema segundo o qual o dólar americano seria convertível em ouro e funcionaria como moeda de pagamentos internacionais – para culminar no início da década de 1970 com a declaração unilateral do fim da sua convertibilidade pela administração Nixon.

Acordos de Bretton Woods

A partir desse momento toda a moeda passou a ser pura e simplesmente fiduciária.

Outra consequência desta situação é que o sistema financeiro passou a poder criar moeda quase sem limitações, processo que ficou ainda mais fácil com a progressiva implantação dos princípios da liberalização e da desregulamentação da actividade financeira que culminaria, nos EUA dos finais de 1999, com a abolição do Glass-Steagal Act (lei que datava da administração de Franklin Roosevelt e do seu New Deal e impedia a fusão entre bancos de investimentos e bancos comerciais) pela administração Clinton.

Todo isto decorre no último quartel do século XX, com a eleição de Ronald Reagan e a ascensão dos teóricos monetaristas e neoliberais, coincidindo com a aceleração do processo de deslocalização – com os empregos fabris a serem transferidos para o terceiro mundo – e de privatização de empresas públicas. Este movimento, que também ficou conhecido como “Reaganomics”, teve deste lado do Atlântico o seu expoente com o “Tatcherismo” (do nome da primeira-ministra britânica, Margaret Tatcher, e representava a sua visão do liberalismo clássico monetarista), e que chegou a ser ensaiado na Rússia após a queda do Muro de Berlim e a implosão da União Soviética.

Escancaradas as portas ao dinheiro fictício (fase em que a moeda não tem qualquer valor real), estabelecidas as condições para que os bancos pudessem criar moeda através da mera concessão de crédito e criadas as condições políticas para a generalização do processo de deslocalização da produção, estavam reunidas as condições para a ascensão dos grandes bancos de investimento e das empresas de private equity (de que são principal exemplo a Goldman Sachs e o Carlyle Group), que se especializaram na alavancagem de crédito usado para a compra integral de empresas, ao despedimento de trabalhadores, a venda de activos e a transferência do remanescente para o exterior; tudo sob a égide de dirigentes políticos caracterizados por serem incompetentes ou seus fiéis servidores.

Confrontados com o crescimento do desemprego e com a quebra na actividade económica (o desemprego e os baixos salários geram um poder de compra cada vez menor) os banqueiros mantiveram o sistema em funcionamento através de sucessivas bolhas especulativas e respectivos resgates públicos. Assim tivemos mais recentemente a bolha das “dot.com”, a bolha imobiliária (subprime) e o “Quantitative Easing”, que paradoxalmente é uma admissão tácita dos malefícios da usura, pois a distribuição de dinheiro a rodos entre os bancos equivale a um processo de perdão de dívidas, mas limitado como foi às transacções entre bancos centrais e bancos comerciais não beneficiou a população em geral e assim, os mutuários ordinários ainda se vêem obrigados a pagar juros sobre empréstimos enquanto pouco ou nada recebem pelos seus próprios depósitos bancários.

E não temos alternativa?

Nesta, como noutras questões, há sempre alternativa. Assim é que em diferentes momentos foram utilizadas outras vias para criar moeda e pô-la em circulação; desde o processo de pilhagem do ouro das civilizações centro-americanas (século XVI) à grande corrida ao ouro californiano (século XIX), ou à emissão artificial de moeda, de que são exemplo os “greenbacks” usados durante a Guerra Civil Americana, até à mais recente distribuição de dividendos através do Alaska Permanent Fund que desde 1982 distribui anualmente pelos habitantes daquele estado norte-americano o produto dos royalties derivados da exploração dos recursos naturais da região.

A estes exemplos pode ainda somar-se o movimento que defende a atribuição de uma renda garantida básica para todos os cidadãos, que consiste, no essencial, em implementar uma forma de remuneração distribuída pelo Estado a cada membro da sociedade, independentemente da sua situação financeira, familiar ou profissional, e suficiente para permitir a satisfação das necessidades básicas, no pressuposto que o direito a uma existência digna é idêntico a outros direitos básicos como a saúde, a educação e o trabalho; a favor deste conceito (também designado por Rendimento Cidadão) são enunciados factores como o de contribuir para o aumento da natalidade (por permitir maior dedicação aos filhos), combater o abandono escolar (tantas vezes ditado pela necessidade de complementar o rendimento familiar) e uma simplificação dos sistemas de segurança social eliminando regimes como o do Abono de Família e do Subsídio de Desemprego, a par de outras prestações sociais como o nosso, tantas vezes polémico, Rendimento Social de Inserção.

São naturalmente escassas as opiniões na comunicação social que denunciam a tragédia em que se converteu um sistema financeiro global suportado na mera criação de crédito; prefere-se manter o silêncio em torno de um processo de autodestruição ou até da destruição do planeta, através do apoio a intermináveis guerras justificadas em “mudanças de regime” ou de mudanças climáticas e poluição química provocadas pelo homem, do que confrontar os dirigentes do sistema financeiro que governa a sociedade.

Estes dirigentes estão no comando de todos os governos ocidentais, do complexo militar-industrial, da informação e dos meios de comunicação e manipulam acontecimentos para atemorizar toda agente, como fizeram com o 11 de Setembro, ou destruindo nações inteiras como sucedeu com a Jugoslávia, o Iraque, a Líbia e agora a Síria e a Venezuela; tudo para manter em funcionamento um sistema corrupto e autofágico que procura escamotear os malefícios derivados de uma grande depressão económica ou da degradaçã oambiental.

A cada um de nós compete ver (observando além da realidade artificial que os meios de comunicação normalmente nos servem como informação) o que está a acontecer, reconhecer e assumir a responsabilidade individual de preparar outro futuro… um que naturalmente não se parecerá com aquele que hoje nos prometem!


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